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terça-feira, 30 de abril de 2024

Estudantes e movimentos populares barram a votação de projeto de lei higienista em Campinas

Projeto de Hossri propõe “limpeza” dos espaços públicos de Campinas pela remoção de usuários de substâncias com a finalidade de restabelecer valor econômico das regiões que possuem concentração de dependentes químicos.

Núcleo das Ciências Naturais e Saúde do Correnteza | Campinas

LUTA POPULAR| No dia 11/12, o vereador Nelson Hossri (PSD) foi calado por estudantes da área da saúde e movimentos populares por meio de vaias e palavras de ordem na Câmara de Vereadores de Campinas ao tentar pautar seu projeto de lei nº 115/2019, que autorizaria a internação compulsória de dependentes químicos em vulnerabilidade social e o envio dessas pessoas a comunidades terapêuticas. 

O Movimento de Luta Antimanicomial (MLA) e o Conselho Municipal de Saúde de Campinas já vinham denunciando o caráter racista, higienista e manicomial deste projeto desde 2019, quando foi proposto. Com a mobilização, a votação do projeto foi tirada de pauta e passará por revisão, retornando à câmara em 2024.

Trancar não é tratar

A internação compulsória, defendida pelo PL, adota mesmo sem base científica a abstinência forçada e o isolamento dos usuários da cidade, das comunidades e de suas famílias como principais formas de “tratamento”. No entanto, sabe-se que a dependência química é um problema de saúde complexo e deve ser tratada com a complexidade que merece uma doença crônica.

Para tratar a dependência química é necessário um plano terapêutico que considere os ciclos da doença e suas possíveis recaídas, o contexto social em que a pessoa está inserida e ao qual irá voltar após a internação e, principalmente, que vise integração social, redução de danos, respeito à diversidade e cuidado em liberdade.

O ato sistematizado de alocar de maneira forçada essa parcela da população, já historicamente vulnerabilizada, configura uma política higienista social. Além disso, sabe-se que a população negra, pobre e periférica é a mais afetada pelo encarceramento em massa, pela guerra às drogas e pelas iniquidades na área da saúde e será essa mesma população que sofrerá com as práticas manicomiais desse PL, sendo ainda mais marginalizada caso seja aprovado.

De terapêutico não tem nada

Tão falho quanto as internações compulsórias é a promoção das Comunidades Terapêuticas. Implantadas na Rede de Atenção Psicossocial em 2011, as chamadas CTs são instituições privadas e, atualmente, o destino de grande parcela da verba pública atribuída para o cuidado em saúde mental.

No entanto, o que deveria ser um local de cuidado representa, na verdade, o encarceramento de pessoas em sofrimento psicossocial, sendo palco de tortura e negligência: um dossiê publicado ainda em 2016 pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo mostrou que trabalho forçado, medicalização excessiva e participação compulsória em cultos religiosos são práticas frequentes.

Em Campinas o cenário não difere: comunidades terapêuticas seguem funcionando sem termos de consentimento, prescrição médica para administração de medicamentos ou projeto terapêutico para os pacientes. Em depoimento ao “G1 Campinas e Região”, homens resgatados das desumanidades de uma clínica fechada após denúncia anônima relataram que eram impedidos de sair e o contato com os familiares era sempre vigiado.

A verba que poderia ser destinada ao fortalecimento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e outros serviços que apoiem o cuidado público e próximo à comunidade passa a fomentar uma lógica de serviço manicomial, que adota uma ideia proibicionista, punitivista e eugenista e que entende a drogadição como um problema individual e moral – o oposto do comprovado pela ciência como efetivo para o tratamento de usuários de álcool e drogas, que demonstra a importância do cuidado instrumentalizado sobre a redução de danos, que mantenha o usuário próximo à sociedade e preserve sua individualidade, além de se empenhar em políticas de combate à fome e desemprego.

Ao transferir a gestão dessas unidades para o poder privado o Estado isenta-se da responsabilidade em atuar na intervenção de mazelas sociais muito mais profundas que o problema da dependência química isolado e afasta a fiscalização da sociedade civil sobre esses serviços.

Para além de retirá-los do convívio em comunidade, os olhos populares já não se voltam sequer ao cuidado desses corpos que passam a estar submetidos à violência direcionada àqueles que não se encaixam na rotina de uma sociedade capitalista.

Projetos de lei como este mostram a tentativa do fascismo em retomar as políticas manicomiais no país. Somente a população organizada e a mobilização popular na defesa e construção da saúde pública conseguirão garantir um tratamento digno à nossa população trabalhadora.

Nem um passo atrás, manicômio nunca mais!

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