Bento Xavier e Felipe Fly
SÃO PAULO (SP) – A luta pelo acesso à saúde por parte da população travesti e transsexual é antiga e começa a conseguir vitórias concretas no ano de 2006 quando, depois de muita luta da comunidade e de movimentos sociais, é concretizado o direito ao uso do nome social por meio da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde (Associação Nacional de Travestis e Transsexuai – Antra). Em 2008, o Processo Transsexualizador foi instituído, passando a permitir o acesso a procedimentos de hormonização, cirurgias de redesignação corporal e genital, assim como o acompanhamento multiprofissional. No entanto, esse processo era restrito às mulheres trans até a sua contemplação para travestis e homens trans, com a Portaria 2803/2013.
Para ter acesso a ele é preciso se dirigir até a Unidade Básica de Saúde da sua região e solicitar o atendimento com uma enfermeira/médica, que solicitará o pedido dos exames necessários e, depois, realizar o encaminhamento para um/a endocrinologista. Mas poucas cidades possuem centros de referência que garantem esse atendimento. São elas: Porto Alegre, Goiânia, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro.
Assim, parte da população trans necessita se locomover por grandes distâncias ou mudar de cidade para conseguir seu atendimento, sendo que esta é uma população com baixíssimo acesso ao mercado de trabalho. É uma situação agravada quando somada à falta de apoio de familiares, restando para muitos a prostituição como alternativa de renda para se manter (90%, de acordo com a Antra) ou outros trabalhos precarizados, como o telemarketing.
O tratamento hormonal é apenas um dos aspectos de saúde que afetam a população trans, pois também precisamos passar por ginecologistas ou urologistas, clínicos gerais etc. Mas, devido ao desconhecimento e ao preconceito, ficamos vulneráveis ao atendimento precário desde a recepção até a sala de atendimento. A violência do cotidiano, a desinformação dos profissionais, o desgaste físico e psicológico decorrentes de falas e ações preconceituosas durante o processo colaboram para a baixa procura por atendimento nos postos de saúde.
Como resposta, o SUS tem realizado programas com o objetivo de melhorar o atendimento, como cursos que visam informar os atendentes sobre questões LGBTQIA+ e o uso do nome social no cartão do SUS (é necessário pedir na recepção da sua UBS), que é amparado pela Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, garantindo o respeito à identidade, essencial para a saúde mental.
O nome social, fundamental para o devido tratamento de uma pessoa, é um respaldo do chamado “nome de guerra”, termo historicamente cunhado por muitas travestis e mulheres trans que têm de ganhar a vida nas ruas. Isso porque é justamente “guerra” o que essas mulheres vivem a cada dia, tendo que garantir o sustento na forma mais crua da utilização da sua força de trabalho, em que os meios de trabalho são o seu próprio corpo. Em última instância, trabalham num ambiente insalubre, sem direitos, e sob coerção e violência constantes.
É essencial destacar que a vulnerabilidade em que se encontra a população T é resultado da necessidade do modo de produção capitalista de manter grupos na marginalidade, impedindo o acesso à educação, ao trabalho e, como consequência, à dignidade, colocando grande parte desse grupo sujeito à violência, à falta de moradia, saúde, educação e sem perspectiva de inclusão nos espaços das cidades.
Estando à margem da sociedade, somos alvos do conservadorismo que direciona a raiva da população, resultado das injustiças sociais, como a alta do desemprego, com discursos que culpam a moralidade das pessoas pela crise do país, criando inimigos fictícios e nos separando enquanto classe trabalhadora, enfraquecendo e desviando a atenção dos reais culpados pelo sofrimento do povo. Por isso, defender os direitos LGBT+ é lutar pelo socialismo, pelo fim do desemprego e da vida miserável.