Janete Alves Gomes, Larissa Mayumi e Laura Santana
Núcleo de Servidoras Públicas do Movimento de Mulheres Olga Benario – Santo André
SÃO PAULO – Santo André é uma das 7 cidades que compõem o ABC Paulista, na região metropolitana de São Paulo. No último censo do IBGE (2010), contabilizou-se 676.407 habitantes na cidade. Destes, 52% eram mulheres e 48% homens. Estima-se que, em 2020, a população seja de 721.368 habitantes. [1]
Em 2010, das 351.949 mulheres no município, 85.729 eram as únicas responsáveis pelas casas onde residem. Porém, a renda mensal das mulheres chegava a ser 66,1% da renda média dos homens. Estas mulheres ocupavam piores postos de trabalho se comparado aos homens, 21,3% das trabalhadoras não tinham carteira assinada, enquanto entre os trabalhadores homens o percentual era de 14,9%. [2]
O aumento da violência contra as mulheres
Os dados da violência contra as mulheres na cidade acompanham uma tendência nacional. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre março e abril de 2020 houve um aumento de 22,2% da violência letal contra as mulheres no Brasil, se comparado ao mesmo período de 2019. No Estado de São Paulo o crescimento no número de feminicídios foi de 41,4%. No mesmo período também houve uma diminuição de 3,7% no número de medidas protetivas de urgência concedidas. [3]
Em Santo André, entre 2009 e 2013 houve um crescimento de 200% da violência doméstica contra as mulheres, segundo o Sistema de Informações de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde. Entre 2009 e 2014, foram notificados 1.893 casos de violência contra as mulheres, sendo 885 violência física, 427 psicológica e 581 violência sexual. Destes casos, 70% ocorreram nos locais de residência da vítima, sendo os bairros com mais casos notificados: Jardim Santo André, seguido do Cata Preta, Vila Luzita e Jardim do Estádio, os bairros mais pobres da cidade segundo o painel Panorama da Pobreza em Santo André (2015). [4]
O aumento da violência doméstica durante a pandemia
O cenário da violência doméstica se agravou no contexto da pandemia. As medidas de distanciamento social, fundamentais para a disseminação do vírus da Covid-19, têm efeito negativo para as mulheres vítimas de violência. Por um lado, o isolamento social faz com que as mulheres permaneçam por mais tempo sob o mesmo teto do agressor. Por outro, aumentam a dificuldade de acesso à rede de apoio.
De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o número de denúncias de violência contra a mulher no Brasil teve aumento de 36% em 2020.
No ABC Paulista a violência também aumentou. Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a cada 3 horas uma mulher precisa de medida protetiva de urgência pois corre risco de morte ou à integridade física. Além disso, cresceu em 73% o número de abusos e estupros de vulneráveis.
Apesar do aumento do número de denúncias e de medidas protetivas, segundo a juíza Teresa Cabral, no último ano houve aumento da subnotificação, já que muitos equipamentos públicos estavam fechados por conta da pandemia de Covid-19.
Servidoras públicas trabalham dobrado para compensar descaso da prefeitura
Apesar do aumento dos casos de violência, os investimentos nas políticas públicas para as mulheres não acompanharam este cenário. A política neoliberal, que prioriza o lucro ao invés da vida, tem se aplicado nacionalmente há anos e tem reflexos na região do ABC.
Em Santo André, o prefeito Paulo Serra (PSDB) segue a cartilha do desmonte de políticas de gênero, de igualdade racial, de meio ambiente e diminui os investimentos nestas áreas. Assim, o aumento dos casos de violência na cidade não foi acompanhado por um aumento no investimento público destinado aos equipamentos de enfrentamento e prevenção das violências de gênero. Ao contrário, os investimentos no setor diminuem desde de 2014, conforme o Plano Plurianual de Santo André. [6]
Em casos de violência, as mulheres podem procurar atendimento em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializados em Assistência Social (CREAS), Delegacias da Mulher e Centro de Referência para as Mulheres. Podendo ser encaminhadas para a Casa Abrigo em casos de risco de vida.
Na cidade de Santo André, além dos equipamentos que fazem atendimento de pessoas em geral, há a Casa de Referência da Mulher Vem Maria, com uma equipe especializada no atendimento às mulheres e com importantes programas de inclusão das vítimas na sociedade.
A Casa acolhe vítimas de toda a cidade e cumpre papel fundamental no acolhimento e atendimento de mulheres vítimas de violência. Mas, apesar do aumento da gravidade dos casos durante a pandemia, a Casa também passa por um processo desmonte do serviço público. Segundo servidoras municipais, não há concursos para contratação de novas profissionais efetivas desde 2015, o que faz o equipamento ter uma equipe reduzida para lidar com a demanda. No lugar dos concursos para contratação de servidoras, a gestão do PSDB realiza contratação de terceirizadas.
Outro equipamento necessário para as mulheres vítimas de violência é a Delegacia da Mulher, criada desde os anos 1990. Apesar da intenção, a delegacia de Santo André não cumpre a promessa de funcionamento em turno 24h, por falta de investimentos na contratação de novas profissionais para que possam cumprir turnos noturnos, o que dificulta a denúncia por parte das vítimas.
Enquanto a violência cresce, prefeituras cortam verbas
Além disso, a Casa Abrigo Regional do Grande ABC, que socorre vítimas que estão correndo risco de vida em toda a região do ABC, teve um corte de 34% no orçamento nos últimos anos. A Casa, que em 2018 tinha um orçamento de R$ 1,544 milhão, passou a ter orçamento de R$ 1,010 milhão em 2019. Estes cortes tiveram reflexo direto na precarização dos serviços de acolhimento das mulheres, num cenário em que, segundo o Tribunal de Justiça (TJ), a taxa de feminicídios subiu 33% entre 2016 e 2018. [7]
Em 2020, houve mais um corte, dessa vez de 25% no orçamento das casas. As profissionais denunciam também a diminuição na qualidade dos atendimentos e dos serviços, uma vez que não há mais o serviço de motorista (o que expõe as mulheres quando precisam se deslocar). Houve uma redução das equipes profissionais (assistentes sociais, educadoras sociais, psicólogas e pessoas da área da segurança) e os prédios precisam de reformas urgentes, além da necessidade da compra de eletrodomésticos básicos (como geladeira e fogão), que não estão funcionando. [8]
Promessas de campanha viram letra morta para gestões neoliberais
Em 2019 o Consórcio Intermunicipal Grande ABC prometeu e aprovou a criação de uma casa de passagem que acolhesse vítimas de violência da região. A casa serviria como uma ampliação da casa abrigo. Segundo o prefeito de Santo André e atual presidente do Consórcio, “Depois de 16 anos, fazer uma ampliação do programa é um ganho bastante significativo para nossa região. A Casa Abrigo é um trabalho de excelente qualidade que queremos não só manter como ampliar”. [9]
As palavras de Paulo Serra confirmam a necessidade da existência de uma casa de passagem para as mulheres que não correm risco de vida mas que estão em situação de vulnerabilidade possam ser acolhidas. Porém, até o presente momento, o Consórcio não cumpriu com a promessa e as mulheres seguem sem este instrumento de proteção.
Por fim, é importante destacar que todos estes cortes foram acompanhados por uma decisão política e institucional de reduzir a rede de proteção à mulher. Além da diminuição dos investimentos, a Secretaria de Políticas para as Mulheres, que garantia um diálogo entre a demanda das mulheres e o poder executivo da cidade, foi a primeira secretaria extinta pela gestão do PSDB em Santo André.
Essas condições evidenciam a política de desmonte e sucateamento dos equipamentos de atendimento às vítimas e das políticas públicas para as mulheres. O corte de verbas nos serviços públicos representa uma sobrecarga para as trabalhadoras que hoje são essenciais no atendimento das vítimas e uma precarização destes trabalhos, com contratações terceirizadas e sem nenhuma garantia.
Lutar contra o desmonte dos serviços públicos é lutar pela vida das mulheres!
É importante ressaltar que a organização das mulheres foi imprescindível na luta pela garantia de seus direitos. As conquistas das mulheres só puderam ser experienciadas graças à sua luta. O Vem Maria, por exemplo, se iniciou a partir da organização das mulheres e, só em 2004 se instituiu como um serviço público (Lei Municipal nº 8.616 de 03 de maio de 2004).
Precisamos lutar contra o desmonte e sucateamento dos serviços que já existem hoje, exigindo a sua ampliação. É urgente a criação de uma Casa de Passagem específica para que as mulheres em situação de violência possam ser acolhidas ao saírem de casa. O atual presidente do Consórcio e prefeito de Santo André, que extinguiu a secretaria das mulheres em sua gestão, precisa atender a demanda das mulheres e cumprir a promessa de garantir este equipamento.
Além disso, devemos garantir os direitos das trabalhadoras que salvam as vidas das mulheres vítimas de violência e que hoje são superexploradas pela demanda que o aumento da violência e a falta de investimentos. Devemos lutar contra a precarização do serviço público. Exigimos mais concursos públicos!
Devemos nos organizar para acabar com essa política neoliberal que tem como objetivo acabar com o serviço público e as políticas para as mulheres, os negros e negras, o povo pobre e trabalhador do nosso país!
É pela vida das mulheres!
Fontes:
[1] https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/santo-andre/panorama
[2] http://www.santoandre.sp.gov.br/biblioteca/bv/hemdig_txt/160930018ma.pdf
[3] https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/06/violencia-domestica-covid-19-ed02-v5.pdf
[4] http://www.santoandre.sp.gov.br/pesquisa/ebooks/370221.PDF
[5] https://averdade.org.br/2020/05/o-aumento-da-opressao-das-mulheres-na-pandemia-de-covid-19/
[6] http://www.santoandre.sp.gov.br/PESQUISA/ebooks/368076.PDF
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