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domingo, 22 de dezembro de 2024

A quebra das patentes no caminho para o socialismo

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PATENTES DA VACINA – A quebra das patentes da vacina pode ser um passo inicial para democratizar o acesso à vacina no mundo. (Foto: Thomas Peter/Reuters)
“O fato de alguns países ricos terem adquirido vacinas em quantidade expressivamente excessiva omite o fato de que vacinas estão faltando nos países mais pobres.”
Luiz Menna-Barreto
Prof. Aposentado da USP

MOGI DAS CRUZES (SP) – Nestes tempos de pandemia vem aparecendo na mídia, sem grandes repercussões, propostas de quebra de patentes das vacinas, quase sempre apoiadas no argumento das necessidades dos países pobres e nas constatações da desigualdade nos acessos às vacinas. Embora sejam propostas louváveis e que merecem o apoio decidido dos comunistas, também requerem análises que venham a ajudar na compreensão dos diversos aspectos envolvidos na quebra das patentes. Espero com este texto ajudar a construir um caminho possível para uma transformação mais radical da sociedade na direção do socialismo.

Cabe perguntar no que consiste uma patente para, em seguida, levantar um pouco da história das patentes e concluir com uma reflexão sobre a atualidade das propostas de quebra das patentes. Uma patente é o resultado de um ato de apropriação de ideias em benefício de um indivíduo, supostamente o único responsável por aquela ideia. A invenção de uma máquina é o exemplo mais comum e a sua patente está apoiada em uma falsa suposição – não é propriamente a máquina que é patenteada, mas sim a ideia que tornou possível a construção dessa máquina. A suposição é duplamente contraditória: difícil encontrar uma ideia que tenha surgido exclusivamente num único cérebro, por mais privilegiado e criativo que seja o tal inventor. As ideias emergem do conhecimento, da cultura social e são historicamente determinadas. Mesmo supondo ser possível essa origem exclusivamente individual, o valor da ideia nova se estabelece (ou não) no contexto social no qual ela é lançada. Um comunista deve rejeitar essa apropriação de ideias tanto quanto questiona a propriedade da terra, da água e do ar. Claro que a apropriação desses elementos comuns da natureza só se implanta num processo de construção e afirmação de desigualdades.

Não me parece que seja por acaso que as patentes tenham sido criadas e difundidas a partir do século 15, em Veneza, berço de atividade comercial, inicialmente para “proteger fabricantes de vidros” e na sequência ampliadas para outros produtos. Na Inglaterra a regulamentação coincide com as origens da Revolução Industrial, podendo ser considerada como um estímulo à industrialização nascente. Os donos das patentes nem sempre eram de fato os inventores originais, elas passaram a ser objetos de troca no mercado financeiro, nas mãos de banqueiros. O Estatuto dos Monopólios de 1624 na Inglaterra trouxe a novidade de prazo para as patentes – vencido esse prazo a patente perderia seu valor legal, passando assim supostamente ao domínio público. Nas Américas as patentes foram regulamentadas a partir de 1790 nos Estados Unidos.

No século 19, ocorreram diversos protestos contra as patentes, sobretudo na Inglaterra, nos quais as patentes eram consideradas como bloqueadoras do progresso, na medida em que proibiam desenvolvimento de técnicas industriais por empresas competidoras, por exemplo. Essas críticas levaram alguns países a abolirem as patentes (Holanda, Suíça) embora algum tempo depois tenham sido reinstituídas. Esse cenário reflete muito mais contradições entre empresários do que uma reivindicação dos trabalhadores, só aparecendo em pautas de sindicalistas no início do século 21 e bem mais recentemente nas propostas de quebra de patentes das vacinas no cenário da Covid-19.

O fato de alguns países ricos terem adquirido vacinas em quantidade expressivamente excessiva omite o fato de que vacinas estão faltando nos países mais pobres. Há movimentos entre os países pobres no sentido de quebrar as patentes das vacinas, mas há que associar a isso a incapacidade de produção dessas vacinas nos países pobres, pois envolve processos que dependem de insumos nem sempre disponíveis. Aqui no Brasil, além de algumas manifestações da comunidade científica, há um projeto de lei que deve ser discutido e votado nos próximos dias pelo Senado Federal. Nesse projeto, de autoria do deputado Paulo Paim (PT-RS), há a proposta de quebra temporária das patentes para atender a necessidade urgente do país. A composição atual do Senado não permite expectativas otimistas, uma vez que desde esta semana a Câmara dos Deputados aprovou a compra de vacinas por empresas privadas, que significa claramente um “fura-fila” assumido, lamentável sob qualquer ponto de vista a não ser aquele do lucro com esse comércio.

Só a pressão popular pode virar esse jogo e repetir a conquista da quebra de patentes dos medicamentos de combate ao HIV-AIDS do início dos anos 2000. Concluo, portanto, com um chamado aos comunistas para reforçarem a proposta de quebra de vacinas, mesmo que temporária, como um primeiro passo na mudança mais profunda que ocorrerá com a quebra de todas as patentes, essa sim uma das marcas de uma sociedade verdadeiramente socialista.

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