O condicionamento físico como tarefa revolucionária

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No mundo de hoje é constantemente ressaltada a necessidade de nos mantermos saudáveis. Há uma pressão para cuidar da saúde, mas apenas com o intuito de assegurar a produtividade, sendo um discurso neoliberal de existência. 

Pedro Silva | São Paulo


Como Marx e Engels já demonstraram em “A Ideologia Alemã”, “As idéias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”, logo, essa forma de lidar com o tema atende apenas às necessidades de manutenção das taxas de lucro em um momento de aceleração e aprofundamento das crises estruturais do capitalismo.

Logo, devemos nos apropriar do tema do condicionamento e da boa forma física de forma que atenda às necessidades postas pela nossa luta.

Um primeiro ponto a ressaltar nesse sentido, é o do desenvolvimento da disciplina, tanto mental, quanto física, uma vez que o caminho do fortalecimento do corpo conduz ao autoconhecimento e à melhora da nossa subjetividade.

Desenvolver corpo e mente é o caminho para garantir nossa perseverança e autoconfiança para que tenhamos a segurança de não apenas dispor do melhor método de análise da realidade e das melhores propostas para modificá-la, mas para fazê-lo de fato.

Isso perpassa a reconstrução da relação corpo-mente, destruída por um modo de produção que nos aliena do elemento fundamental de constituição do nosso ser: o trabalho, o que impacta todos os âmbitos da vida social, incluindo o desenvolvimento da nossa individualidade.

O indivíduo, na sociedade capitalista, só existe com o intuito de trabalhar para gerar valor e convertê-lo em lucro por meio do consumo, longe de uma vida plena com relações legítimas entre nossos pares, com a natureza e, inclusive, com nós mesmos.

A prática de atividades físicas regulares nos auxilia a reconstruir esse vínculo, nos dando maior clareza sobre os limites e possibilidades da nossa resistência física e mental.

Vale apontar também que somos levados a não entender a importância da boa forma física para nosso desenvolvimento individual e coletivo. Focando apenas em um ideal de beleza, a prática de atividades físicas é inserida em nossa vida pelo desejo que nosso corpo corresponda a um formato irreal, frente às condições materiais da nossa realidade.

Para além da importância para a nossa elevação pessoal, um bom desenvolvimento físico, em consonância com nossas possibilidades e limites materiais, contribui também para melhores condições de socialização. A harmonia entre corpo e mente se traduz em relações mais saudáveis com nosso entorno.

Uma mudança efetiva em nossas condições de vida só pode ser alcançada através da superação da ordem capitalista, mas em um contexto de adoecimento mental coletivo como o que vivemos, o poder da atividade física regular de atuar sobre os desequilíbrios químicos que causam males como a depressão e ansiedade, não pode ser negada.

A crescente degradação do estado da saúde mental dos trabalhadores é politicamente estratégica, pois o proletariado com sua saúde mental minimamente conservada é demasiado perigoso.

Não se trata aqui de fazer uma distinção entre camaradas que são mais ou menos militantes baseada em suas capacidades e compleições físicas. A questão é que, dadas as suas condições materiais e limites físicos, que variam muito de pessoa para pessoa, devemos sempre buscar o pleno desenvolvimento de nosso corpo e nossa mente.

Da mesma forma que fortalecemos nosso intelecto com o marxismo para entender a realidade a nossa volta, devemos buscar um mínimo de fortalecimento de nosso corpo, para dar conta das tarefas que a luta revolucionária demanda. Podemos iniciar com atividades simples e, dentro de nossos gostos e limites, aumentar a intensidade gradualmente.

Alguns e algumas camaradas possuem limitações físicas que podem impedir atividades mais intensas, mas dado o nível de desenvolvimento da Educação Física e de diversas modalidades esportivas, é possível que encontrem alguma que esteja a seu alcance.

Para além disso, a forma física também se torna um elemento fundamental da luta de classes na conjuntura atual. Como uma dimensão da nossa vida social, o mundo dos esportes é um espaço a ser disputado e tomado da extrema direita pela esquerda radical.

Não é incomum a prática errônea de camaradas do nosso campo político associarem atividades como musculação ou artes marciais com a direita. Esse erro não podemos mais cometer, pois esses espaços são importantes estrategicamente: por nos ajudar a desenvolver nossa força e capacidade físicas e por serem formas de socialização e de aproximação com a nossa classe.

Ignorar isso é contribuir para a perpetração de estereótipos alimentados dos dois lados: de que a direita possui a força física e que a esquerda se garante apenas intelectualmente. Aceitar essa pecha é caminhar para a derrota, pois a força é uma necessidade na luta revolucionária.

Por fim, entendendo a estética como a materialização de uma visão de mundo, é importante levarmos em consideração essa dimensão no entendimento da atividade física como elemento fundamental da nossa luta política.

Prezar pelo desenvolvimento físico e pela harmonia entre corpo e mente partindo de uma concepção marxista é lutar para romper com a dualidade entre o pensar e o fazer e construir uma imagem da militância que corresponda com nossas aspirações.

Um dos elementos fundamentais da dialética é o movimento, e adotando essa perspectiva como guia para nosso entendimento do mundo devemos acompanhar tal dinâmica prezando pelo constante movimento, intelectual e fisicamente.

A direita se orgulha de uma imagem boçalizada em que a força física corresponde a um ideal de controle e opressão e que, não raro, se expressa pelo combo musculação + artes marciais + armas.

Nossa forma física, por outro lado, deve expressar nossa busca por um equilíbrio entre as dimensões física e intelectual, tanto individual, quanto coletivamente. A nossa disposição deve ser de nos manter em movimento, sempre a postos para saber avaliar os rumos da história humana, com plena capacidade de nela intervir quando necessário, seja pelo trabalho ou pela força.