Sitio de Memoria “La Tablada” – A luta do povo uruguaio pelo direito à memória, verdade e justiça.

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MEMÓRIA – Pátio interior do edifício onde ficavam as celas individuais de cada preso. (Foto: Reprodução/Jornal Brecha).

Felipe Paulino

URUGUAI – A luta por memória, verdade e justiça no Uruguai avançou com a inauguração, realizada nesta segunda feira (27/12), do projeto do “Sitio de Memoria La Tablada” em um antigo Centro de Detenção e Tortura de Montevideo durante os anos da última ditadura militar uruguaia (1973-1985).

Marcada por um notável ato político cultural, a inauguração da pedra fundamental do espaço representa uma conquista do povo uruguaio e alimenta nossa sede de luta por memória, verdade e justiça em toda América Latina.

O local

A construção de La Tablada (conhecida também como ‘’Base Roberto’’) remonta ao século XIX. Localizada nos arredores da cidade de Montevideo (Bairro Lezica-Melilla), o espaço funcionou até o começo do século XX como um centro importante na agricultura local, vinculada aos ‘’tropeiros” e à criação de gado.

Com a evolução do transporte ferroviário passou a ser um importante mercado frigorífico que somada a formação de novos bairros de trabalhadores no entorno, nos anos 1920, aumentou a relevância política da zona.

A partir dos anos 1940 o edifício foi tomado pelo Estado e, de 1977 a 1983, operou como um centro clandestino de detenção e tortura dos presos políticos da ditadura militar.

Após o fim da ditadura e a respectiva desativação do centro de tortura o espaço seguiu vinculado à dor e à repressão. Primeiro, funcionou como um presídio de menores infratores (1988-2002) e, logo após, como um cárcere regular de adultos (2002-2012).

VERDADE – Fachada lateral do edifício onde se praticavam as torturas (Foto: Reprodução/ Jornal El Observador).

Desde o fim da ditadura busca-se pelos restos mortais de pelo menos treze desaparecidos do centro de tortura La Tablada, por onde passaram dezenas de militantes e presos políticos.

Após a desativação dos cárceres, no começo da década de 2010, o Estado uruguaio tentou transferir novamente o centro de detenção de menores para o espaço com o intuito de não escavar as dolorosas memórias presentes no local.

Contudo, após muita luta, diversas organizações civis, comunitárias e partidárias se uniram para que o Estado preservasse o espaço a fim de que se possa, de um lado, preservar fisicamente a região para futuras buscas arqueológicas (especialmente dos restos mortais, dos quais um já foi encontrado nas cercanias) e, do outro, conservar a memória.

História e Luta

Várias organizações e movimentos estão unidos em um projeto coletivo conhecido como ‘’Sitios de Memoria Uruguay’’ que visa, segundo estes: ”tornar visível, conectar e disponibilizar informações sobre os locais onde foram organizados e cometidos crimes contra a humanidade durante as ações ilegítimas do Estado (1968-1973) e a ditadura cívico-militar no Uruguai (1973-1985)’’.

Composta por coletivos como o CRYSOL (ex-presos políticos), ”Madres y Familiares de Uruguayos Detenidos Desaparecidos’’ e por militantes e ex-militantes do Partido Comunista Uruguaio e grupos locais do bairro, conta também com um projeto de pesquisa e extensão vinculado à Universidad de La República (Udelar); o projeto tem logrado importantes ações na luta por memória, verdade e justiça.   

HISTÓRIA – Convite para o evento de inauguração do Sitio de Memória La Tablada com diversas atividades (Foto: Divulgação).

A luta popular conseguiu uma medida cautelar que impediu de uma vez por todas o Estado de construir e inovar o edifício conquistando, em fins de 2017, a preservação do espaço.

Amparados pela importante lei nº 18596/2009, que instituiu a reparação às vítimas da atuação ilegítima do estado durante a ditadura, a luta civil conseguiu a implementação da lei nº 19641/2018 que declara e cria ”sítios de memória histórica do passado recente’’, dentre eles, o La Tablada.

A partir de 2019, começaram os esforços do projeto e desses coletivos para a inauguração do Sitio de Memoria La Tablada que foi consumado pela colocação da placa, seguida do ato político-cultural demonstrado na foto abaixo.

JUSTIÇA – Centenas de pessoas comparecem à inauguração do Sitio de Memoria La Tablada (Foto: Felipe Paulino/A Verdade).

O ato, que contou com a presença de aproximadamente 200 pessoas, foi realizado com falas e discursos de ex-presos e torturados, além de uma apresentação musical.

No entorno do espaço foi inaugurada uma fotogaleria com textos e fotos sobre a história do local, cartazes que contam as diversas formas de tortura e resistência dos presos, além do anúncio de futuras ideias para o espaço.

Em suma, tratou-se de um belo evento que nos reforça e inspira no espírito de luta pela memória, verdade e justiça.

Concluindo, observamos que a ampla luta da sociedade civil uruguaia pelo direito à memória, verdade e justiça têm sido um tema fundamental na vida política local.

Embora tenha conquistado alguns avanços durante os quinze anos de governo ‘’progressista” do Frente Amplio (2005–2020) a luta pelo direito à memória no Uruguai, assim como em outros países da América Latina, ainda é muito incipiente e longe do suficiente de uma verdadeira reparação de todos os crimes de Estado cometidos pelas ditaduras militares.

Porém, o exemplo de La Tablada nos mostra que é a luta do povo organizado que conquistará esses espaços e que não podemos depender de esforços do Estado – que segue sendo controlado pela mesma burguesia – e, portanto, possui pouco interesse de expor sua história de crimes e repressão.