Willian Poiato
SÃO PAULO – Decisões do judiciário desconexas às vontades populares e os mandos e desmandos do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxeram destaque incomum para esse que já foi o menos relevante dos Três Poderes da república brasileira no cotidiano do povo.
Contribuiu muito para chamar a atenção a (in)justiça, que é cruel com os pobres e bastante branda com os ricos. Por este motivo, a Unidade Popular pelo Socialismo e a pré-candidatura de Leonardo Péricles (UP) propõem debater abertamente as eleições de juízes pelo povo.
O jornal Folha de São Paulo levantou, em maio de 2021, pelo menos cem histórias de pessoas presas injustamente. Entre elas o famoso caso do mecânico Marcos Mariano da Silva, preso por um homicídio que não cometeu em 1976 e que foi solto somente após seis anos – quando encontram o verdadeiro assassino. Mas a história de injustiça não acabou aí.
Em 1985, Marcos foi preso novamente devido a uma arbitrariedade da Polícia Militar. Na prisão, pegou tuberculose e ficou cego pela ação das forças repressoras que o libertaram somente em 1998 – totalizando quase vinte anos de prisão por um crime que não cometeu.
Enquanto isso, casos de feminicídio – como o realizado por Pimenta Neves – demoraram onze anos até a decisão pela prisão em regime fechado, que logo foi convertida para regime semiaberto.
Estes casos de injustiças são muitas vezes motivados pelo racismo impregnado em nossa sociedade. Homens e mulheres negras são tomadas como culpadas por crimes que não cometeram simplesmente por serem negras, a ponto de 83% dos presos que tiveram apenas o reconhecimento fotográfico como prova serem negros.
Órgãos ligados aos direitos humanos já recomendaram que o reconhecimento fotográfico não deve ser levado em consideração quando for a única prova em um processo pela grande probabilidade de condenações injustas.
Outra triste realidade do capitalismo que foi agravada pela pandemia e reforçada pelas medidas liberais do governo Bolsonaro foi a ampliação da fome, do desemprego e do desalento no Brasil. Com isso, aumentaram também os chamados crimes famélicos, ou seja, furto de alimento ou pequenas quantias puramente para sobrevivência.
Diferentemente do que a lei prevê: o arquivamento do caso pelo critério da insignificância do valor envolvido, dezenas de pessoas estão presas hoje por motivos ínfimos, em grande parte mulheres que passaram grandes períodos desempregadas e precisavam alimentar a família.
Ou seja, os próprios juízes, na sua maioria homens brancos, com salários astronômicos para a realidade brasileira e cheios de privilégios, são contra o entendimento legal de que a sobrevivência de um ser humano é muito mais valiosa do que um produto comum básico.
Essas prisões também desobedecem um segundo direito: cumprir prisão domiciliar quando se têm filhos menores de 12 anos. Como disse a defensora pública, Alessa Veiga, à BBC: “Quando uma mãe é presa, não é somente ela que entra numa prisão. São seus filhos, sua família. Muitas vezes, ela não recebe visitas porque o companheiro e a família têm vergonha. As unidades prisionais também não são preparadas para atender as mulheres, principalmente na questão de saúde e higiene”.
A quem serve o poder judiciário?
Mas é de se indignar tamanha benevolência aos ricos e o esmagamento dos pobres. Segundo estudo da própria CNJ, publicado em 2018, as mulheres são apenas 28% das desembargadoras e 80% do poder judiciário é formado por brancos. Além disso, a idade média no judiciário é de 47 anos e, vejam só, não interessa o estado de atuação já que mais de 25% dos magistrados vêm de São Paulo – o que dificulta a interpretação de conflitos e particularidades locais.
Estes ainda não são os principais dados para entender as decisões em favor dos ricos. Vejamos um muito importante: um quinto do poder judiciário ingressou com membros da família já dentro do mesmo poder, ou seja, apesar do concurso a carreira passa de pai para filho e, por fim, e mais importante, como afirma a CNJ: “a maioria dos magistrados brasileiros tem origem nos estratos sociais mais altos”. Isso significa que pessoas ricas possuem o poder de, com uma canetada, prender e soltar pessoas pobres em todo Brasil.
Mas no capitalismo não basta mudar um ou outro juiz. Como demonstrou o Jornal a Verdade, em 2012, no caso da violenta reintegração de posse do Pinheirinho, realizada pelo governador Geraldo Alckmin com ordem judicial, a decisão contra o direito das famílias pobres foi proferida por uma juíza.
Não podemos esquecer que, quando cometem crimes em julgamentos e são descobertos, muitos desses juízes recebem como “punição” a aposentadoria compulsória com manutenção do mesmo salário que recebiam.
O líder soviético V. Lênin escreveu, às vésperas da Revolução Russa, sobre o papel do Estado grifando que ele “é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliado”.
Ou seja, as leis, tribunais e governantes surgem quando os interesses daqueles que detém o poder e as riquezas são diferentes dos interesses daqueles que nada possuem e é necessário um conjunto de regras e coerções para manter as coisas como estão – sempre a favor dos mais ricos. Os juízes servem em última instância para proteger a classe exploradora e o capitalismo.
Por outro lado, querem convencer que as leis são para nos proteger e que mais gente presa significa mais segurança para nós. Em 2021, chegamos a 811 mil pessoas presas e a superlotação já atinge dois terços das unidades prisionais, ao mesmo tempo em que os assassinatos aumentaram 5% em 2020 e mais de 40 mil pessoas morreram vítimas de crimes no Brasil.
O aumento foi puxado pelas regiões que empobreceram ainda mais na pandemia, ou seja, mesmo aumentando os presídios e os presos, os juízes e tribunais, nossa segurança se deteriora a cada dia junto com a piora da qualidade de vida do povo pobre.
Outras experiências
Enquanto no Brasil este grupo de pessoas vindas das famílias mais ricas decidem sobre a vida das demais e a solução encontrada é sempre enjaular os mais pobres, em outros lugares, como em Cuba, as coisas acontecem de forma diferente.
Segundo o desembargador aposentado e professor da PUC-PR, Vladimir Passos de Freitas, dentro do poder popular cubano “todos os tribunais funcionam de forma colegiada. É dizer, não existe em Cuba, em qualquer instância, sentença dada por um juiz. Todas são proferidas por um órgão colegiado, que pode ser de três ou de cinco juízes. A Justiça é gratuita para todos. A presunção de inocência persiste até que haja uma sentença condenatória contra o acusado, portanto, de primeira instância (…) Em Cuba, todos os magistrados, da primeira à última instância, chamam-se juízes. Não há ministros ou desembargadores. Os juízes dividem-se em profissionais, ou seja, de carreira, e leigos. Os juízes profissionais são vitalícios e os leigos têm um mandato de cinco anos, que pode ser renovado”.
Quer dizer que lá não existe a figura dos juízes superpoderosos e toda decisão é tomada por uma equipe onde a maioria é eleita diretamente pelo povo para um mandato de cinco anos.
Vale a pena lembrar que para a eleição não é o candidato que se apresenta para concorrer, mas a própria comunidade que indica o(a) candidato(a). Antes mesmo da eleição já existe um processo democrático concreto ocorrendo.
Todos esses fatos apontam para a assertividade da proposta apresentada pela UP que, assim como deseja a construção do poder popular, no programa da pré-candidatura de Leonardo Péricles, defende a eleição também para Poder Judiciário contra o encastelamento cheio de privilégios que juízes possuem atualmente no Brasil.