Voto do Brasil na ONU sobre a Guerra na Ucrânia impõe debate sobre nossa participação nos BRICS. Diante do aumento das contradições interimperialistas, quais caminhos se colocam para nosso país na conjuntura internacional?
Felipe Annunziata | Redação RJ
OPINIÃO – No último dia 24, o Brasil votou, junto com outros 140 países, uma resolução da ONU condenando a invasão da Ucrânia pela Rússia. A resolução proposta pelos próprios ucranianos foi patrocinada e defendida pelos países da OTAN. Para não se abster na votação, o Brasil defendeu a inclusão no texto de um pedido de “cessação das hostilidades”, fazendo com que, pela primeira vez desde o início da guerra, uma resolução da ONU pedisse um cessar fogo.
A posição do governo brasileiro incomodou muitos ideólogos social-democratas que têm uma posição favorável à Rússia aqui no Brasil. A maioria deles afirmou que Lula se rendeu à pressão do imperialismo norte-americano. Para eles, o interesse nacional hoje é o nosso país se colocar ao lado das outras nações do BRICS, grupo que reúne, além do próprio Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O Brasil foi o único desses países a votar a favor da resolução da ONU.
Os críticos ao voto do Brasil pontuam que esta ação nos afasta dos países com quem temos muito em comum, que são justamente os BRICS. Ao mesmo tempo, estaríamos apenas voltando a jogar água no moinho dos EUA e que a China e a Rússia podem ser grandes aliados nossos.
A seu favor, argumentam que o imperialismo estadunidense e europeu só utilizaram nosso país para explorar suas riquezas e nossa força de trabalho, o que é verdade. Eles também afirmam que a China, principalmente, pode ajudar no processo de reindustrialização do Brasil e que, inclusive, toparia acordos que incluíssem o incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias aqui.
Em resumo, para esses ideólogos da social-democracia brasileira, ao contrário da postura exploratória de estadunidenses e europeus, chineses e russos estariam interessados no desenvolvimento do nosso país em troca de fortalecer nossas relações econômicas com eles.
Mas é assim mesmo? Aqui devemos fazer dois questionamentos.
Primeiro, num mundo que se polariza cada vez mais na corrida armamentista entre o bloco China-Rússia contra o bloco EUA-União Europeia, os países investem seu capital em outros apenas para desenvolver e criar laços econômicos mais fortes?
Segundo, o Brasil precisa, mais uma vez, se apoiar no capital estrangeiro para desenvolver sua indústria?
A China e sua atuação no Brasil
Para começarmos a responder a primeira pergunta temos que ter noção de alguns fatos antes. Hoje, o capital chinês já tem grande participação na economia nacional. Os russos, por sua vez, têm uma atuação mais modesta, mantendo principalmente relações no comércio de fertilizantes e outros produtos ligados à produção agropecuária, com pouco investimento na nossa economia.
A burguesia chinesa controla hoje diversos campos de petróleo nas nossas costas, tem participações em empresas de aviação e na administração de alguns portos, como o de Paranaguá, no Paraná.
Além disso, empresas estatais chinesas investem atualmente em projetos de geração de energia, abastecimento de água, construção civil e várias outras áreas na economia brasileira. De fato, a China é o maior investidor estrangeiro no Brasil hoje. Em 2019, por exemplo, os chineses investiram mais de 70 bilhões de dólares em ativos no Brasil, segundo o Ministério de Relações Exteriores.
Portanto, fica a pergunta: se os chineses já investem tanto em nosso país, cadê o desenvolvimento industrial, a transferência de tecnologia e o jogo de “ganha-ganha” que os defensores do “socialismo chinês” tanto apregoam? Objetivamente, qual a diferença fundamental dos investimentos chineses no Brasil em relação aos que europeus e estadunidenses sempre fizeram aqui?
Eles simplesmente botam seu dinheiro em áreas que nosso país já domina ou que tem uma posição de liderança. Nesses sentido, chineses, estadunidenses e europeus realizam os mesmos tipos de investimento no Brasil. Pior, aproveitam a política econômica neoliberal que se apossou do Estado brasileiro desde a década de 1990 para comprar grandes nacos da nossa infraestrutura.
Aqui, ainda poderíamos incluir uma diferença entre chineses e estadunidenses, pois os últimos vem fazendo um movimento internacional de tirar investimentos de setores produtivos e colocando no capital financeiro. Mesmo assim, não muda o centro do problema que é o fato de nenhuma dessas grandes potências estarem interessadas em ajudar o Brasil a criar condições para um desenvolvimento independente e soberano.
O contra-argumento apresentado pelos tais “defensores do BRICS” diz que uma diplomacia altiva poderia mudar esse cenário e os chineses mudariam a postura. Ora, basta olhar para a África, Ásia e nossos vizinhos na América Latina para ver que este padrão de comportamento do capital chinês se repete em todo o mundo.
Será que o capital chinês vai abrir mão, por exemplo, de seu monopólio na tecnologia de chips de semicondutores para passar a produzir aqui no Brasil? Ou melhor, será que estariam dispostos, em nome do internacionalismo proletário, de nos disponibilizar a tecnologia para a produção desses produtos, tão fundamentais no processo produtivo atual? Acredite quem quiser…
Capital estrangeiro e desenvolvimento nacional
Voltando agora ao nosso segundo questionamento. Desde a independência, existe o mito de que o Brasil só será desenvolvido quando tivermos investimentos estrangeiros. No século 19, as oligarquias achavam que o caminho para isso era nos tornar uma potência agrária e, por isso, abriram as portas para o capital inglês, que passou a dominar a economia nacional.
Depois da crise de 1929, e durante a 2ª Guerra Mundial, os tais “desenvolvimentistas” do governo Getúlio Vargas passaram a defender a entrada do capital estadunidense para financiar a industrialização nacional, desde que essas empresas ficassem sob o controle direto do capital nacional, ainda que associado.
O pensamento permaneceu nos governos posteriores, mesmo com outra roupagem. Foi durante esse período que entraram as grandes multinacionais da área de automóveis, por exemplo.
Com o fim da ditadura e a ascensão do neoliberalismo, nossa burguesia decidiu se submeter ainda mais ao capital estrangeiro, iniciando um grande projeto de privatizações que tirou grandes ativos nacionais das mãos do Estado e entregando-os na mão de monopólios estrangeiros.
Na prática, o que esses ideólogos social-democratas defendem é a continuação dessa submissão, só que agora ao capital estrangeiro chinês. A questão é que nosso país não precisa deste capital para se desenvolver mais. Acreditar nisso é um engano.
Além das grandes riquezas naturais que temos condições de explorar de forma sustentável, nosso país tem meios para investir e desenvolver a sua ciência. Somos o único país da América Latina com uma fábrica de semicondutores, temos liderança em áreas como energia eólica e solar, biocombustíveis, fabricação de aviões, carros, além de toda tecnologia na produção agrícola, que hoje serve apenas aos interesses dos bilionários barões do agronegócio.
Por que, então, nosso país precisa continuar se submetendo ao capital estrangeiro e às remessas de lucros para o exterior que este exige?
Ao passo que alguns social-democratas defendem a submissão ao capital chinês como forma de “impulsionar o desenvolvimento nacional”, na outra ponta a velha mídia neoliberal defende o bloco oposto. Para eles, o caminho “natural” do Brasil é continuar sob o domínio do imperialismo norte-americano.
Eles sempre pautam a defesa das privatizações e o controle cada vez maior dos monopólios estrangeiros sob a economia nacional como a redenção dos problemas nacionais. Uma empresa só é vista com sucesso se tiver ações sendo vendidas na Bolsa de Valores de Nova Iorque, aprofundando ainda mais a dependência do Brasil.
Romper com a dominação imperialista para desenvolver o Brasil
A verdadeira saída para o desenvolvimento do Brasil passa por abandonarmos essa política de submissão. Mas, para quem tem a mesma mentalidade da burguesia nacional, isto é impossível.
Ao fim e ao cabo, para essa gente a questão está em trocar um oligarca de Nova Iorque por outro de Shanghai, tudo em nome da “solidariedade do Sul Global”.
A solução para o problema do desenvolvimento do Brasil passa, primeiro, por expropriar esta burguesia nacional dependente e associada ao imperialismo; em seguida, acabar com a dependência da nossa economia de outros países e lutar para fortalecer nossas próprias capacidades.
A verdade é que os BRICS não são a saída para o fim da dominação imperialista sob o Brasil. No máximo, serve para ajudar a diplomacia nacional a se manter equidistante de norte-americanos e chineses. Mas, mais cedo ou mais tarde, será imposto ao Brasil tomar uma posição. Logo, não basta trocarmos de senhores.
A cada dia, a disputa entre EUA e China vem aumentando e esta contradição caminha rapidamente para se tornar insolúvel. Neste momento, cabe aos revolucionários defender uma postura antiimperialista do Brasil, não tomando o lado de nenhum bando imperialista, mas chamando os povos do mundo a se levantarem contra este sistema.
Não será conciliando com o capital, seja chinês, estadunidense ou qualquer outro, que iremos desenvolver o Brasil. A tarefa do desenvolvimento nacional anda junta com a tarefa da libertação do povo brasileiro.