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sábado, 23 de novembro de 2024

Brasil é o 5° país que mais mata mulheres

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Apesar de ter uma lei bastante completa e de já ter sido eleita uma das melhores leis do mundo, o Brasil ainda ocupa a 5ª posição no ranking dos países que mais matam mulheres.

Coordenação Nacional do Movimento Olga Benario


MULHERES – No último mês de agosto, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) completou 17 anos. Sendo esta uma das leis mais conhecidas pelos brasileiros e que tem seu nome em referência à luta desenvolvida por Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência por quase 19 anos pelo seu então marido, e que buscou diversas organizações nacionais e internacionais exigindo justiça e proteção.

A lei também é resultado do movimento popular de mulheres que se organizou, principalmente a partir do final dos anos 1970, para denunciar os casos de feminicídio e violência. Foi grande a repercussão dada pela mídia aos vários assassinatos de mulheres por aquele que se diziam seus parceiros, como o de Eliane Grammond, em São Paulo, Silvia Christel, no Rio de Janeiro, Jô Lobato, em Minas Gerais e, sobretudo, o de Ângela Diniz.

No julgamento desses casos, a defesa dos assassinos chegou a utilizar como argumento “o excesso culposo de legítima defesa da honra”¹ ou que os assassinos “amavam demais” a ponto de praticar estes crimes. Assim, indignadas pela condução dos casos na Justiça e pela falta de medidas do Estado que punissem seus assassinos e protegessem as mulheres, várias manifestações surgiram. Vieram à tona campanhas como a “Quem ama, não mata”, que denunciavam as mortes de mulheres por seus ex-parceiros.

Os movimentos de mulheres também realizaram denúncias internacionais quanto à falta de ações efetivas do Estado brasileiro em relação ao caso de Maria da Penha. A partir dessas denúncias, o Brasil recebeu recomendações internacionais de que se criasse uma lei de proteção às mulheres com foco no enfrentamento à violência doméstica de gênero, que culminou na sanção da Lei Maria da Penha.

Esse dispositivo legal traz as definições de violência doméstica, incluindo a violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial como crimes. Compreende que, para que o atendimento às mulheres seja efetivo, é necessário combinar ações da saúde, assistência social, habitação, sistema de justiça, etc. A lei também recomenda programas de prevenção da violência, como campanhas educativas, formação para profissionais e nos currículos escolares em todos os níveis de educação, além da reeducação para os agressores.

Apesar de ser uma lei bastante completa e de já ter sido eleita uma das melhores leis do mundo, o Brasil ainda ocupa a 5ª posição no ranking dos países que mais matam mulheres.

Os últimos dados divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que, no último ano, tivemos 1.437 feminicídios, um recorde desde que os casos de assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres começaram a ser contabilizados como feminicídio, em 2015. 

Não bastassem os casos de feminicídios, o ano passado também foi marcado pelo recorde de casos de estupro, com o número de 74.930 ocorrências. Destes, 56.820 foram estupros de vulneráveis, ou seja, pessoas incapazes de consentir um ato sexual, seja pela idade (menores de 14 anos), seja por alguma enfermidade ou deficiência. As principais vítimas foram do sexo feminino (88,7%) e, negras (56,8%), sendo que seis vítimas, em cada dez, são menores de 13 anos.

Maioria das vítimas são mães

Por tudo isso, é que infelizmente se constata que o Brasil apresentou um aumento de todos os indicadores de violência doméstica, com quase 90 mil ocorrências, cerca de 100 chamadas por hora, nos canais de denúncia, a exemplo do Disque 180. Este aumento se deu pelos cortes de verbas nas políticas sociais de enfrentamento à violência contra as mulheres, pelo discurso de ódio proferido por grupos fascistas e ao aumento do porte de armas de fogo promovido pelo Estado, tendo como maior incentivador o ex-presidente fascista Jair Bolsonaro.

Um dado que chama atenção e é pouco falado é que 60% destas mulheres são mães e que, portanto, existe toda uma cadeia familiar que é afetada. Quando ocorrem os feminicídios, os filhos dessas mulheres ficam órfãos, além de terem que lidar com o fato de que foram os seus próprios pais, muitas vezes, os autores do assassinato das suas mães.

Somente em 2021, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram mais de 2.300 crianças que se tornaram órfãos frutos de feminicídios. Vale alertar ainda que essas crianças e adolescentes são, em sua imensa maioria, negras, visto que 66,7% das mulheres assassinadas por feminicídio no Brasil são negras.

Criar políticas de transferência de renda para as crianças, uma vez que estas ficam sob os cuidados de outras mulheres, avós e tias, em sua maioria. E que também não possuem renda para assumir tal responsabilidade, além de um acompanhamento especial na escola, com o intuito de reduzir a evasão escolar, são algumas das políticas possíveis.

O caminho é a luta!

Frente a isso, os movimentos populares de mulheres deram diversos exemplos de como enfrentar essa dura realidade, com atos denunciando a violência e reivindicando mais políticas públicas, além de iniciativas de conscientização e orientações para mulheres em situação de violência.

O Movimento de Mulheres Olga Benario tem buscado fazer ações de luta e denúncias em todos os lugares onde está organizado. Exemplo disso foi o ato, realizado em conjunto com os familiares e amigos de Ana Carolina, uma jovem de 18 anos, vítima de feminicídio no Rio de Janeiro, que reivindicou justiça para a jovem e políticas que enfrentassem os altos índices de violência e feminicídio da Região dos Lagos.

Em Alagoas, onde já ocorreram mais de 13 casos de feminicídio neste ano, movimentos de mulheres organizaram um ato em São José da Tapera contra o feminicídio de Mônica Cavalcante, que, horas antes de ser assassinada, gravou um vídeo dizendo: “[ele] me agrediu várias vezes psicologicamente e fisicamente. Eu fiz de tudo pra gente ser feliz, mas não deu” e incentivando as mulheres a denunciarem e pedirem ajuda. O ato contou com uma caminhada que refez o caminho que a vítima percorreu antes dela ser assassinada.

Em Minas Gerais, onde uma jovem de 22 anos foi estuprada após voltar de um show, vítima de negligência, sendo deixada em situação de vulnerabilidade sozinha na porta de casa antes da ocorrência. Imediatamente, o Movimento de Mulheres Olga Benario e o Movimento 8M Unificado convocaram um ato contra a cultura do estupro.

Em São Paulo, estado que teve uma alta de 36% dos casos de feminicídio no primeiro semestre deste ano, somando 113 casos, diversos movimentos de mulheres realizaram um ato por justiça à Valéria, Kethy e Isnaia, vítimas de feminicídio da região do ABC. O ato foi em São Bernardo do Campo e denunciou a Prefeitura Municipal pelo sucateamento das casas de abrigo.

Por fim, o Movimento de Mulheres Olga Benario realizou ações durante todo o mês de agosto, com panfletagens denunciando o aumento da violência contra as mulheres e divulgando os serviços especializados no atendimento às vítimas e, sobretudo, convocando as mulheres a se organizarem e lutarem por suas vidas e por seus direitos.

Estes foram alguns dos exemplos de como as mulheres não abaixaram a cabeça diante das vidas das milhares de mulheres e suas famílias, que foram ceifadas pela violência e feminicídio e apontam o caminho para enfrentar essa realidade: com lutas de rua, lutando por mais políticas, mas principalmente para que a violência não aconteça!

A luta pelo fim da violência contra as mulheres é cotidiana, nos atos de denúncia, nas reivindicações pela criação de leis e políticas públicas, nas ocupações urbanas que dão perspectivas de uma vida em liberdade.

Basta de feminicídios! Não à cultura do estupro! 

  1. Argumento jurídico criado no período do Império, manteve-se com a reforma do Código Penal de 1940 e foi utilizado até recentemente na defesa de feminicídios. Somente no último dia 01/08/23, o STF declarou, por unanimidade, que tal argumento é inconstitucional.

Matéria publicada na edição nº 278 do Jornal A Verdade.

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