Moradores de Cotia enfrentam os efeitos de glamorização do município

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Prefeitura de Cotia (SP) promove a gentrificação investindo em infraestrutura que favorece os mais ricos e abandona o povo pobre trabalhador.

Bruno Sevilio* | Cotia


BRASIL – Em Cotia o espaço urbano é um entrelaçado entre prédios residenciais, casas, sítios e chácaras, indústrias, grandes e pequenos comércios próximos aos parques, áreas de preservação e patrimônios naturais, mas o clima não é de harmonia.

É impossível entender Cotia como um todo sem compreender a realidade de cada área. O território de Cotia, que era ainda maior antigamente, vem sendo dividido nas últimas décadas, dando origem a novos municípios, como Vargem Grande Paulista e Jandira. Aqui é importante fazer uma distinção entre cidade (centro urbano) e município (unidade administrativa).

O crescimento das várias cidades elevou-as de distritos a municípios autônomos, com infraestrutura de saúde, transporte e segurança locais. Isso se tornou necessário conforme a prefeitura de Cotia foi sendo incapaz de gerir todos esses locais e oferecer os devidos serviços aos centros urbanos mais distantes.

O território e as classes sociais

Cotia possui uma das maiores favelas da região metropolitana de São Paulo: o Morro do Macaco. O local sofre das mesmas privações e opressões que as grandes favelas da capital, inacessibilidade à serviços básicos, passeio público de difícil circulação, casas impróprias para uma moradia digna, muitas delas em áreas de risco.

Também faltam áreas de convívio, esporte, cultura e lazer. Entretanto, o Morro não é a única área da cidade que merece atenção prioritária. Há muitas outras comunidades, algumas maiores, outras menores, espalhadas por toda a cidade, até nas proximidades da Granja Viana.

A Granja Viana não é apenas um recorte geográfico, mas principalmente um recorte de classes. Qualquer condomínio ou área nobre na zona leste do município, e até em outros municípios, pode ser reconhecida como ‘Granja Viana’.

Granja Viana é um recorte de classes sociais, uma forma de identificação pequeno-burguesa (e de pretensos pequeno-burgueses). Essa cultura parece ter inspirado os dirigentes políticos da cidade e especuladores imobiliários a quererem expandir o “modelo Granja Viana” para outras áreas de Cotia através de uma típica política de gentrificação ou, no caso, ‘Granjificação’.

Projeto de cidade para os ricos e abandono do povo pobre

A prefeitura gasta o orçamento maquiando a cidade para atrair moradores de classes mais altas, para habitar e consumir nesses empreendimentos.

Um exemplo é a renovação da frota da GCM para os importados da marca Jeep e a construção dos totens da Guarda Municipal pela cidade, trazendo uma falsa sensação de segurança só para aqueles que transitam de carro desde seus condomínios com segurança privada até dentro dos estacionamentos dos centros comerciais.

Outro exemplo é a estrada de Caucaia, que foi recapeada assim que a política de gentrificação começou a ser implementada no distrito com o início da construção de condomínios e centros comerciais, entretanto nenhuma melhoria no transporte público foi observada.

Em Caucaia e em todas as áreas do Município, a superlotação do transporte público piorou devido ao aumento da população, o que agravou também o trânsito crônico, gerado pela alta dependência da Raposo Tavares. As melhorias nas vias são para os carros dos futuros moradores dos condomínios, e não para os trabalhadores que já vivem no município e dependem do transporte público.

No que tange ao meio ambiente, Cotia é um município considerado como de “Prioridade de Preservação Multo Alta”, contendo diversas APP’s, o Parque e Viveiro Cemucam, e a Reserva Florestal do Morro Grande, reconhecida como Área Core da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo.

No entanto, para abrir espaço nas áreas de preservação em favor de shoppings e condomínios, certos agentes públicos do município trabalham para favorecer, por meios lícitos ou ilícitos, os interesses do setor privado (nomeadamente empreiteiras e fundos de investimento imobiliário).

Um exemplo de favorecimento lícito foi a Lei Complementar 325/2022, que institui o Plano Diretor de Cotia. O Plano, entre outras coisas, autorizava a construção de imóveis com 30 andares na cidade. Favorecendo o aumento da densidade populacional sem considerar estudos de engenharia de fluxo e tráfego e sem o adequado planejamento do espaço público, agravando problemas de mobilidade já crônicos na cidade.

Corrupção e abandono do povo

Os meios ilícitos, por sua vez, são reforçados pelo episódio mais recente quando numa operação foram apreendidos R$122 mil nas casas dos secretários de Meio Ambiente e de Negócios Jurídicos de Cotia. Dois policiais e outras 7 pessoas foram presas, e o Secretário da Habitação na época também foi alvo da investigação.

Ao mesmo tempo que a gestão municipal beneficiava empreendimentos privados, passaram anos inertes quanto à regularização de moradias populares. Somente no presente ano de 2023, após o aporte de recursos federais com esse propósito, é que a gestão atual acolheu a iniciativa de regularização de moradias no município.

Cotia tem um histórico de escândalos recentes em todas as gestões das últimas décadas. Em meio a toda essa usurpação, o pouco que sobra do dinheiro público é despejado em ações estéticas e, quando muito, medidas paliativas ou emergenciais, priorizando sempre bairros privilegiados.

Dando continuidade ao projeto de abandono da classe trabalhadora e alinhamento aos interesses privados, a atual gestão adota a estratégia de expandir as áreas privilegiadas, atraindo uma população privilegiada para cidade, ao invés de priorizar os trabalhadores que já vivem em Cotia.

*Militante da UP