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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

QUEREMOS O DESPEJO DO ARNALDO

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Homenagens ao fundador da Faculdade de Medicina da USP, o eugenista Doutor Arnaldo Vieira de Carvalho, tem incomodado alunos.

Joana Queiros Boniolo Ferreira e Vitória Fernandes Severino


SÃO PAULO – Ao longo do ano de 2021, os centros acadêmicos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), junto com outros coletivos, demonstraram insatisfação frente às homenagens ao fundador da faculdade, o Doutor Arnaldo Vieira de Carvalho. As manifestações se deram pelo fato do Arnaldo ter sido uma importante figura no movimento eugenista brasileiro e, ainda, o Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC) foi recebido com uma chuva de comentários negativos, onde antigos estudantes e atuais médicos se demonstraram orgulhosos de serem “Filhos do Arnaldo”, onde a pauta colocada seria “mimimi” e de nada teria a ver uma educação antirracista na formação de um profissional da saúde.

A começar, eugenismo caracteriza-se como uma pseudociência que estuda as causas e influências que, por via de herança, podem melhorar ou prejudicar as qualidades naturais físicas ou psíquicas da humanidade: a eugenia tem por fim a geração de indivíduos considerados normais e perfeitos, e a repressão da progênie defeituosa e degenerada, empregando para isso os conhecimentos da hereditariedade e da sociologia desenvolvidos entre o século XIX e XX. No Brasil, a propaganda eugênica mendelista era destinada, especialmente, às classes mais empobrecidas da população, tendo como alvo principal indivíduos racializados, considerados pelos eugenistas como elementos inferiores.

As tendências filosóficas e científicas disseminadas no século XX – teses positivistas, evolucionistas e eugenistas – foram apropriadas pelos intelectuais, dentre eles o primeiro diretor da Faculdade de Medicina e presidente da primeira Sociedade de Eugenia do Brasil, Arnaldo Vieira de Carvalho. Durante o período de 1916 a 1931, a Faculdade de Medicina passou por importantes transformações, a partir da presença da Fundação Rockefeller em sua estrutura acadêmica, no contexto de crescimento da influência norte-americana na economia e política do país. A instituição filantrópica mantinha acordos com a faculdade e priorizava o apoio às ações de Saúde Pública e ao ensino médico, considerando que a enfermidade seria a principal causa da pobreza e deveria ser combatida com instrumentos da ciência, civilização e progresso.

Certamente, não há como apagar da história da faculdade o seu fundador, nem mesmo devemos, justamente para conhecermos o contexto e compreendermos a importância de ocupar e transformar o espaço a partir do movimento estudantil. É fundamental nos lembrarmos de que representação e homenagem não são a mesma coisa: a história precisa ser representada para que possamos construir a memória coletiva. Mas há espaços destinados à sua representação – assim como dos demais agentes que participaram do processo, possibilitando ou dificultando seus desdobramentos  – que não são os mesmos espaços de exaltação irrestrita e molde de uma figura como heroica.

Por fim, em uma instituição que se orgulha de utilizar da política de cotas aos que ingressam, bem como em alguns cursos, busca afastar-se do conceito biomédico sobre deficiência, não há motivo para manter o conservadorismo de homenagear um homem que compreendia pessoas pobres, racializadas e/ou com deficiência como inferiores. Vários estudantes e funcionários, que hoje compõem essa Faculdade e trabalham para que ela seja reconhecida por sua excelência, só chegaram nessa posição graças ao combate a ideias e discursos como aqueles adotados por Arnaldo.

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