Paloma Takamoto
União da Juventude Rebelião
MOGI DAS CRUZES (SP) – A suspensão das aulas presenciais e sua substituição pelas aulas remotas na Universidade Mogi das Cruzes (UMC) iniciou-se no dia 16 de Março, as aulas passaram a ser por vídeo conferência e houve o envio de uma demasiada quantidade de PDFs para “suprir” o que teríamos nas aulas presenciais. O ensino acadêmico – que já é denso – se tornou ainda mais pesado em formato EAD, a demanda de trabalhos e exercícios para ser entregues em um prazo relativamente curto resultou na sobrecarga mental dos estudantes e em um estudo ineficiente, visto que o primeiro semestre de 2020 para os universitários significou um processo de repetição mecanizada e alienada de suas tarefas.
Diariamente tenho impedimentos para me comunicar com meus colegas de sala, grupos de trabalho e realizar pesquisas, e nessa pandemia minhas alternativas ficaram ainda mais escassas, pois lan houses e outros estabelecimentos que forneciam rede Wi-fi, assim como as salas de informática da Universidade Mogi das Cruzes (UMC), fecharam e pessoas que poderiam me receber em suas moradias e emprestar seus notebooks estão em home office ou estudando online.
Primeiramente, me comuniquei por e-mail com a coordenação do meu curso de Relações Internacionais relatando minhas dificuldades nessa quarentena para o acompanhamento das aulas remotas, em específico sobre uma matéria que já era em EAD antes das aulas presenciais se tornarem remotas – pois só consigo acessar o portal do aluno e o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem) UMC através de computadores ou notebooks, os quais não possuo – e obtive como resposta que “estamos todos tentando nos adaptar a nova mudança de mundo” e que naquele começo de quarentena acreditava-se ser um período pandêmico passageiro. Em suma, enquanto os outros estudantes prosseguiam com as aulas em EAD, eu estaria sujeita a permanecer estagnada a espera de um hipotético final efêmero da pandemia para poder regressar às aulas.
Porém, para uma estudante pobre, bolsista, residente em uma zona rural de difícil alcance de internet, permanecer paralisada a espera do aval de outros é se autocondenar numa realidade que já te condena. Tratar como algo generalizado é ignorar o fato de que nem todos estão no mesmo patamar social e econômico para se adaptarem em sincronia.
Posteriormente, devido a minha persistência e ao meu pedido de que me encaminhasse á alguém que me auxiliasse nessa questão – já que não houve uma proposta de solução para o meu caso até então – fui orientada a entrar em contato com o suporte do EAD e com a professora da disciplina EAD, mesmo já relatado a dificuldade em acessar o portal do aluno da universidade nos meus aparelhos, celular e tablet.
Após enviar o meu relato para o suporte do EAD me orientaram a falar com a coordenação do meu curso, pois disseram que infelizmente não poderiam me ajudar, contudo, eu já havia falado com a coordenação anteriormente e nada se resolveu, então assim como a coordenação havia dito, me orientaram também a falar com o professor tutor da respectiva matéria EAD, o fato de que eu estava incomunicável com o docente por não conseguir acessar o Portal do Aluno UMC foi totalmente menosprezado apesar de eu ter relatado isso na mensagem e ter pedido no mínimo um contato via e-mail do professor tutor.
Desse modo, sozinha tive que correr atrás da ajuda de colegas de sala e arranjar alternativas e acordar diretamente com os professores sem nenhum suporte da UMC em si, apenas de alguns de seus docentes e estudantes. Com o auxílio de uma colega de classe que, concordou em enviar meu relato para a professora da disciplina EAD através do seu perfil do AVA no portal do aluno, pude acordar com a professora sobre realizar as avaliações do semestre por via e-mail.
Já as demais aulas não foram possíveis de se acompanhar online, as aulas remotas foram realizadas primeiramente pela plataforma Zoom, e posteriormente pelo Skype e simultaneamente com o recomendado pela UMC, o Microsoft Teams, essa ultima plataforma digital, contudo, não é compatível à todos os tipos de aparelhos – tablet, computador, notebook, celular –, além disso, dependendo da qualidade da conexão no local onde o aluno mora as vídeo chamadas realizadas pelos professores não são compreensíveis devido a lentidão da voz e imagem, dessa forma, eu só tive acesso aos materiais em formato de arquivos enviados com apoio dos professores, entretanto continuava sem a devida orientação e explicação dos docentes.
Ao final do semestre descobri dois programas computacionais de gravação através de uma colega de outro curso, assim ao menos as últimas aulas foram possíveis de serem gravadas através da ajuda de outro colega de classe. Contudo, mesmo com essas gravações sendo realizadas, e mesmo que as aulas fossem registradas desde o começo do isolamento social, o download das gravações – que contém uma hora ou mais de duração – com os dados móveis num local onde a conexão é extremamente ruim ainda não me faria alcançar o ritmo do restante da turma, também nem sempre consigo me manter atualizada dos prazos das tarefas, mandar a tarefa dentro do prazo estabelecido, visto que a maior parte dos dias a conexão é tão instável que mal consigo enviar uma mensagem via WhatsApp.
O EAD não é uma opção para os estudantes que moram nas periferias e na zona rural sem internet, estes alunos – que nem sequer possuem condições financeiras o suficiente para comprar um celular ou computador e, muito menos para bancar mensalmente internet banda larga em suas moradias – não recebem o devido suporte da universidade para a integração nessa modalidade de ensino a distância, dessa forma, confirma-se que o EAD (Ensino a Distância) é distante porque está longe de ser acessível para os estudantes pobres. Isso deixa explicitamente escancarado que as universidades ficam exclusivamente reservadas àqueles que têm condições de acompanhar as aulas digitais.
Assim, os estudantes pobres não conseguem alcançar o ritmo de estudos do restante da classe e nem absorver o mesmo aprendizado que seus demais colegas, isso gera um déficit educacional que vem sendo construído antes mesmo do ambiente universitário para a população trabalhadora, uma vez que, uma pessoa pobre que recebeu desde a infância uma educação pública – que é precarizado pelo Estado – tem menos chances de passar num vestibular para ingressar numa universidade, e quando essa escassa oportunidade aparece, ainda assim, o estudante pobre tem que se deparar com essa falta de integração e de apoio dentro do ambiente acadêmico, sendo muitas vezes impedido de concluir uma graduação.
Apesar da Universidade Mogi das Cruzes (UMC) ser uma universidade privada, existem muitos bolsistas presentes no campus, e estes alunos apenas por estarem usufruindo de uma bolsa já evidenciam a falta de condições financeiras para bancar um ensino superior, entretanto, a UMC nega em reconhece-los e ajudá-los, reforçando assim ser uma universidade eletista reservada somente para aqueles que podem suprir sua ganância. Aqueles que não possuem internet e nem aparelhos necessários para o EAD são invisíveis dentro da instituição, tratados como raridade portanto como anomalias.
Houveram estudantes que trancaram suas bolsas e matrículas logo no início da quarentena, pois não tinham equipamentos e internet necessários para o acompanhamento das aulas, e sendo uma pessoa pobre, você sabe que todo o esforço que fizer será o dobro para alcançar o mínimo de quem não passa pelas mesmas dificuldades socioeconômicas que você. Dificuldade todos realmente estamos enfrentando, mas a questão é que tipo de dificuldade estamos enfrentando, de onde ela é oriunda, e porquê quem está nessa situação mais agravante em relação a educação não é percebido dentro das próprias instituições de ensino.
Jovens que enfrentam dificuldades semelhantes as que eu enfrento estão se vendo obrigados a abandonar os estudos, e isso não se resume a uma escolha com razões particulares, pois não é um caso individual e isolado, mas o sistema nos envolve num discurso mais digerível de que a população pobre tem mais autonomia sobre a própria vida do que imaginamos, assim os clichês da meritocracia ocasionam naquele sujeito pobre uma culpabilização pelas privações que sofre, como se estás fossem oriundas do desleixo do próprio indivíduo, quando na realidade trata-se do contexto socioeconômico em que estamos inseridos, uma estrutura social desigual que, por exemplo, dita quem terá oportunidades de ocupar uma universidade e sair de lá com um diploma.
Esse mesmo discurso faz com que estejamos exaustivamente à mercê de dar explicações sobre nossa realidade diária detalhadamente, a pobreza sempre é investigada, sempre procurarão evidências de que a falta de acesso que sofremos é produto da nossa incompetência, mesmo que tenhamos nos exaurido de caçar alternativas até as quais não são possibilidades nas circunstâncias em que a vida nos é apresentada.
Muitos estudantes estão tendo suas matrículas arrebatadas sem ao menos saberem da possibilidade de reagir a esses descasos, muitos sequer pediram ajuda porque a vergonha da pobreza diante da predominância da classe média ecoou mais forte do que a necessidade, nos expurgar de espaços onde somos a minoria é um projeto sorrateiro de dominação para garantir que a população pobre não tanja uma educação de qualidade, pois seria sinônimo de desvelar a consciência de classe e desmantelar o discurso falacioso de dentro das instituições, a disparidade no acesso ao ensino superior não será cessada enquanto formos tratados como anomalias a serem extirpadas e nos permanecer acuados diante disso.