Casas de Cultura de São Paulo seguem sobre risco de privatização

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A Prefeitura de São Paulo, liderada por Ricardo Nunes (MDB), está encabeçando junto a Secretária de Cultura, Aline Torres (MDB), um projeto de privatização das Casas de Cultura.

Amanda Alves e Redação SP


SÃO PAULOAs Casas de Cultura foram criadas na gestão da prefeita Luiza Erundina (1989-1993) e estão dentro da categoria de equipamentos culturais públicos, em conjunto com as Bibliotecas Públicas, Centros Culturais, EMIA’s e Teatros. Atualmente, na cidade de São Paulo com cerca de 12 milhões de habitantes, há 20 Casas de Culturas[1] espalhadas pelas periferias e administradas pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e a Prefeitura de São Paulo.

Essas sedes da cultura popular nas quebradas oferecem atividades de formações educacionais e culturais que acolhem artistas da periferia. Além disso, são abertas para um público de todas as idades para debates, shows, cursos e organização de coletivos culturais.

Casas de Cultura como espaço de formação popular

Todo o histórico de construção desses polos culturais foi de muita luta popular. A partir das demandas do povo nas periferias, os movimentos culturais se mobilizaram para reivindicar e construir um espaço que acolhesse as suas demandas artísticas.

Um exemplo disso é o Casarão da Vila Guilherme, localizado na Zona Norte de São Paulo, construído no começo do século XX e que teve diversas finalidades: foi escola até 1970, depois sede da Subprefeitura até 2014, e depois ficou fechado por mais de 10 anos sem cumprir função social. Somente após ocupações organizadas pelos coletivos de cultura da região que o espaço se tornou um equipamento público de referência no território.

Luis Carlos, conhecido como Juninho, é coordenador da Casa de Cultura Casarão e explicou a importância desse espaço para a periferia:

As Casas de Cultura são uns dos principais equipamentos de cultura da cidade de São Paulo, porque elas estão localizadas fora do eixo central. Pelo que conhecemos dos nossos artistas, sabemos onde eles nascem e sabemos que o povo periférico é um povo cultural, que desenvolve e produz a cultura de uma forma diferenciada. Então, ter esses espaços de produção, fruição e valorização do trabalho desses artistas, no lugar de onde eles vêm, e tendo eles como exemplos para o povo, é fundamental. Conheço outros lugares do Brasil que não têm esse incentivo à cultura e sinto, como gestor, os impactos positivos dessa política e da importância desses equipamentos na periferia”.

Adriano Freitas, morador da região Noroeste de São Paulo, é produtor e militante cultural da periferia. Já atuou como monitor cultural em projetos como o Criatividades e conta a importância da sua vivência com essas políticas públicas:

“Ter a vivência de atuação na Casa de Cultura foi o estágio que eu nunca tive, ter uma experiência de entender desde o processo de pré-produção, com as contratações artísticas, seleção de documento, incluir no sistema, agendar pagamento, desde o processo de produção, receber o artista, deixar o palco pronto, o espetáculo, até a pós-produção, de preencher o formulário, organizar a logística de público, etc. [..] Sou muito grato porque me formou tanto quanto pessoa, mas também como profissional”.

Para ele, o espaço cultural também serve como formação política e de engajamento: “Após atuar como Jovem Monitor na Casa de Cultura, foi quando eu comecei a ficar engajado por políticas públicas, todas as questões de política popular e entender melhor sobre a causa do movimento de cultura, como funciona o direcionamento das verbas e etc”, explica.

Privatização: um ataque à cultura popular

A Prefeitura de São Paulo liderada por Ricardo Nunes (MDB) está encabeçando junto a Secretária de Cultura, Aline Torres (MDB), um projeto de privatização das Casas de Cultura. O assunto ganhou mais força em fevereiro de 2022, após uma publicação na Folha de São Paulo. O desejo do prefeito é entregar toda a responsabilidade orçamentária e de programação das Casas de Cultura nas mãos das chamadas Organizações da Sociedade Civil (OSCs), que são empresas privadas.

Em abril de 2022, foi realizada uma das primeiras audiências do ano para discutir sobre a temática. No final do ano passado, às pressas, foi lançado o edital para a privatização do setor e em 13 de janeiro de 2023, aconteceu outra audiência pública. Em nenhuma delas o prefeito ou a secretária compareceram. Os movimentos, então, ocuparam a audiência e transformaram em uma manifestação em defesa das Casas de Cultura e de concursos públicos para contratar mais funcionários.

O projeto de privatização vai contra o Plano Municipal de Cultura que apresenta como a primeira meta a reestruturação da SMC com a abertura de concursos públicos e contratação de funcionários. Mas, atualmente, os cargos são comissionados, ignorando também a reivindicação popular.

Adriano fala sobre essas pautas defendidas pelo movimento cultural e afirma: “A gente já tá acompanhando um grande desmonte do setor público, e me parece que a secretaria de cultura não quer se responsabilizar de iniciar uma reestruturação no setor público cultural e está preferindo fazer a parceria com o setor privado para que futuramente tudo se torne privado”.

A estrutura das Casas de Cultura é carregada nas costas por poucos funcionários contratados para organizar uma programação de grande demanda junto aos integrantes do Programa Jovem Monitor Cultural que atuam no espaço recebendo um valor muito inferior ao que merecem pelo trabalho realizado. A SMC diz que 30% dos trabalhadores do equipamento devem se aposentar e a privatização ajudaria a manter os serviços. A realidade é que ela deveria priorizar condições de trabalho melhores e realizar a abertura de concursos. Entregar nas mãos de empresas privadas a administração de espaços importantes para a juventude pobre é colocar o lucro acima dos interesses do povo.

O orçamento municipal de cultura para 2023 destina para as Casas de Cultura apenas R$20,50 milhões para dividir entre si em valores que não são iguais. Sendo então uma das principais reivindicações do movimento cultural mais verba na cultura e maior transparência no gerenciamento dela.

O campo da arte e cultura não está isento de luta de classes, e hoje cumpre uma função importante no processo de educação e humanização. Juninho lembra que “estratégias de atuação política e de estímulo à participação social precisam ser pensadas e são fundamentais nesse processo, pois, como disse antes, o equipamento é fruto de conquista popular. Então é o povo que precisa decidir as estratégias sobre o que precisa ser melhorado no serviço, já que ele é prestado para o próprio povo”.

Somente com a organização popular iremos barrar esse projeto de privatização e defender um projeto de cultura onde a prioridade sejam os interesses de quem constrói a cidade. Para além disso, precisamos defender um modelo de sociedade onde o povo pobre tome as decisões e isso passará pela construção do poder popular.

[1]Casa de Cultura Itaim Paulista, Casa de Cultura São Mateus, Casa de Cultura Hip Hop Leste, Casa de Cultura São Miguel Paulista, Casa de Cultura São Rafael, Casa de Cultura Guaianases, Casa de Cultura Itaquera – Raul Seixas, Casa de Cultura Vila Guilherme, Casa de Cultura Freguesia do Ó, Casa de Cultura Brasilândia, Casa de Cultura Tremembé, Casa de Cultura Butantã, Casa de Cultura Campo Limpo, Casa de Cultura M’Boi Mirim, Casa de Cultura de Parelheiros, Casa de Cultura Manoel Mendonça, Casa de Cultura Júlio Guerra, Casa de Cultura Hip Hop Sul, Casa de Cultura Cidade Ademar, Casa de Cultura Ipiranga Chico Science