Por Leandro Montano
Assisti a Live da noite de 17 de agosto promovida pela Prefeitura do Rio de Janeiro na esperança de ver algum posicionamento sensato do prefeito Marcelo Crivella ou de sua secretária de Educação, Talma Romero, sobre as escolas e o atendimento a população do Rio, mas me decepcionei. Em primeiro lugar, porque a preocupação do prefeito não parece ser com a educação das crianças ou com sua saúde ou mesmo com a saúde dos adultos (idosos, pessoas com comorbidades ou não) que tem contato com elas e entre si. Afinal, quem trabalha ou frequenta escolas, sobretudo as de educação básica atendidas pela prefeitura sabe das dificuldades enfrentadas diariamente pelos profissionais para atenderem aos alunos e seus responsáveis.
Com a pandemia de Covid 19 que atinge a cidade desde março, houve uma ampliação desses desafios, em parte pela insegurança gerada por uma gestão que não parece conversar entre si e muito menos com seus profissionais na ponta da corda. É importante esclarecer que há milhares de profissionais em grupo de risco ou que tem pelo menos um familiar nessa situação, portanto, colocá-los na rua nesse momento é submeter eles e seus próximos a riscos que só o isolamento social efetivo pode minimizar.
Em um determinado momento vi que o prefeito falou que “a preocupação é com as crianças”, portanto, não importa se os professores, técnicos, porteiros, merendeiras etc. forem se contaminar e as suas famílias se isso garantir o atendimento nas escolas para servir merenda. Pois bem, pensando por esse prisma, e excluindo a desumanização promovida pelo prefeito ao sugerir (com outras palavras) que os funcionários estão fazendo “corpo mole”, alguém acha que aglomerar crianças em escolas para se alimentar não é arriscado? Bem, segundo boa parte da comunidade médica, essa é uma escolha errada, não apenas pela aglomeracão em si, como também pela falta de meios e de infraestrutura adequados para fornecer alimento pros alunos.
Segundo relatos de pessoas da rede municipal de educação (o “chão da escola” que o prefeito indica não estar se preocupando com os alunos) não há equipamentos de proteção suficientes (álcool em gel, máscaras, locais adaptados para as circunstâncias – banheiros, refeitórios etc.), os contratos dos terceirizados da cozinha (que fazem a comida) está suspenso. Enfim, não há condições sequer de oferecer alimentos em condições adequadas e nem garantir sequer as chamadas “regras de ouro” para oferecer menos riscos aos jovens e aos adultos envolvidos direta e indiretamente no processo.
Tenho uma sugestão sobre a grande preocupação com a merenda, pois o prefeito repete isso por vários momentos ao falar de educação. Ela se justifica não pela real preocupação com a segurança alimentar, mas porque o prefeito conta com isso para a sua reeleição.
Explico. A população atendida pelas escolas municipais em sua maioria é historicamente frágil do ponto de vista alimentar, já que algumas crianças vivem em extrema pobreza. Qualquer pessoa que atua ou já atuou na rede sabe disso. Somos uma sociedade de desigualdades abissais. Muitas das famílias desses estudantes é atendida, por exemplo, por programas como o Bolsa Família e, diante dessa situação de pandemia, provavelmente teve seus ganhos reduzidos. Eles precisam de ajuda nesse momento, embora a escola não seja responsável pela assistência social, é ela que atende a essas crianças em termos que vão além da educação estrita.
Pois bem, sabendo disso, eu me pergunto o porquê de não ampliar a alimentação dessas famílias através do fornecimento de cartões ou cestas básicas para que essas pessoas não sejam colocadas em risco em ambientes (escola e caminho até a escola) em que podem se contaminar? A alimentação não seria adequada? Bem, a alimentação no cardápio oficial da prefeitura é um e o que vai pra escola nem sempre condiz com a qualidade esperada.
O ponto aqui é que a preocupação não é que as crianças estarão mais bem nutridas se comparada a compra de alimentos por outros meios como cartões ou cestas básicas. A questão é a de que servir merenda na escola dá visibilidade em ano de eleição. Sim. Visibilidade. Aparece e se aparece dá voto. Não estou subestimando a capacidade das pessoas de perceber ou não essa jogada, mas a forma como isso será usado politicamente pelo prefeito, como foi o chamado Sábado Carioca, em que as crianças cederam seu direito de imagem à prefeitura para poderem participar.
As crianças precisam se alimentar e nenhum professor ou trabalhador da cozinha se opõe a isso. A questão toda é que sabemos que há outras maneiras de se resolver a questão sem colocar em risco milhões de pessoas. Não precisamos de politicagem ou medidas eleitoreiras que ponham em risco nossos professores, merendeiras, funcionários e alunos. Precisamos de responsabilidade. Prefeito, educação não é resumida a merenda. A alimentação, que é fundamental, pode ser fornecida por outros meios, então, porque optar pelo caminho mais arriscado? Pensem!
Em tempo, me entristece muito ver que, além disso, a prefeitura se coloca contra seus funcionários que bravamente tem se esforçado pra manter as coisas funcionando, mesmo sem suporte da administração central ou sofrendo assédios e ameaças, pelo simples fato de seguirem orientações da Organização Mundial de Saúde, Fiocruz e outros órgãos científicos. Conheço dezenas de professores(as), coordenadores(as), diretores(as), assistentes de alunos etc. que tem desenvolvido materiais, gravado vídeos, preparado atividades para serem postadas nas redes sociais, feito pesquisas sobre o atendimento dos alunos (para verificar o alcance de suas atividades pedagógicas), feito reuniões semanais e mesmo tendo que responder a demandas as mais estapafúrdias da administração central (como fornecer imagens de alunos executando atividades remotas… visibilidade, lembram?) e, mesmo assim, se mantém firmes e fortes na luta para manter um mínimo de normalidade em meio a esse caos.
Essas pessoas, Sr. prefeito, não estão de “corpo mole” ou se “fazendo de vítima”. Essas pessoas é que estão fazendo a educação funcionar. Elas não ficam trancadas em seus gabinetes ou residências ditando ordens. Elas estão colocando a mão na massa mesmo antes quando a prefeitura não tinha a menor ideia do que fazer. Aliás, parece, em alguns pontos, não saber ainda. Por fim, o fato de terem comorbidades ou não, não os impedia e nem os impede de realizar as suas atividades, o que, aliás, tem feito desde o início do isolamento.
E pensar que o lema de campanha do atual prefeito era “cuidando das pessoas”.
*Trabalhador Técnico Administrativo em Educação da UFRJ e militante do MLC