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terça-feira, 12 de novembro de 2024

Hip Hop: a luta através da arte e da cultura

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A cultura Hip Hop não surge com uma finalidade definida, é fruto do contexto social, econômico, racial, cultural e político das décadas de 60 e 70 nos Estados Unidos. Sendo assim, carrega todas essas marcas nas artes que produz, e por isso vemos uma postura muito inspirada nos Panteras Negras em tudo que o Hip Hop cria.

Monge* | Belo Horizonte


CULTURA – Ao final dos anos 60 e início dos 70, as Gangues de Rua dominam os guetos de Nova Iorque gerando um ambiente constante de guerra entre as juventudes desses bairros. O Bronx (distrito da cidade de Nova Iorque) se torna uma das regiões mais perigosas da cidade devido à concentração e postura violenta das gangues, reflexo da situação de extrema pobreza.

O número de homicídios no Bronx quadruplicou entre 1960 e 1971, a maioria destes associados à atividade das gangues. Segundo membros dos grupos o crime era a principal fonte de renda da época. Tráfico de drogas e armas, assaltos, e atividades frutos de crimes, era assim que boa parte da juventude se sustentava.

Neste cenário o lema da juventude era “Você tem que sobreviver!” e as gangues eram a alternativa para isso. Nos relatos do Bronx, existia uma ou até mais gangues por quarteirão, os blocos de prédios dos conjuntos habitacionais eram comandados por várias; naquele momento se você não era parte de uma, você era vítima de alguma.

As ruas do Bronx se tornaram um campo de guerra, brigas, homicídios, tráfico e a disputa por território tornou-se a tônica dos distritos e de vários guetos da cidade, com destaque para o Sul do Bronx. As Gangues eram formadas majoritariamente por adolescentes e jovens, em busca de autoproteção e identidade social, já que por outras vias não havia esse acesso.

Unidade pela libertação da população negra e latina norte americana

A chegada da heroína aprofundou o cenário de degradação. O envolvimento de policiais e políticos sustentava a máquina do tráfico e das gangues. Esse “surto” de heroína nas comunidades negras e latinas têm correlação direta com a desarticulação dos movimentos de luta pelos direitos civis. Integrantes do Partido Panteras Negras, partido popular de esquerda radical, afirmavam desde então a eficiência deste plano na desarticulação do Partido e de outros movimentos.

Na contramão da desmobilização dos Movimentos por Direitos Civis, duas gangues iniciaram um trabalho de luta por melhorias em suas comunidades, os Young Lords de Chicago, que surgiram enquanto organização social por volta de 1967, e os Ghetto Brothers do Bronx. Ambas as gangues, fortemente influenciadas pela luta e ideais do Partido dos Panteras Negras, moveram ações para tentar unir seus membros em torno da libertação da população negra e latina das opressões do Estado Norte Americano.

Em 1971 no Bronx, o membro eleito como Pacificador dos Ghetto Brothers, Cornell Benjamin, “Black Benjie”, foi enviado em missão para propor a paz entre gangues da região e acabou assassinado durante essa tentativa. Contrariando as expectativas, tanto da mídia e de gangues, quanto da população em geral, os Ghetto Brothers propuseram uma reunião entre os líderes de Gangues do Bronx para selar um Tratado de Paz. Assim, no dia 7 de Dezembro de 1971 no Bronx foi selado o Tratado de Paz entre várias gangues da região.

Esse Tratado de Paz, seguido de ações culturais, principalmente festas de rua, realizadas pelos Ghetto Brothers, que também eram uma banda de Funk/Soul, permitiram que depois de anos os jovens do Bronx voltassem a circular entre as regiões do distrito. E foram essas festas que abriram caminho para o surgimento de um modo de vida e de manifestações artísticas que ficariam conhecidas como Hip Hop.

Fonte imagem: © Rick Flores

Aos poucos a guerra entre as gangues se tornou uma guerra de estilos, as batalhas de Mcs, dançarinos, Djs e a disputa por visibilidade de Graffiteiros, se tornaram uma alternativa à violência das gangues. Gangues se tornaram grupos de Hip Hop, o que não cessou completamente a violência e o envolvimento com o crime, mas aos poucos se tornou uma possibilidade de mudança de vida para vários.

O Hip Hop como um modo de vida de um povo

A cultura Hip Hop não surge com uma finalidade definida, é fruto do contexto social, econômico, racial, cultural e político das décadas de 60 e 70 nos Estados Unidos. Sendo assim, carrega todas essas marcas nas artes que produz, e por isso vemos uma postura muito inspirada nos Panteras Negras em tudo que o Hip Hop cria. Como modo de vida de um povo em um tempo determinado, o Hip Hop não tem um estatuto que define o que se pode ou não falar, fazer, produzir, mas toda sua história e origens cria um movimento cultural popular com forte influência dos movimentos de luta de classe, raça, gênero e trabalhador.

No Brasil, o Hip Hop abraça as juventudes periféricas no início da década de 80, e como já relataram alguns pioneiros, não havia necessariamente uma consciência de luta através da arte num primeiro momento, mas as características e condições de vida dessa juventude levaram, naturalmente, a uma postura de enfrentamento através da dança, da música e do graffiti.

O Hip Hop, e principalmente o Rap, enquanto poesia, assumiu no Brasil rapidamente um papel importante na reflexão sobre a questão racial. Os Racionais Mcs talvez sejam o exemplo mais relevante da influência da música Rap na criação da identidade racial das juventudes periféricas em todo país. Negro Drama tornou-se um hino para jovens das vilas, favelas e bairros periféricos, entoado a plenos pulmões por aqueles que, mais do que entendiam, sentiam os versos de Mano Brown como:

“Daria um filme

Uma negra e uma criança nos braços

Solitária na floresta de concreto e aço…”

“Família brasileira, dois contra o mundo

Mãe solteira de um promissor vagabundo

Luz, câmera e ação, gravando a cena vai

Um bastardo, mais um filho pardo sem pai…”

No Brasil, a proximidade de pessoas do Hip Hop com movimentos sociais como MST, CUT, MLB, bem como com partidos de esquerda foi natural, fruto de um país desigual que tem, historicamente, nas artes populares uma das suas vias de expressar anseios, lutas e questionamentos da classe trabalhadora, preta e periférica, vide o samba, o repente e outras expressões artísticas.

A cultura Hip Hop tornou-se assim, ao longo das últimas décadas, mais uma dessas vias de posicionamento e luta da população, mas não somente através do discurso de enfrentamento direto. Auto-estima, amor, união, conhecimento e autoconhecimento como pautas revolucionárias fazem parte da narrativa construída por essa cultura que movimenta todas as faixas etárias mundo a fora, expressando e dando lugar às visões de mundo através de diversas artes, algo que é sistematicamente negado a essas pessoas pelo sistema em que vivemos.

O Hip Hop Vive, faz viver, segue como arte e luta!

*Monge73 militante da UP, Hip Hopper, criador da Batalha Griot e integrante do Palco Hip Hop.

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