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quarta-feira, 9 de outubro de 2024

50 anos do golpe de estado fascista no Chile

No dia 11 de setembro de 2023, se completam 50 anos do golpe de estado no Chile, liderado por Augusto Pinochet e sua camarilha fascista. A ditadura sanguinária que se seguiu foi um dos episódios mais obscuros de toda a história da América Latina e a barbárie do regime deixou resquícios na vida política chilena até hoje.

Gabriel Senna | Cabo Frio – RJ


HISTÓRIA – O contexto social chileno na época em que ocorreu o golpe era de avanços sociais significativos. Em 1970, o povo chileno elegeu uma coalizão de partidos de esquerda e movimentos populares chamada de Unidade Popular, tendo como chefe de governo Salvador Allende, médico e uma das figuras políticas mais proeminentes da história latino-americana.

O governo de Allende e da Unidade Popular apostou na via eleitoral para o socialismo, a chamada “via chilena”. Era o momento dessa via ser testada, sem revolução, sem derrubada da burguesia, viabilizando o projeto socialista através das instituições democráticas burguesas. Essa visão problemática de socialismo auxiliou, inevitavelmente, a burguesia a derrubar o governo.

Povo chileno conquistou vitórias no governo Allende

Porém, o governo Allende foi exitoso em uma série de reformas que transformaram o seu governo num baluarte da resistência latino-americana e, assim, foi saudado inúmeras vezes por governantes socialistas ao redor do mundo. O governo chileno conseguiu nacionalizar boa parte de setores estratégicos da economia chilena, como o cobre.

Naquele período também, os trabalhadores se organizaram, tomando e ocupando a gestão das fábricas. Foram criados os chamados cordones industriales: associações de fábricas controladas pelos trabalhadores que organizavam o bom funcionamento das instalações e o bem estar dos trabalhadores.

Durante a presidência de Allende, a luta pela reforma agrária avançou bastante e 3.479 propriedades foram expropriadas, totalizando 40% do território agricultável do Chile. O governo investiu pesadamente em moradia, ampliou o sistema público de ensino, tanto básico quanto superior, construiu lavanderias, restaurantes e creches comunitários, devolveu terras aos povos originários Mapuche, valorizou o salário mínimo em 28% e criou a Secretaria da Mulher, fundamental na formulação de políticas públicas voltadas para emancipação feminina. Desde que começou o governo, a UP de Allende apostou numa intensa mobilização popular. 

Richard Nixon, então presidente dos EUA na época, disse certa vez ao diretor da CIA: “Se houver alguma forma de desbancar Allende, é melhor fazer isso”. Com isso, desde o início do governo até a sua deposição, inúmeras tentativas de desestabilização e sabotagens foram tentadas: estoque e especulação indevidos de alimentos e greves de caminhoneiros financiadas por patrões.

Com financiamento da burguesia, aliado a um apoio da mídia tradicional, a direita chilena consegue a maioria nas eleições parlamentares de 1973, inviabilizando os projetos de reformas populares. A CIA foi fundamental para o caos: financiou grupos paramilitares, muito deles abertamente neonazistas, que praticavam terrorismo contra o governo e injetou rios de dinheiro nos sindicatos patronais para realização de locautes. Em nenhum momento, a burguesia nacional e internacional aceitou de bom grado a perspectiva de emancipação dos trabalhadores.

A primeira tentativa de golpe de Estado foi a que ficou conhecida como “Tanquetazo”. Foi orquestrada justamente pelas forças armadas a comando da CIA. Foi uma resposta desesperada das forças armadas contra a demissão de oficiais envolvidos em conspirações golpistas. Os tanques chilenos marcharam em direção ao palácio presidencial, porém fracassaram na tentativa golpista.

Logo após a intentona golpista, Allende tenta proclamar estado de sítio, sem conseguir a maioria no parlamento. O parlamento, com uma maioria direitista, solicita uma intervenção militar para o restabelecimento da ordem no país. Augusto Pinochet se torna chefe das forças armadas e o governo Allende confia no pacato general e esse, sem dúvida, foi o maior de seus erros. 

No dia 10 de setembro de 1973, a marinha chilena organiza um exercício militar em conjunto com a marinha estadunidense. No dia seguinte, a marinha se insubordina, cercando o palácio presidencial em Santiago. Imediatamente, Allende faz seu discurso final nas instalações do Palácio de La Moneda.

A força aérea bombardeia o palácio com o chefe de Estado dentro, enquanto a marinha estadunidense estava ancorada na costa. O atentado só poderia resultar na morte de Allende, um suposto suicídio de acordo com a versão oficial.

No mesmíssimo dia do golpe, uma junta militar é instaurada e alçada ao poder. O líder dessa junta é Augusto Pinochet e começa assim um verdadeiro império de terror contra milhares de chilenos.

A barbárie de Pinochet

O regime ditatorial de Pinochet e dos imperialistas durou 17 anos. Os números oficiais da ditadura de Pinochet apontam que mais de 40 mil pessoas foram vítimas do regime. Dentre elas 3,2 mil pessoas foram mortas ou desapareceram. Cerca de 200 mil pessoas tiveram que se exilar.

O regime sanguinário das forças armadas chilenas se caracterizou por uma intensa perseguição aos movimentos sociais e partidos políticos. Com a virada golpista, todos os militantes foram fichados, perseguidos e duramente castigados pelos fascistas. Campos de concentração foram construídos em ilhas remotas; uma centena de casas de tortura se espalhou pelo país.

Na Vila Grimaldi, uma das casas de tortura, estima-se que 5000 pessoas foram torturadas e mortas. Uma das casas de tortura era especializada em crimes de violência sexual e se chamava La Discotécque. Milhares de mulheres foram estupradas nessa casa, 211 filhos foram concebidos como parte da tortura e todos foram vendidos para apoiadores e/ou militares do regime.

O mote do regime era prender e torturar todas as pessoas ligadas a movimentos considerados “subversivos”. As prisões não suportavam essa quantidade de pessoas, portanto, o Estádio Nacional do Chile foi utilizado como um presídio durante todo o regime. Cerca de 40 mil pessoas foram presas no estádio durante toda a ditadura e estima-se que 400 pessoas foram fuziladas nele, incluindo entre elas Victor Jara, importante artista do cenário musical chileno e militante do Partido Comunista do Chile.

As políticas econômicas foram o segundo garrote para a classe trabalhadora. Com uma agenda neoliberal muito forte, Pinochet passa a aprovar uma série de privatizações e entregar todos os setores estratégicos da economia nas mãos dos capitalistas. O cobre, a educação, saúde e previdência foram privatizados ao máximo, o salário mínimo acabou e foram desregulamentadas uma série de leis trabalhistas.

Fim da ditadura

Em 1980 é aprovada uma nova constituição por meio de um referendo repleto de fraudes processuais, mas que amenizou os 7 anos de terror generalizado que se seguiram após o golpe. Em 86, Pinochet sofre um atentado e ele então decreta um novo estádio de sítio, recomeçando a carnificina característica do seu regime, mas que não ganha o apoio internacional devido. 

A partir de 87, Pinochet vai perdendo poder político lentamente com o processo gradual de abertura do regime e em 89, o ditador renuncia ao cargo. O povo elege um novo presidente, e este assume em 1990, dando fim a ditadura.

A constituição da época de Pinochet permanece intocada até os dias atuais. Pinochet sai do cargo da presidência para ocupar o cargo de comandante das forças armadas e durante os anos que se passaram acumulou mais de 3000 processos de vítimas do seu regime aos quais não respondeu e não pagou por nenhum deles.

Em 98, Pinochet é agraciado com o cargo de senador vitalício que garantiu foro privilegiado pelo resto de sua vida. Em 2006, Pinochet morre aos 91 anos sem responder, sem pagar por nenhum crime que tenha cometido.

Legado da ditadura 

Ainda hoje, a sociedade chilena é impactada pelos vestígios da ditadura. A educação no país é dominada por monopólios com concessões de 99 anos e plena garantia constitucional. 60% da educação no Chile é privada.

A saúde recebeu um corte gigantesco durante o regime fascista: foi de 9,7% para 1,7%, enquanto a gigantesca maioria da população necessita desse serviço público. Apenas 19% da população chilena tem capacidade de utilizar o sistema de saúde privado, enquanto a maioria precisa utilizar um sistema precarizado. A previdência é completamente privada e controlada por um fundo de investimento que cobra taxas absurdas aos pensionistas. Esses fundos só perdem para o setor do cobre na economia nacional

A constituição chilena permanece intacta até os dias de hoje. Ainda permanece na constituição a visão de que os serviços essenciais mais básicos são supérfluos e que os interesses dos grandes capitalistas estão acima do bem estar da grande maioria da população.

Em 2019, o povo chileno se lançou as ruas para lutar por uma nova constituição e assim conseguiu que uma nova assembleia constituinte fosse proclamada. A constituição foi rejeitada e uma nova assembleia constituinte foi formada com uma conformação alarmante: 34 dos 51 assentos da assembleia são formados por representantes de direita, o que mostra como o governo de Boric, atual presidente do Chile, capitula frente aos anseios da população.

Todos os países da América Latina tiveram ditaduras apoiadas por imperialistas. A experiência chilena guarda suas semelhanças com a experiência da ditadura no Brasil e com todas as outras ditaduras dos países desse continente.

Somos todos assombrados por esse passado de torturas e ausência de democracia, de perseguições e exílio. Guardamos conosco as marcas que lembram o que os imperialistas esperam de nossos países e dos povos que residem neles: submissão e obediência a serviço do capital nacional e estrangeiro.

Por isso que, cada vez mais, devemos nos lembrar do que ocorreu e alertar uns aos outros dos passos que a história deu e que permitiram que acontecesse a tragédia, para que nunca mais aconteça e se repita.

Os corpos daqueles que tombaram pela ganância dos poderosos devem suscitar a indignação e vontade de organização para superar esse sistema velho e caduco que enterra as pessoas ora por fome ou por bala. Devemos lembrar dos crimes que esse sistema comete e cometeu em nome do lucro, para nunca nos enganar perante a ele e sempre afirmar um mundo novo que só pode surgir a partir de uma revolução socialista.

Os poderosos que se cuidem, pois o povo tem memória, luta com verdade e anseia por justiça.

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