Exigimos do STF a aprovação da ADPF 442 pela Descriminalização do Aborto no Código Penal Brasileiro.
Helena Sá e Juliana Melo| Movimento Olga Benario
No dia 12 de setembro a ministra do STF Rosa Weber, liberou para julgamento a ADPF 442, que tramita desde 2017 e visa a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação no país. Assim, a Frente pela Legalização do Aborto junto a vários movimentos de mulheres e partidos de esquerda, tem debatido ações de luta para pressionar pela aprovação da ADPF e, ainda, para lutar pela legalização do aborto. Mas afinal, qual a situação dos direitos reprodutivos no Brasil?
Nos últimos anos, a criminalização dos direitos reprodutivos tem sido colocada na linha de frente da política fascista. Recentemente, o Brasil se chocou com a história da menina de 11 anos de Santa Catarina, que teve o direito ao aborto legal negado por profissionais de saúde e da justiça, com uma grande agitação política fascista da então ministra da Mulher e da Família, Damares Alves, que parabenizou a conduta que impediu que a menina acessasse esse direito. Ainda, o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), proposto por deputados bolsonaristas, que pretende transformar aborto em qualquer circunstância em um crime hediondo, inclusive quando fruto de estupro. A assistência a vítimas de violência sexual sofreu uma série de ataques, e mais da metade dos serviços públicos que realizavam interrupções de gestação nas condições em que esta é legal foram fechados durante à pandemia. Além disso, Bolsonaro integrou o Brasil ao ‘Consenso de Genebra’ (2020), união de vários países cujo objetivo é restringir os direitos reprodutivos e a definição de família, que se alia a países conhecidos por violarem os direitos humanos e serem antidemocráticos.
Em 2023, apesar das vitórias como a derrubada das portaria 2.282/2020 e 2.561/2020, que estimulavam a criminalização de mulheres ao obrigar os profissionais de saúde notificarem às autoridades policiais em caso de realização de abortamentos de vítimas de estupro e a retirada do Brasil do Consenso de Genebra, ainda estamos longe de desfazer o retrocessos dos últimos anos. Mesmo com a troca de governo, a composição do congresso segue extremamente conservadora, fundamentalista e antiaborto.
No Brasil, o aborto é legalizado em três casos: se gera risco de vida à gestante, se é resultante de violência sexual ou quando o feto apresenta anencefalia. Mesmo com a proibição, milhares de mulheres realizam abortamentos todos os anos. Os dados mais recentes coletados pela PNA (Pesquisa Nacional do Aborto) de 2021 revelam que, no Brasil, 1 em cada 7 mulheres de até 40 anos já realizaram um aborto – anualmente 800 mil mulheres brasileiras interrompem uma gestação, sendo que 200 mil recorrem ao SUS para atendimento por complicações do abortamento.
A gestação indesejada é fruto de uma série de eventos relacionados diretamente com a falta de acesso à justiça reprodutiva: falta de acesso à educação sexual e aos métodos contraceptivos, machismo, coerção dos parceiros para a manutenção de relações sem preservativos, estupro, falta de hospitais públicos que realizem o procedimento nos casos previstos por lei – de acordo com o portal Mapa Aborto Legal, apenas 42 hospitais em todo o território nacional realizam o procedimento -, entre tantos outros motivos que precarizam e abreviam a vida das mulheres, em sua maioria racializadas e periféricas. Aborto realizado em condições inseguras é a quinta maior causa de mortes em nosso país, se apresentando enquanto um problema de saúde pública. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) em relatório de 2013, abortos realizados de forma legal e segura quase não apresentam risco.
As mais prejudicadas são as mulheres pretas, pobres e indígenas, que de acordo com estudo da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ) de 2022, são as que possuem mais chance de serem presas por abortos ilegais. A criminalização ignora a falta de suporte social para a maternidade, para famílias e para crianças, como a carência de serviços públicos de saúde, creches e de assistência social, em especial nos territórios periféricos. Ao invés de investir em políticas públicas de educação sexual, métodos contraceptivos, gestação e nascimento saudáveis, o Estado opta por perseguir e encarcerar mulheres e pessoas que gestam.
O estigma da criminalização também impõe entraves nos casos de aborto legal, pois autorizá-lo em apenas algumas circunstâncias favorece interpretações restritivas das hipóteses legais, impondo-se barreiras que deslegitimam a decisão de interrupção nessas situações. Um exemplo: sabemos que crianças vítimas de violência sexual estão mais propensas em enfrentar obstáculos decorrentes da criminalização. Segundo o DATASUS, o Brasil tem cerca de 19 mil nascimentos, ao ano, de gestações advindas de crianças entre 10 e 14 anos – todos estes casos em que a interrupção é respaldada pela lei, visto que gravidez coloca a vida da criança diretamente em risco. A descriminalização é necessária para que ninguém tenha receio de procurar o serviço de aborto legal e todas as mulheres, meninas e pessoas que gestam tenham seus direitos assegurados.
O que é a ADPF 442 e qual sua importância para a vida das mulheres?
ADPF significa Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e é apresentada ao Supremo Tribunal Federal quando há o entendimento de desrespeito a preceitos fundamentais da Constituição Federal. No dia 12 de setembro a ministra do STF Rosa Weber, liberou para julgamento a ADPF 442, que tramita desde 2017 e visa a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação no país. Sua aprovação será um passo importante na luta pelos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e pessoas com capacidade de gestar. O argumento principal é que os direitos das mulheres e pessoas que podem gestar são violados pela criminalização do aborto, o que torna os artigos do Código Penal inconstitucionais. Ou seja, ao criminalizar a interrupção da gravidez, fere-se os direitos à dignidade, à cidadania, direito de não ser discriminada, direito à vida, à igualdade, à liberdade, direito de não sofrer tortura ou tratamento desumano, cruel ou degradante, direito à saúde e ao planejamento familiar.
Se o parecer do julgamento for favorável, o Brasil será reposicionado mundialmente dentro da agenda de direitos reprodutivos e acompanhará as conquistas dos países latino-americanos como Uruguai, Argentina, Colômbia e mais recentemente México.
Cabe às mulheres pautar descriminalização do aborto!
Porém, apesar da importante iniciativa, sabemos que o judiciário por si só é insuficiente, uma vez que o movimento ultraconservador vem atacando os direitos reprodutivos. Mas não faltam exemplos na América Latina do caminho a se seguir:
Em 2022, após grande campanha popular organizada pelo Movimento Causa Justa, a corte colombiana julgou legal a interrupção voluntária da gravidez, sob o argumento que levar uma gestação indesejada adiante representa risco à saúde física e psicológica da mulher. Essa conquista representa um exemplo de que, com a luta das mulheres, é possível pressionar e pautar também o judiciário.
Na Argentina, para que fosse conquistada a legalização do aborto, as mulheres construíram grandes campanhas massivas, com encontros de mulheres anuais com mais de mil mulheres.
Assim, organizar um grande 28 de setembro com atos de rua é um passo fundamental para a descriminalização do aborto no Brasil. É preciso inserir o debate da justiça reprodutiva no cotidiano de nossas lutas, realizar panfletagens e agitações convidando mais mulheres a se somarem à nossa luta, realizando debates em universidades, bairros, locais de trabalho sobre a necessidade da descriminalização e legalização do aborto! A luta pela legalização do aborto é uma luta pela nossas vidas e um enfrentamento direto ao fascismo em nosso país, e por este motivo nós, Movimento de Mulheres Olga Benario, devemos nos colocar na linha de frente deste combate!
O direito de decidir não nos faz delinquentes! Nenhuma mulher ou pessoa que gesta deve ser presa, humilhada ou maltratada por realizar um aborto!