Durante os governos militares, a Amazônia foi representada como um inimigo que impedia a expansão econômica e a felicidade da nação. Durante 21 anos, as Forças Armadas foram responsáveis pela destruição de importantes regiões da Amazônia, das riquezas naturais e da fauna local. Trabalhadores imigrantes eram superexplorados e mais de 8 mil indígenas foram assassinados para abrir espaço ao falso “milagre econômico”.
Por Joyce Melo
Macaé (RJ)
BRASIL – Durante a ditadura militar instaurada no Brasil a partir do golpe de 1964, além da miséria, distribuição econômica desigual, arrocho salarial, tortura e mortes, houve também a glorificação do desmatamento de um dos maiores tesouros nacionais que possuímos: a Amazônia.
Carlos Aloysio Weber, ex-comandante do 5º Batalhão de Engenharia e Construção, um dos primeiros a instalar-se na Amazônia durante a ditadura, em entrevista para a revista Realidade, em 1971, debocha: “Como você pensa que nós fizemos 800 quilômetros de estrada? Pedindo licença, tchê? Usamos a mesma tática dos portugueses, que não pediam licença aos espanhóis para cruzar a linha de Tordesilhas. Se tudo o que fizemos não tivesse dado certo, eu estaria na cadeia, velho”.
Essa fala demonstra não apenas o sentimento de impunidade da época, mas também o descaso com as necessidades da população, com as riquezas naturais e a tentativa de enraizar no imaginário popular que a floresta é um território para ser explorado independente de qualquer responsabilidade e compromisso humano.
Exploração da floresta e corrupção
Durante os governos militares, a Amazônia foi apresentada nos veículos de comunicação como um inimigo que impedia a expansão econômica e a felicidade da nação. A situação caótica que vivencia esse bioma nos dias atuais, inclusive, não é fruto de algo natural ou espontâneo, mas de uma intensa invasão orquestrada pelo governo dos militares e a iniciativa privada.
A fundação da SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), em 1966, fez parte desse projeto. Sob a alegação de que iria executar um plano de valorização econômica da Amazônia, buscar seu potencial econômico e incentivar o desenvolvimento e adoção de uma política imigratória para a região, o órgão patrocinou centenas de campanhas em revistas de circulação nacional.
Essas campanhas visavam construir a imagem da Amazônia como uma região perigosa, porém domada pelos órgãos governamentais. Em 1972, é lançada propaganda da construtora Andrade Gutierrez na qual a floresta deixava de ser um “inferno verde’’ para transformar-se em um paraíso de oportunidades. Já a campanha da companhia marítima Netumar anunciava que “a Amazônia já era”.
Essas e outras campanhas lançadas durante a ditadura foram responsáveis por incentivar imigrações para a região Norte para ocupar o entorno das rodovias federais a serem construídas.
A Transamazônica (BR-230) foi construída no governo Emílio Garrastazu Médici, sendo mais uma das obras faraônicas da ditadura. O projeto vinha com a promessa de atravessar o Brasil de Leste a Oeste, percorrendo uma distância maior que a existente entre Caracas e Buenos Aires. A obra ficou inacabada, mas gerou bastante dinheiro a políticos e altos oficiais das forças armadas por meio da corrupção, como revelam as propagandas da SUDAM: “Chega de lendas, vamos faturar! A Transamazônica está aí: a pista da mina de ouro. […] Há um tesouro à sua espera. Aproveite. Fature. Enriqueça junto com o Brasil”.
Meio ambiente violentado
Essa política da ditadura foi responsável pela destruição de importantes regiões da Amazônia, das riquezas naturais e da fauna local. Os trabalhadores das obras patrocinadas pelos militares eram superexplorados e mais de 8 mil indígenas foram assassinados pelas forças armadas ou por jagunços ao longo dos 21 anos de regime militar.
A ditadura também foi responsável pelo incentivo à pecuária predatória na Amazônia. Sob slogan de progresso, anunciava positivamente que a boiada estava modificando a paisagem amazônica. Os militares se gabavam: “as patas dos bois estão abrindo 280 fazendas na Amazônia: uma área duas vezes a da Áustria” (revista Realidade).
Os investimentos na pecuária intensiva, ou seja, a pecuária que utiliza insumos e tecnologias para aumentar a produtividade em um espaço curto de tempo, e as concessões às grandes empresas foram enormes. Podemos citar, por exemplo, o investimento na fazenda modelo da Volkswagen no Sul do Pará, que possuía 140 mil hectares e autorização para desmatar metade da área. Entre as técnicas de desmatamento, utilizaram queimadas e produtos tóxicos, como as dioxinas.
A pecuária intensiva é uma das grandes responsáveis pela poluição do solo, da água e do ar e foi o que conduziu à devastação do patrimônio ecológico em diversos locais, aumento dos gases de efeito estufa, emissão de metano, desgaste do solo, aumento do gasto de água e desmatamento desenfreado.
Entretanto, o caso mais intenso e rápido de desmatamento se deu em 1984, na região de Rondônia, com a abertura da estrada Cuiabá-Porto Velho (BR-364). Nesse projeto foi investido 1,5 bilhão de dólares, dos quais apenas 3% foram destinados para preservação ambiental e apenas 0,5% para pesquisas científicas.
Indígenas foram expulsos de suas terras e agricultores obrigados a desmatar 20% da floresta nos primeiros dois anos, o que levou o desmatamento a subir exponencialmente.
Ainda nos anos 1980, o estoque de madeira da Mata Atlântica foi exaurido graças ao desmatamento desenfreado, levando à exploração de madeira na Amazônia. Somente em Rondônia, passam a operar 700 serralherias, que aumentaram as queimadas no ambiente com o objetivo de obter madeira nobre, contribuindo ainda mais para o desastre ambiental.
Defender a Amazônia como patrimônio do povo brasileiro
A manutenção da biodiversidade é fundamental para a qualidade de vida da população e para o avanço científico e econômico. Dos diversos biomas é que se pode extrair, de maneira sustentável, as necessidades naturais de todos os seres vivos. Serviços essenciais como abastecimento de água, regulação do clima, energia, alimentação e manutenção das chuvas, bem como a descoberta de produtos naturais e produção de fármacos são apenas alguns exemplos.
Tanto a Mata Atlântica quanto a Amazônia sofreram com os ciclos econômicos brasileiros, principalmente durante a ditadura militar, que buscou sustentar a farsa da abundância e do progresso abrindo espaço para a destruição da biodiversidade, morte e genocídio de populações ribeirinhas e indígenas.
Precisamos, portanto, compreender as questões básicas implicadas em como o capitalismo destrói esses recursos e tomar uma firme posição a favor da sustentabilidade.
Lutar pelo fim do capitalismo e pela construção de uma sociedade socialista é uma necessidade para a preservação natural e para a utilização sustentável dos recursos da natureza. Compreender a necessidade da preservação ambiental é avançar a qualidade de vida da Humanidade, acessar de fato um ambiente ecologicamente equilibrado para todos e, também, assegurar uma economia nacional eficaz, que não irá levar a sociedade ao desastre que atualmente representa o capitalismo.