A quem servem as terras e construções na cidade?

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Após 8 meses abandonado local onde era ocupações do MLB e do Movimento Olga Benario, que cumpriam função de moradia e Casa de Referência para mulheres na cidade, irá sediar prédio para ricos.

Luiza Fegadolli e Selma Maria Almeida


MAUÁ| O prédio da Rua Almirante Barroso, nº 170, já sediou a Escola Municipal de Educação de Jovens e Adultos (EMEJA) Clarice Lispector, o Colégio Humberto de Campos, além da Secretaria de Educação de Mauá. Tratava-se de um edifício localizado em terreno público e foi definido, no plano diretor, que era uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), o que significa que deveria cumprir um papel de garantia de moradia para pessoas de baixa renda, ou de cultura, lazer, esportes, educação, etc. No entanto, por mais de 10 anos, o prédio no centro da cidade de Mauá ficou abandonado e sem cumprir função social. 

Em 2018, o Movimento de Mulheres Olga Benario ocupou o prédio, limpou, conseguiu doações para mobiliar e passar a construir o primeiro Centro de Referência para a Mulher que existiu na cidade: a Casa Helenira Preta. Por quase 6 anos, fizeram mais de mil atendimentos psicológicos, jurídicos, sociais, etc, além de formações e outras atividades com mulheres que sofriam violência. Organizadas, lutaram e conquistaram algumas melhorias na cidade.

Durante a pandemia e com o governo fascista de Bolsonaro, a fome, o desemprego e a falta de moradia aumentaram e o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) organizou famílias para ocuparem a parte do mesmo prédio que não era usada pelas mulheres. Nasceu a Ocupação Manoel Aleixo: o que antes eram salas de aulas abandonadas, passaram a ser moradias de 40 famílias trabalhadoras que lutavam pelos seus direitos.

Foram criadas bibliotecas coletivas, realizados cursos de formações, entregues milhares de cestas básicas a famílias pobres, atendimentos a mulheres, atividades para crianças, todos os dias os moradores e mulheres tinham o que comer nas ocupações, além de serem espaços de apresentações e ensaio de coletivos de cultura da cidade, enfim, muitas ações que deram perspectiva a muitas trabalhadoras e trabalhadores que com luta era possível conquistar uma vida melhor. No entanto, em 2021, o então prefeito Átila Jacomussi revogou por decreto a utilidade pública do terreno, abrindo mão do processo de desapropriação, tendo que pagar todas as despesas do processo, jogou fora cerca de 4 milhões dos munícipes, e levou o terreno a leilão, já que o antigo proprietário tinha dívidas trabalhistas por não pagar os funcionários da escola articular da qual foi dono.

Os movimentos sociais organizaram centenas de famílias, mulheres e apoiadores na campanha contra o leilão e conquistaram seu adiamento por mais de 2 anos! Com manifestações, assembleias, reuniões de núcleos em vários bairros, novas ocupações como a Antônio Conselheiro e a Casa Helenira Preta II. A luta em Mauá avançou muito. Fruto disso, em 2023, a atual gestão da prefeitura se comprometeu a ceder um terreno para construção de 40 casas para moradia e uma Casa de Referência para as Mulheres.

Para que isso se concretizasse, os movimentos desocuparam o prédio das ocupações. Na semana seguinte, funcionários contratados de uma construtora pintaram os grafites de artistas mauaenses e as frases de luta. As paredes das ocupações tinham obras como a de Dalva Assis que representava os trabalhadores da cidade, o rosto de Manoel Aleixo, herói brasileiro, canavieiro e comunista assassinado pela ditadura fascista em 1973. Após o apagamento das obras, colocaram uma placa anunciando que seria um lançamento imobiliário com “localização privilegiada, com planta moderna e área de lazer completa.”

Alguns questionamentos

É verdade que as famílias conquistaram um terreno para construção de suas casas, mas é verdade também que a situação se trata de um plano de expulsão dos trabalhadores pobres do centro para substituí-los por quem possa comprar uma casa ou pagar aluguel. 

Em meio a discussões sobre programas habitacionais, pesquisas sobre imóveis abandonados, gente sem casa e casa sem gente, o setor imobiliário segue em ascensão com lucros milionários e tornando a moradia digna um privilégio de ricos. 

Os movimentos sociais encontram nesse vácuo a necessidade de organizar o povo sem teto para lutarem pelo direito à moradia digna. Há 6 meses, com a saída das ocupações, está lá a placa anunciando futuro empreendimento, agora o prédio segue sendo demolido. 

É importante salientar que Mauá não possui Programa Habitacional que enfrente a realidade da falta de moradias para os trabalhadores e as trabalhadoras, mostrando que essa parte da população nunca foi uma prioridade na cidade. Atualmente, a prefeitura, fazendo mais do que Átila Jacomussi fazia, realiza regularizações fundiárias em alguns, mas ainda é muito pouco. Com o aumento do aluguel, a miséria tem aumentado, empurrando a população carente cada vez mais para as periferias, encostas de rios e até áreas de preservação, o povo se vira como pode.
Até quando assistiremos a tudo isso? Até quando o lucro irá sobrepor a vida? Até quando teremos prédios abandonados sem cumprir função social, servindo somente aos interesses dos grandes ricos? 

Mauá tem passado por processos de gentrificação, expulsando trabalhadores ambulantes, moradores e outros estabelecimentos “pobres” do centro da cidade. Essa tentativa de “embranquecer o centro” empurrando a população negra e pobre para as periferias, encostas de rios e morros acontece no Brasil desde a abolição da escravidão. No início do século XX, inúmeros cortiços e moradias de trabalhadores foram destruídos no Rio de Janeiro sob pretexto de “melhoramento e embelezamento”. Esse tipo de “reforma” se repetiu em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, etc. Até hoje, as cidades têm um modelo de planejamento racista que impede que os trabalhadores seu acesso, deixa a população pobre nos piores bairros, com as piores moradias, sem transporte e lazer.

Por que as famílias do MLB não podem morar no centro, mas o prédio pôde ficar vazio por tanto tempo e agora servir para ser um empreendimento imobiliário para aqueles com poder aquisitivo?

Precisamos de uma profunda reforma urbana que garanta moradia digna para o povo trabalhador e cumpra a função social da propriedade, como está previsto na Constituição Federal de 1988. 

Por tudo isso, a luta do MLB e do Movimento de Mulheres Olga Benario segue firme, denunciando a propriedade privada, organizando ocupações e dando função social a prédios e terrenos abandonados pela especulação imobiliária e pelo poder público.

Em cada ocupação, homenageamos heróis como Manoel Aleixo, Helenira Preta e Antônio Conselheiro e organizamos mais trabalhadoras e trabalhadores na luta por uma sociedade em que morar dignamente seja um direito humano e para que ninguém sofra violência!