Ex-entregadora: “fui atropelada duas vezes”

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GREVE – Mobilizações dos Entregadores Antifascistas na Avenida Paulista. (Foto: Reprodução/Brasil247)
Agni Dmitri e Gabriela Torres

MAUÁ – Diante de uma conjuntura de acirramento de classe, a precarização do trabalho se torna barbárie: esse é o caso dos entregadores de aplicativo e motoristas de delivery por todo o país, que passam por situações de risco todos os dias para conseguirem sobreviver.

É graças a essa realidade que, durante essa semana, milhares de entregadores se uniram em uma paralisação a nível nacional: pedalando sete dias por semana, em uma média de 14 horas por dia, para receber menos de um salário mínimo; se organizaram em mobilizações que comprovaram mais uma vez o fracasso do capitalismo.

Direito à Vida Negado

O vínculo entre entregadores e empresas é de prestação de serviços, pautado legalmente no “Termo de Uso” de cada um dos aplicativos. As empresas podem desligar os trabalhadores da plataforma, a qualquer momento e sem necessidade de justificativa. A informalidade e condições precárias de serviço são vendidas sob a ideia de um trabalho autônomo, em que você é seu próprio chefe, e determina seus horários como queira. Na realidade, empresas como Uber, Ifood, Rappi, James e etc, utilizam de mão de obra informal, lucrando sem oferecer nenhuma condição e negando os direitos dos trabalhadores.

EXPLORAÇÃO – Sem direitos trabalhistas e sem direito à vida. (Foto: Reprodução/Terra)

Os trabalhadores recebem por entrega uma taxa média de R$4,00 e cerca de R$1,10 por km percorrido. Não possuem auxílio para alimentação, e nenhuma medida de segurança física é oferecida. São diversos os casos de roubo e agressão relatados por trabalhadores de aplicativos, as empresas não oferecem suporte financeiro ou psicológico, se baseando na informalidade. 

No fim de 2019 o IBGE estimou que 13,7 milhões de brasileiros estejam trabalhando nessas condições. Com o avanço da epidemia do Covid-19 e o aumento do desemprego, estima-se que esse número tenha aumentado. Nesse momento se agrava ainda mais a precarização das condições da categoria, que só após as manifestações de junho, começaram a receber algum tipo de auxílio com equipamentos de proteção individual (EPIs, como máscaras e luvas), e continua sendo obrigada a trabalhar incessantemente, já que não possui salário e recebe apenas por entrega concluída. 

As organizações começaram em São Paulo e já chegaram em outros estados como Minas Gerais e Pernambuco. A paralisação de 01 de julho, que aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e outros estados, foi decretada após a manifestação na Avenida Paulista, no dia 05 de junho deste ano. Uma nova paralisação está sendo organizada pela frente dos Entregadores Antifacistas. Outros países da América do Sul como Chile, Argentina e Costa Rica, também têm se organizado contra a exploração das empresas de aplicativo.

Trabalhadores relatam que durante o período de pandemia a remuneração dos aplicativos diminuiu, e lutam por um valor mínimo estável, outras demandas apresentadas são fornecimento de EPIs, suporte em caso de acidentes e o fim dos bloqueios e expulsões indevidas.

Uma trabalhadora que por motivos de segurança, preferiu não se identificar, anos atrás fazia entregas para empresas de fast food como Habibs e Mc Donalds e relata que a situação era a mesma:

“Eu trabalhei de entrega, usando bicicleta, e naquela época há uns anos atrás não existia ainda aplicativo de entrega. Eu trabalhei em duas empresas e nenhuma era registrada em carteira. Não tinha nenhum benefício e só precisava de RG poder trabalhar. Eu fui atropelada duas vezes quando trabalhava lá, fora outros tipos de acidente. Acabei desistindo de trabalhar no segundo atropelamento, o dinheiro era pouco e não valia os riscos.”

SEM DESCANSO – Trabalhadores e trabalhadoras fazem uma jornada de trabalho sem nenhum descanso até a exaustão. (Foto: Reprodução/Fonte: Instituto Brasil Israel)

“Acho bizarro chamar os trabalhos precarizados, e cada vez mais precarizados, de empreendedorismo, é uma forma de esconder qual que é a fita, e os aplicativos dão essa ilusão, de que tá tudo bem, é uma característica do capitalismo de rolar tecnologia para dar uma cara mais bonita na exploração.”

A Realidade de Miséria e Suas Causas

Com a piora da crise do capitalismo que o mundo está passando, o aumento do desemprego começa a aterrorizar os trabalhadores, e a informalidade começa a massacrá-los. Os jovens da periferia; e em sua esmagadora maioria jovens pretos; continuam sendo moídos por uma forma de organização da sociedade que é regida pela superexploração da maioria, tudo em nome da garantia de privilégios de uma minoria parasita, como defende Vivian Mendes, presidenta estadual da Unidade Popular Pelo Socialismo: “o mundo como está organizado hoje têm um prazo, pelo menos para nós, seres humanos, muito curto: a gente vê um sistema, que é o capitalismo, que é explorador, que acaba com os recursos naturais e com os recursos humanos. Que acaba com a vida das pessoas! A gente vê os direitos sendo retirados um atrás do outro, e as pessoas morrendo de estafa, conduzindo uma bicicleta para entregar comida, sem nenhum direito trabalhista, sem nenhum descanso. Esse tipo de sistema é criminoso, ele é violento”.

Diferente da defesa oportunista do posto de “empreendedor”, os entregadores e motoristas de aplicativo são mais um exemplo da decadência do atual sistema. Milhares de brasileiros, à mercê da falta de recursos, de emprego e de escolhas, estão carregando comida em suas costas enquanto passam fome. Sem garantias, quaisquer direitos, e abandonados pelo governo de milionários de Jair Bolsonaro, esses trabalhadores dependem de jornadas exaustivas para terem a chance de sobreviver. “A gente tá convencido de que para 95% da população, pelo menos, essa forma de se organizar não serve” continua Vivian.

ORGANIZAÇÃO – Apesar da vida difícil, os(as) entregadores(as) estão lutando por seus direitos e encontram sua força em sua organização. (Foto: Jorge Ferreira/Jornal A Verdade)

Com recorde de mortes evitáveis pelo Covid-19, aumento exponencial da taxa de desemprego e das famílias abaixo da linha da pobreza, as manifestações antifascistas e por melhores condições de trabalho mostram que, apesar dos pesares, os milhões de explorados do país não estão satisfeitos com a sua miséria, e que sabem qual o caminho a se seguir.