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sábado, 5 de outubro de 2024

Primeira Usina de Incineração de lixo urbano do Brasil é ameaça socioambiental

Instalação de usina de incineração de lixo urbano em Barueri é exemplo de tecnologia industrial em desuso nos países do centro do capitalismo e poderá causar grandes impactos socioambientais em toda América Latina.

 Karoline Santana | Barueri (SP)


MEIO AMBIENTE – A tentativa de instalação da Usina de Recuperação Energética de Barueri (URE Barueri) faz parte de um processo de remanejamento do tipo de tecnologia chamada waste-to-energy para os países periféricos. Os produtores dessas tecnologias, hoje em desuso na Europa, voltam seus olhos aos países em desenvolvimento.

Tais países, além de depósito de lixo das nações do centro do capitalismo, são locais onde as legislações ambientais são menos aprimoradas e exigentes. Pelo fato de a velharia ultrapassada e agora rejeitada ter sido popular nos países altamente industrializados, principalmente após a década de 1960, os produtores vendem a ideia de que é uma tecnologia inovadora e trará desenvolvimento para os países periféricos.

As incineradoras queimam os resíduos e produzem energia através do calor gerado nas caldeiras, que deve superar os 1200°C. Contudo, as incineradoras de lixo urbano domiciliar são um problema não apenas ambiental e de saúde pública, mas também social, principalmente em países de economia emergente ou em desenvolvimento.

As UREs entram em conflito direto com os trabalhadores da reciclagem, uma vez que sua principal fonte de calor (materiais de potencial calorífico) são justamente os materiais de interesse dos catadores, como o papel, o papelão e o plástico. Nos países latino-americanos, a reciclagem e o trabalho de catadores recuperam milhões de toneladas de materiais e geram renda para milhares de famílias.

As incineradoras não são uma alternativa sustentável para a cadeia energética, uma vez que produzir novos materiais demanda mais energia do que reciclar, além de incentivar a extração de mais matéria prima da natureza.

Valiosas contribuições sobre o tema são encontradas na nota técnica nº 11 de WIEGO (Mulheres no Emprego Informal: Globalizando e Organizando). Aqui se constata o conflito de interesses entre as trabalhadoras da reciclagem e os empreendimentos de incineração, que além de destruírem o mercado de trabalho da categoria, geram até 40 vezes menos empregos que a reciclagem.

O contexto Europeu para a incineração é completamente diferente do nosso. Embora haja mais de 400 usinas em atividade por lá, cerca de 35% dos resíduos são destinados à reciclagem e apenas 6% à incineração. Em Barueri, onde a Usina será instalada, somente 3% dos resíduos são destinados à reciclagem.

Desde o ano passado, as lixeiras residenciais foram substituídas por caçambas onde todos os moradores de uma determinada rua ou quadra depositam indiscriminadamente seus resíduos. Essas caçambas são altas, trazem riscos à saúde dos catadores e dificultam o trabalho de seleção, pois os trabalhadores não conseguem alcançar os materiais ou, quando conseguem, não podem reaproveitá-los por estarem muito sujos e contaminados com rejeitos.

A URE Barueri pretende incinerar sem qualquer tipo de separação mais de 800 toneladas de resíduos domiciliares produzindo cerca de 200 toneladas de rejeitos tóxicos por dia que necessitarão de tratamento especial em aterro sanitário. Os movimentos sociais que estão acompanhando o caso, como o coletivo SOS Barueri, ainda não conseguiram informações de como se procederá o tratamento desse enorme volume de cinzas tóxicas.

A instalação da URE Valoriza Santos, após muita mobilização da sociedade civil na baixada santista, foi interrompido por recomendação do Ministério Público. O MP apontou, entre outras questões, o fato de a aprovação do projeto não ter passado pelo crivo da sociedade civil.

A URE Barueri, ao contrário, foi timidamente debatida pela sociedade que há 10 anos rejeitou a instalação da Usina em Audiência Pública. O município, entretanto, ignorou a vontade da população e deferiu a Parceria Público Privada para a construção do empreendimento.

Uma Ação Popular para barrar a instalação está em curso desde 2013. De forma geral, todo o processo da Usina é problemático. Em 2011, houve a Publicação da Ata da sessão de abertura da Concorrência Pública n.º 023/2010. Participou somente o Consórcio Barueri Energia, formado pelas empresas Foxx Soluções Ambientais Ltda. e Tecipar Engenharia e Meio Ambiente Ltda, responsáveis pela construção da URE.

Nunca houve a apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança e a licença de instalação está vencida desde 2021. Os órgãos de fiscalização como os da Prefeitura, a CETESB e o Ministério Público estão advogando em favor do empreendimento e ignorando os apelos da população.

Recentemente, em resposta ao canal de comunicação EnergiaHoje, a CETESB emitiu uma nota sobre o vencimento da licença. A companhia informou que em razão de uma suposta limpeza do terreno ter sido realizada 7 dias antes do fim do prazo, a licença permaneceria “automaticamente válida” até a conclusão das obras, prevista para 2025.

Entretanto, o novo prazo dado pela CETESB não encontra amparo na legislação, uma vez que, ao longo desses 10 anos, a licença foi prorrogada até o limite máximo legal.

O programa lixão zero e a Portaria Interministerial nº 274/2019, implementados pelo governo Bolsonaro, incentivam o uso da tecnologia de incineração. Esta deveria ser a última opção de tratamento de acordo com a ordem de prioridades da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que preconiza a redução, reutilização e reciclagem dos materiais, antes de optar por outros meios de tratamento.

O Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis (MNCR) denuncia o programa e pede sua adequação às leis ambientais vigentes e a inserção da categoria de catadores no plano de ação do programa.

Os meios burocráticos, institucionais e legais da democracia burguesa se concretizam como obstáculo para a população no acesso aos seus direitos, enquanto favorecem o capital no alcance de seus objetivos manifestamente opostos aos do povo e do planeta terra.

Barrar a instalação da URE Barueri é, antes de tudo, impedir a desarticulação de redes locais de criação de valor e trabalho construídas por uma grande quantidade de pessoas já precarizadas e pobres e que contribui enormemente para a proteção do planeta e para a economia do país.

Impedir a instalação da incineradora é impedir o nascimento de um protótipo que será usado pelo mercado como modelo para inserção dessa tecnologia em toda a América Latina, prejudicando milhares de trabalhadores e trabalhadoras para favorecer uma meia dúzia de bilionários.

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