“No fim do dia, o eleitor norte-americano escolhe entre dois lados da mesma moeda, visto que as eleições não apresentam propostas concretas de mudança na sociedade, mas são, em sua maioria, de revisão de reformas já aprovadas e de emendas à constituição.”
Júlio César P. de Almeida
SÃO PAULO (SP) – No dia 3 de novembro ocorreram as eleições nos Estados Unidos, onde estavam foram disputados todos os cargos do Congresso e do Senado, o governo de estados e a presidência do país, além disso, alguns estados realizaram plebiscitos para decidir sobre assuntos como aborto, legalização do uso recreativo de drogas e até mesmo mudança em sua bandeira. Para muitos “defensores da liberdade”, a democracia norte-americana é um grande exemplo de onde há participação real do povo, mas isso não passa de uma grande lorota.
No sistema eleitoral dos EUA nem sempre o candidato à presidência que tiver mais votos será eleito, isso ocorre porque o país usa um modelo de votação proporcional, onde os eleitores de cada estado votam para eleger delegados que votarão para presidente respeitando a decisão do eleitorado. Cada estado possui um número fixo de delegados e o candidato que for vitorioso no território conquista toda a delegação do mesmo, isso significa que as eleições para o executivo federal no país não são diretas, o que faz com que candidatos que ganham em estados com maiores números de delegados, como Califórnia (55), Texas (38) e Flórida (29), possuam mais chances de vencer.
O sistema de votação e de apuração dos votos é muito frágil e antidemocrático, visto que a eleição é realizada em cédulas de papel que precisam ser contadas uma a uma, incluindo votos enviados pelo correio e que nem sempre chegam no dia do começo da apuração, tornando-se inválidos em muitos estados. Há, neste ano, uma estimativa de que mais de 300 mil cédulas de votação tenham sido extraviadas durante o processo de recolhimento, ou seja, dezenas de milhares de pessoas que votaram vão ter seus posicionamentos ignorados pelo sistema eleitoral, isso em um país onde a última eleição presidencial (2016), entre Hillary Clinton (Democratas) e Donald Trump (Republicanos) foi decidida por menos de 50 mil votos em estados como Michigan e Pensilvânia, considerados centrais na corrida.
O processo eleitoral controverso deste ano vem acompanhado de afirmações antidemocráticas, principalmente de Donald Trump que, muito antes do fim da apuração dos votos, se declarou vencedor e disse que recorreria à Suprema Corte do país, de maioria indicada por Republicanos, para que a apuração dos votos fosse suspensa por “suspeita de fraudes”, seu objetivo era invalidar os mais de 100 milhões de eleitores que não saíram de suas casas e votaram por correspondência, de maioria Democrata. A afirmação de fraude nas eleições ganha margem institucional ao notarmos a ausência de um “Tribunal Superior Eleitoral”, deixando que cada um dos 50 estados dos EUA decida uma legislação específica sobre as eleições, não havendo um órgão central que julga a validade ou não dos processos eleitorais, o que acaba por facilitar a manipulação dos resultados por governadores, deputados e senadores, permitindo que um pedido judicial como o de Trump atrase o resultado oficial das eleições por meses.
Um ponto importante que mostra a fragilidade do sistema eleitoral dos Estados Unidos é o fato de apenas dois partidos majoritários comporem o poder de forma revezada, impedindo que haja uma maior pluralidade de propostas.
O que ocorre é a divisão da Câmara dos Deputados e do Senado entre os Democratas e os Republicanos, que de tempos em tempos fazem alianças para votar assuntos em comum.
Entre o fim de 2018 e o começo de 2019, os órgãos públicos dos EUA ficaram paralisados por conta de um embate político entre os Democratas, que possuíam maioria na Câmara dos Deputados, e os Republicanos, que dominavam o Senado, o embate girou em torno da aprovação do orçamento para o ano de 2019, onde Trump incluía mais de USD$5 bilhões só para a construção do muro entre o país e o México, coisa que a oposição condenava.
Durante mais de dois meses bibliotecas, museus, parques e centros científicos ficaram fechados e centenas de milhares de servidores públicos ficaram sem receber seus salários por conta do congelamento de verba causado pelo conflito de interesses entre as direções dos dois partidos. Esse movimento é chamado “shutdown”, quando o governo norte-americano literalmente fica paralisado até que os dois partidos consigam aprovar uma proposta orçamentária conjunta.
No fim do dia, o eleitor norte-americano escolhe entre dois lados da mesma moeda, visto que as eleições não apresentam propostas concretas de mudança na sociedade, mas são, em sua maioria, de revisão de reformas já aprovadas e de emendas à constituição. Ambos os partidos recebem financiamento privado, podendo uma campanha de um único deputado chegar a custar USD$10 milhões, em sua maior parte financiados por grandes lobistas que defendem os interesses de certas empresas ou ramos da indústria. Por só haver a possibilidade de disputa entre os dois principais partidos, diversas organizações políticas menores lançam suas candidaturas pelos dois principais, o que torna tanto o Partido Democrata quanto o Republicano plataformas eleitorais sem nenhuma linha política uniforme a não ser a da burguesia.
A fragilidade da democracia dos EUA fica visível todos os dias, é fato que sempre que algo é julgado pelo congresso, há também centenas milhões de dólares escorrendo pelas mãos de deputados e senadores para garantir os interesses do grande capital. Democratas mais progressistas que denunciam esse tipo de prática, como a deputada novaiorquina Alexandria Ocasio-Cortez, são diariamente alvos de ataques de grandes empresários de dentro do partido, que divulgam fake news e fazem de tudo para barrarem suas propostas. Essas relações no sistema político-eleitoral norte-americano são exemplos claros de como o grande capital e sua “democracia” são, na verdade, uma ilusão passageira.
A disputa entre Joe Biden e Donald Trump nas eleições de 2020 é, na realidade, uma disputa entre duas propostas muito similares da alta burguesia norte-americana, com discursos de acentuação das guerras imperialistas, de desestatização, de recuperação econômica a qualquer custo e de priorização do lucro frente à vida. A diferença reside no discurso explicitamente fascista utilizado por Trump, que é suavizado pelo adversário democrata, além da utilização de movimentos de luta popular, como o Black Lives Matter, de forma oportunista por Biden, que inclusive tem como vice uma das senadoras que mais votou pelo reforço da repressão policial contra a juventude negra no país, a californiana Kamala Harris.
Por muito tempo os Estados Unidos vêm demonstrando sua negligência com o povo trabalhador e sua priorização pelos grandes ricos, essa relação fica muito clara quando observamos os altos índices de violência contra a juventude negra periférica no país. Um exemplo direto dessa repressão antidemocrática foi o ataque à eleitores negros no estado de Carolina do Norte, que foram fortemente reprimidos pela polícia enquanto faziam um ato simbólico antes de votarem. Tal caso, se ocorrido no mesmo cenário em qualquer país latino-americano, já estaria sendo investigado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e já haveria um plano claro de intervenção “democrática” dos Estados Unidos.
Para construir uma alternativa a esse visível sistema antidemocrático, o American Party of Labor (APL) diz que é necessária a construção da democracia operária: “a luta pela democracia operária é central nas lutas contra a supremacia branca, violência policial, baixos salários, falta de saúde, falta de moradia digna e muitos outros problemas que a classe trabalhadora nos Estados Unidos enfrenta.”
Muito é utilizado, para defender que os Estados Unidos são uma verdadeira democracia, que o povo tem, diferentemente de Cuba, livre direito de expressão e que até mesmo o fato do voto ser facultativo é algo a se invejar, mas a realidade é que a democracia popular, como a praticada pelos cubanos, não impede o povo de se eleger por falta de verba, não troca cargos políticos por apoio à empresas no congresso, não persegue membros do partido com propostas diferentes e não prende manifestantes por simplesmente demonstrarem sua indignação, tudo o que o “democrático” EUA faz diariamente.