Segundo Ministério Público do Rio de Janeiro foram quase duas operações por dia no estado. O alvo é sempre o mesmo: pessoas negras moradoras de favelas e comunidades pobres
Heron Barroso | Redação Rio
BRASIL – Levantamento feito pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro revelou que, entre junho de 2020 e junho de 2022, as forças policiais realizaram 1.376 operações em favelas fluminenses. Nesse período, foram registradas três dos quatro maiores massacres promovidos pela polícia na história do Rio, com mais de 70 mortos.
O mais sangrento de todos aconteceu na favela do Jacarezinho, em maio de 2021, quando 28 pessoas morreram. Um ano depois, também em maio, 25 pessoas foram executadas durante uma operação na Vila Cruzeiro, e, em julho, outras 17 perderam a vida pelas mãos da polícia no Complexo do Alemão.
Apenas no primeiro ano de gestão do governador Cláudio Castro (PL), houve 182 mortes em 40 chacinas no Estado. Para Castro, aliado do fascista Jair Bolsonaro e governador reeleito no RJ, todas essas mortes não passam de “efeito colateral”. “Não houve chacina alguma. O que houve foi uma operação que a polícia entrou às quatro e poucas da manhã e tem um bonde fortemente armado saindo. Eles tentaram fazer chacina com a polícia. Não há chacina nenhuma”, disse o governador à época da operação na Vila Cruzeiro.
Rotina de medo
Para quem mora nas comunidades pobres do Rio de Janeiro o medo da polícia e da violência do tráfico e das milícias está presente no dia a dia. Toda vez que uma operação acontece, casas são invadidas e depredadas, crianças ficam sem escola, moradores perdem o dia de trabalho, doentes não podem ir ao posto de saúde e o comércio local é fechado. “Em dias como hoje, a vida fica difícil. Trabalho com doce, com carrocinha e não pude sair hoje. Eu perdi R$ 300”, disse um morador do Alemão. “É algo assustador para a gente que é morador. É muito assustador, mas infelizmente é nossa vivência aqui na favela. É esse terror toda vez que tem operação policial”, completou.
O que acontece nessas regiões é um verdadeiro crime contra a Humanidade. “Meu irmão morreu com facada, não foi de tiro. Tinha 16 anos, o rapaz estudava. Não era bandido. Mas todo mundo na comunidade é tratado como se fosse”, desabafou o mototaxista Washington Patrício Ferreira, irmão do estudante João Carlos Arruda Ferreira, de 16 anos, morto pela PM com uma facada no peito durante a chacina da Vila Cruzeiro. “É mais uma vítima dessa guerra sem fim. Pro Estado, dentro da comunidade só tem bandido. E estamos aqui pra enterrar mais um irmão”, lamentou Washington.
No dia da operação, 24 de maio, circularam imagens e vídeos feitos por moradores mostrando corpos jogados por policiais em matagais e locais de difícil acesso. “Estamos na Vila Cruzeiro depois de mais uma chacina no Rio. Tivemos acesso ao corpo de um rapaz com marcas de facadas. Quem o matou esfregou um pó branco (provavelmente cocaína) em seu rosto. Não sei se ele era bandido, mas quem o matou com esse grau de perversão com certeza é”, denunciou Rodrigo Mondego, da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.
“Alvos são sempre os negros das favelas”
O racismo presente em nossa sociedade se expressa com força na ação das polícias contra o povo pobre. Somente em 2020, segundo dados da Rede de Observatórios da Segurança, 1.245 pessoas foram mortas em ações policiais. Desse total, 86% eram pessoas negras. “Esses números do RJ se explicam muito por conta do comportamento da polícia. A gente tem um cenário que não tem paralelo com nenhum outro estado do país. A polícia do Rio mata muito”, afirmou Pablo Nunes, coordenador do estudo batizado de Pele alvo: a cor da violência policial.
De acordo com o levantamento, o Rio de Janeiro é o estado que mais mata pessoas negras em ações policiais, com 939 registros entre os 1.092 mortos que tiveram a cor/raça informada. Para o pesquisador, o componente racial na violência da polícia nas favelas do Rio é reforçado pela política de segurança pública de sucessivos governos estaduais. “Os negros estão mais representados entre o total de pessoas mortas do que na população geral. Isso evidencia uma estrutura brasileira de reprodução do racismo e de certa aceitação dessas mortes por meio da sociedade”, acredita.
Para Guilherme Pimentel, ouvidor da Defensoria Pública do Rio, “os alvos são sempre os mesmos: os negros das favelas. Há naturalização da violência e da brutalidade contra essas pessoas, como se não fossem dignas de vida”, critica.
Letalidade policial não diminui violência
Apesar do apoio do governo e dos grandes meios de comunicação da burguesia à violência policial e à repressão contra o povo, já está provado que essa política não leva à diminuição da criminalidade. Ao contrário.
Levantamento feito pelo Ministério Público do RJ, em 2019, mostrou, entre outras coisas, que a letalidade policial não provoca redução de homicídios e roubos e que confrontos aumentam risco de matar inocentes e afetar serviços públicos.
Sem dúvida, se houvesse outra forma de combate à violência e ao crime organizado no Rio de Janeiro, mais inteligente e focada na preservação da vida e na defesa dos direitos humanos, certamente mortes como as de Ágatha Félix, João Pedro, Kathlen Romeu, Maria Eduarda e tantas outras teriam sido evitadas.
Porém, o que existe hoje é uma política institucionalizada de violência e racismo contra os trabalhadores, a juventude negra e o povo pobre. Essa política atende aos interesses das classes ricas e dos verdadeiros senhores do crime, que não estão nas favelas, mas nos bairros nobres, nos condomínios de luxo e nos espaços de poder do Estado.
Cabe ao povo organizado pôr fim à violência policial, ao genocídio da juventude negra e à exploração dos patrões. Somente um governo que seja expressão do poder popular e do socialismo, que coloque a economia e todas as riquezas do país sob controle da classe trabalhadora porá um ponto final a esse verdadeiro genocídio contra os moradores das periferias brasileiras.