O Surgimento do Partido Comunista Revolucionário

1820

Republicamos o texto de Amaro Luiz de Carvalho (Capivara/Palmeira), de fevereiro de 1968. Capivara foi líder operário e camponês pernambucano, um dos fundadores e dirigentes mais destacados do Partido Comunista Revolucionário (PCR). Foi assassinado pela ditadura militar fascista em agosto de 1971. 


Uma classe só pode conseguir um Partido revolucionário quando seu desenvolvimento e amadurecimento chegam ao ponto de possuir dirigentes com experiência, dotados da qualidade de criar e elaborar uma teoria condizente com a realidade e capaz de conduzi-lo até seus objetivos serem alcançados.

Seu aparecimento no cenário político depende das condições econômico-sociais que geram a superestrutura propícia ao seu surgimento como organização partidária consequente.

Assim, a classe operária, desde muito tempo, tem sua vanguarda, mas, como não poderia deixar de ser, em nosso país seus valores integrantes e seus programas foram até o presente constituídos de princípios estratégicos e táticos errôneos e que, na prática, se tomaram contrários aos ideais do proletariado. Isso era fruto de sua falta de experiência e de seu peso numérico diminuto em relação às demais classes. Toda estrutura econômica do Brasil não permitia à pequena classe operária criar um partido realmente seu.

À medida que a penetração do imperialismo ia crescendo através do desenvolvimento capitalista, os operários ganharam maior experiência e seu movimento foi dotado de criar elementos capazes de se constituírem em elite defensora dos seus reais interesses. A partir daí, ocorreu que, após vários anos de capengar na defesa de programas reformistas, a classe operária engendraria sua vanguarda revolucionária capacitada para elaborar e definir, com justeza e clareza, seus verdadeiros objetivos.

O surgimento do PCR só poderia ser resultado de todo o período de lutas e sacrifícios que o proletariado desenvolveu durante os seus 67 anos de existência como classe atuante. E a Carta de 12 pontos aos comunistas revolucionários teria necessariamente que ser oriunda do acúmulo de experiências conseguidas através dos anos de movimentação constante, desencadeadas no dia a dia, pela obtenção do mínimo de organização em defesa de seus princípios.

Durante o movimento de massas ocorrido no período de 1950 a 1964, aclarava-se cada vez mais o movimento operário e o monolitismo tradicional do Partido [Amaro refere-se aqui ao PCB] ia se tornando impossível, pois certos elementos egressos das discórdias surgidas diante da política capitulacionista do Partido partiram para a organização das massas assalariadas do campo e obtiveram pleno êxito no trabalho de agitação, acordando-as do sono em que estavam mergulhadas. A Revolução Cubana, vitoriosa no “quintal do imperialismo”, veio lançar a última pá de terra sobre a concepção de que só podiam fazer a revolução os partidos comunistas tradicionais.

O fracasso desse grupo heterogêneo de organizadores do campo, as Ligas Camponesas, em virtude de não possuírem um programa definido de ação e ficarem simplesmente na agitação pela agitação, proporcionou a diversos elementos verificarem a inconsequência, a propagação de ideias confusas e contraditórias, além da crescente onda de oportunismo existente no movimento comunista e que se confirmou quando do golpe de abril de 1964.

Após este fato, algumas pessoas que ainda se passavam por revolucionárias começaram a mostrar a sua verdadeira face.

Surgia, para a constatação dessas qualidades das direções do Partido Comunista Brasileiro [PCB] e do Partido Comunista do Brasil [PCdoB] e de seus programas, a desagregação por completo do movimento revolucionário. Grupos e subgrupos que se digladiavam entre si apareceram e, todos eles, como “vinhos da mesma pipa”, não afirmavam uma linha política, com tática e estratégia revolucionárias, nem retomavam uma posição capaz de construir a coesão da direção, pois suas ideias e seus esquemas estavam poluídos dos mesmos erros do passado e as divergências realmente políticas possuíam caráter secundário.

Deste combate ideológico e orgânico nasceu o PCR, como o que de melhor havia no movimento operário do país.

Foi, então, elaborado um documento, definido e concreto, sobre os problemas capitais para a tomada do poder, a Carta de 12 pontos aos comunistas revolucionários, que não se destinava às discussões acadêmicas, mas, sim, para servir de orientação a um intenso trabalho prático, pois só com o mesmo poderíamos nos afirmar como organização proletária e revolucionária.

Travar a luta ideológica

É necessário que cada membro do Partido tenha em mente, agora, na fase em que estamos nos firmando, que o combate ideológico se reveste da máxima importância a fim de que a organização, no seu nascedouro, não se encha de “vícios passáveis”, falhas essas que futuramente poderão vir à tona com maior virulência. É preciso cortar logo o mal pela raiz, antes que ele se desenvolva e tome conta do belo arbusto nascente.

A burguesia como classe dominante não utiliza somente contra o proletariado e seu Partido os “cantos de sereia” da corrupção econômica e financeira. Do modo como explora a classe operária nas fábricas e nos campos, tenta também corromper através de promessas de um nível de vida ideal os quadros valorosos do proletariado, dopando com uma propaganda sistemática e minuciosa os comunistas. A batalha contra esta segunda frente, a frente ideológica, tem que ser executada radicalmente, pois estamos envolvidos pelo mundo burguês circundante.

A mais nefasta manifestação de penetração burguesa em nossa organização é a que entrega e desarma o proletariado em sua luta contra a burguesia. Ela é resultado da campanha pseudo-anti-imperialista que se desencadeou no mundo em virtude de a contradição principal da sociedade contemporânea ser aquela cujos componentes contrários são o imperialismo e os povos. A firmeza desta constatação levou os partidos comunistas a perderem de vista outra contradição: a contradição fundamental de nossa sociedade entre a burguesia e proletariado. Daí a falta de objetividade dos programas “comunistas” no que se refere à tomada do poder e a consequente entrega de sua realização à burguesia, deixando como incumbência dos operários a simples participação secundária na revolução democrático-nacional e sua hegemonia com os burgueses.

Os partidos socialdemocratas são apologistas dessa política e acabam ajudando o inimigo da classe operária, pois levam ilusão aos nossos quadros. Por isso, somos obrigados a conduzir a política revolucionária dos comunistas sempre em alerta contra as influências capitulacionistas e reformistas, mascaradas com inteligência e sutileza, provenientes dessas organizações e difundidas nas massas por seus militantes. As demais organizações de esquerda e que defendem opiniões estranhas ao proletariado, embora também perigosas, não constituem na atualidade perigo iminente contra nosso Partido. As ideias esquerdistas poucas vezes têm constituído obstáculo à nossa pureza ideológica. Embora não devamos perdê-las de vista, nosso centro de ataque é o reformismo e o revisionismo, porque têm seu suporte ideológico retirado de conceitos históricos “inovados”, firmados pelos traidores do movimento obreiro e são apoiados ostensivamente pela burguesia. Constituem-se, os revisionistas, em seus lacaios mais operosos na tarefa de desvirtuar os caminhos dos verdadeiros comunistas e causar confusão no seio das massas. Nosso combate a esses grupos de traidores não pode ser realizado palidamente.

Esta forma de adulteração do pensamento operário através dos partidos revisionistas, embora perigosa, é fácil de combater e isolar, pois estamos alertados contra ela depois do 20º Congresso do PCUS e da desmoralizante situação a que esses partidos levaram o movimento comunista.

Entretanto, difícil é o combate às outras influências a que são submetidos os comunistas pelo meio circundante, a sociedade baseada na propriedade privada dos meios de produção, e que cria todo um emaranhado de armadilhas semelhantes aos tentáculos de um polvo para envolver e derrotar a consciência operária.

Nosso Partido deve, frente a esse problema, se converter numa escola do pensamento proletário. Devemos batalhar contra todas as formas de vacilações caracterizadas pela ilusão dos militantes em se situarem dentro dessa sociedade sem romperem com os liames que os prendem a ela. É nossa obrigação também criticar as opiniões equivocadas sobre as formas e conteúdos que caracterizam as artes burguesas e que, muitas vezes, dominam alguns camaradas, e ainda caracterizar bem os pontos de vista progressistas e os proletários. Desta forma, devemos estudar, discutir e pesquisar a fim de possuirmos coletivamente um pensamento único, coeso em torno dos problemas políticos e ideológicos que afligem o movimento revolucionário durante os últimos 25 anos.

Texto publicado na edição impressa nº 270 do Jornal A Verdade