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quarta-feira, 24 de abril de 2024

A pandemia, a crise econômica e a situação do acolhimento institucional no Brasil

PANDEMIA – A desigualdade social não é fruto somente da pandemia, ela apenas aprofundou a colossal diferença entre a classe trabalhadora e a burguesia. (Grafite: Reprodução/Opni)
Assistencial Social e HR Santana

SÃO PAULO (SP) – À medida que a disseminação da pandemia causada pela Covid-19 avança, as consequências nas famílias brasileiras, especificamente aquelas moradoras das periferias, áreas rurais, população indígena, LGBTQIA+, Quilombolas, Ribeirinhos e pessoas em situação de rua certamente são as mais impactadas pelas questões de desigualdade social.

Em razão disso, acende o alerta sobre a possibilidade do aumento da institucionalização de crianças e adolescentes nesse momento de crise de saúde e econômica, o que torna ainda mais importante refletirmos acerca desse assunto, pois desde o período da colonização e após abolição da escravatura; o desenvolvimento afetivo, familiar e comunitário das crianças e juventude pobre, em sua maioria negra, tem sido violado.

O Estado usou medidas de criminalização, perseguição e desqualificação das famílias negras, para abordar as questões da infância e pobreza, principalmente no período pós abolição,  tratando as crianças em situação de pobreza como delinquentes e pervertidos, marcados com o rótulo de desvio social. Todos esses processos, tiveram como perspectiva,  o higienismo, cujo o objetivo foi promover uma limpeza social, para isso  fortaleceu as instituições de internação, essas por vezes disfarçadas pela defesa do “menor abandonado”, porém o foco do Estado era proteger a “sociedade”, pois consideravam esses “ menores” perigosos.

As medidas de acolhimento institucional no Brasil incorporam práticas violentas que se escondem no cunho caritativo das primeiras instituições como roda dos expostos que se firmou durante a época da colônia, e permitia a colocação de uma criança dentro de uma abertura no muro das instituições sem que as pessoas que as estivessem deixando fossem identificadas. Não podemos desconsiderar as leis severas da pós abolição que trancafiou numa cela uma criança de 12 anos, após ter atirado tinta num cliente que se recusou a pagar o seu serviço de engraxate, ele por 20 dias ficou preso com vinte adultos, sofrendo todo tipo de abuso possível. Essas medidas foram carregadas ao longo da nossa historia, e apesar das mudanças sofridas, o racismo institucional tornou-se estrutura do Estado brasileiro, agora usado como manobra do sistema capitalista para contenção e controle da classe trabalhadora, principalmente as crianças das famílias negras, que acabam sendo maioria nas modalidades de acolhimento Saicas – Serviço de atendimento institucional para crianças e adolescentes, Casa Lar, Republica , Familia Acolhedora ou em cumprimento de medida socioeducativa em regime fechado (Fundação CASA).

Diante do atual contexto social que vivenciamos, nos questionamos: Como se manterão as famílias negras, pobres e periféricas nesse cenário?  Em relação às crianças e/ou adolescentes, será que aumentará drasticamente o número de acolhimentos institucionais? Essas perguntas nos causam angústia e aflição, pois sabemos que o Brasil está sob a ordem dura do negacionismo histórico, acompanhado do abandono  da população mais pobre desse país. Cabe lembrar que tais situações não deixaram de acontecer em governos anteriores, pois o encarceramento e esfacelamento da população negra e periférica não deixaram de existir. Contudo agora estamos com uma face declarada de um Estado que inspira saudosos por regimes autoritários, de espírito escravagista, autorizando as práticas racistas, machistas e classistas deliberadamente.

É sentido pelo povo, o quanto esse discurso da quarentena de fique em casa, revelou os privilégios de uma minoria, pois milhares de periferias espalhadas pelo Brasil mostram o tamanho do abismo da desigualdade, sem nenhuma condição de estrutura física e mental para fazer o isolamento social. Revelou também quem realmente carrega esse país nas costas: os trabalhadores, esses realmente não pararam nenhum momento, muitos perderam empregos, e foram para o trabalho autônomo como camelô, aplicativos de entregas entre outras atividades. Para piorar esse cenário de extrema desumanização por parte do Estado, ocorreram os despejos em meio à pandemia. São aqueles trabalhadores que não estão conseguindo pagar o aluguel devido a perca do emprego ou porque seu salário tornou-se insuficiente, tendo que escolher entre morar ou comer.

A crise socioeconômica é ainda mais agravada pela ausência efetiva de políticas para manutenção de emprego e criação de novos postos de trabalho. A distribuição ou transferência de renda que era para ser uma saída temporária para o povo agora está sendo utilizada politicamente para beneficiar o presidente que, inclusive, sempre foi contrário a políticas desse tipo. E pior ainda, uma minoria de burgueses brancos que se apropriam do Estado ameaça suspender o auxílio emergencial de maneira perversa, por entender que esse valor gera gastos para o país e por isso tem que diminuir o valor ou precarizar para retardar o máximo possível de chegar às mãos dos trabalhadores. Enquanto isso, os milionários ficam mais ricos no meio da crise sanitária e econômica e os donos de igrejas que faturam milhões com o povo, ganham perdão de dívidas estimadas em bilhões.

Em meio à pandemia, esse atual governo também escolheu ficar sem um representante oficial do ministério da saúde, isso tudo para esconder dados e enganar a população, o que de fato conseguiu fazer. Mas a pressão de movimentos negros, entidades de classe e associações científicas conseguiram obter essas informações. Apesar da subnotificação, a maioria desses boletins da COVID-19 aponta que as pessoas negras e pardas, correm mais riscos de morte em relação aos brancos. O que está por trás desse risco, é justamente a luta que por  décadas os movimentos sociais e organizações de lutas negras fazem: a luta por saneamento básico, segurança alimentar, qualidade de trabalho, saúde publica da população negra e periférica, moradia adequada, na ausência dessas políticas aumentam o risco de adoecer e morrer.

Não há razão para voltarmos à falsa normalidade, o que precisamos é destruir os antigos hábitos e costumes pautados pelo mito da democracia racial, as quais colocam vidas em disputa para no final vencer o ideal de meritocracia de que venceremos pelo esforço individual, esse cenário de tão novo ele também tem de velho, mas trás consigo um momento oportuno para fazermos questionamentos fundamentais sobre qual sociedade realmente queremos cultivar. Será que é utopia demais desejar um mundo novo? Essa atual sociedade não está sujeita a mudanças profundas que despertem a humanidade entre os povos e nações? Por que nos aterrorizamos com a ideia de mudanças na sociedade e também familiar sendo que vivemos lutando contra os vestígios dolorosos do nosso passado? Como uma última pergunta: você acredita que a atual sociedade está pronta para cuidar dos velhos e novos órfãos dessa pandemia, considerando o aumento da desigualdade social?

Durante a crise capitalista, somos cada vez mais convocados a pensar estratégias coletivas. Sabemos que o povo elevando sua consciência de ancestralidade e de classe avançará rumo a essa nova sociedade. Para isso não podemos abandonar as nossas atuais lutas, mas sim empurrá-las ainda mais para esse lugar da mudança radical. Por isso, os espaços da sociedade civil organizada e movimentos sociais de luta, são instrumentos para pressionar e denunciar esse mesmo Estado que institucionaliza e encarcera, a cumprir políticas públicas que tem base no povo e iniciativas que abram caminhos de superação, promovendo o fortalecimento das famílias negras, pobres e periféricas, considerando o máximo possível os interesses das famílias advindas do seio da classe trabalhadora, ampliando investimentos em equipamentos como escola, saúde, creches, espaços de convivência para criança e adolescente, projetos culturas e esportivos, centros de apoio e orientação ao/a trabalhador/trabalhadora e também aprimoramento das políticas de transferência de renda.

Frente à necessidade de um olhar as nossas crianças, adolescentes e jovens, que são impactados pelo novo e velho contexto de desigualdade, nós trabalhadores da Assistência Social, vimos por meio desta análise de conjuntura e apesar das contradições que possam ser questionadas, entendemos que os desafios de ter a pele preta e ser classe trabalhadora, em um país racista e que desenvolve estratégias de genocídio da população negra todos os dias, ser uma família acolhedora  para acolher nossas crianças vítimas do racismo e da luta de classe, é  resgatarmos algo que ao longo da história foi uma forma de fortalecimento. Se olharmos para as comunidades periféricas, mulheres e mães negras sempre acolheram, educaram e orientaram mesmo aqueles filhos e filhas que não foram gerados em seu ventre, para que todas pudessem sair para buscar a renda familiar. De maneira pensada ou não, deram continuidade a cultura de alguns povos africanos de olhar família no sentido de comunidade, onde todos se cuidam, e se amam.

Portanto convocamos todas(os) as(os) cidadãs(ãos) em especial os movimentos negros, sociais, culturais, coletivos de luta por diretos humanos e demais espaços comunitários a apoiar e divulgar este serviço, não como uma alternativa, mas sim por questões objetivas de necessidade da classe trabalhadora, pois precisamos de pessoas para acolherem nas suas casas crianças de 0 a 17anos e 11 meses, em situação de vínculos familiares fragilizados ou rompidos, até que possam voltar para sua família de origem ou serem, excepcionalmente, encaminhadas para adoção, por isso o caráter do acolhimento é a provisoriedade.

Acreditamos que nesse cenário que se acentua o agravamento da desigualdade social, as políticas públicas e a participação popular caminhando juntos não possuem somente forças para mitigar os efeitos deste cenário, mas também tornar-se uma ferramenta operada pelo povo e direcionado para uma nova sociedade, assegurando inicialmente o direito das nossas crianças se desenvolverem com dignidade.


Quer saber como funciona o serviço “Família Acolhedora?” Entre em contato nos números abaixo:

Zona Norte de São Paulo
Telefone: 11 2959-8630 e 11 97590-2511
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Zona Sul de São Paulo
Telefone: 11 56320583
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Zona Central de São Paulo
Telefone: 11 98303028 ou 3021- 9889
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