Privatização da Sabesp é aprovada em votação ilegal e contra a vontade do povo

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Sob protestos da população e dos trabalhadores urbanitários, Câmara Municipal de São Paulo autorizou a prestação do serviço de tratamento e distribuição de água e esgoto do município pela iniciativa privada. Na prática, votação viabiliza privatização da Sabesp, ao permitir operação na região mais lucrativa atendida pela empresa

Cadu Machado e Guilherme Arruda | São Paulo (SP)


BRASIL – Nesta quinta-feira (2/5), a Câmara Municipal de São Paulo aprovou em segundo turno o Projeto de Lei 163/2024, que autoriza a prestação dos serviços de água e esgoto da cidade pela iniciativa privada. A votação se concluiu com 37 votos a favor e 17 contra o projeto, com toda a base do prefeito Ricardo Nunes se posicionando de forma favorável à privatização.

Ao desobrigar a capital paulista de ser atendida por uma empresa pública, a nova lei tenta viabilizar a venda da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para o capital privado, projeto que tem sido o principal objetivo do governador fascista Tarcísio de Freitas (Republicanos) desde o início de seu mandato.

A estatal paulista é a nona maior empresa de água e esgoto do mundo em população atendida e terceira maior em receita, e por ser lucrativa está na mira do setor privado há décadas.

Ao redor do mundo, a incapacidade do setor de prestar este tipo de serviço tem levado a uma verdadeira onda de reestatização de empresas que foram privatizadas nas últimas décadas, a exemplo da água de metrópoles como Berlim, Buenos Aires e Paris. Um estudo internacional identifica que, desde 2000, já aconteceram 884 reestatizações e remunicipalizações de empresas que haviam sido privatizadas.

No próprio município de São Paulo, a entrega dos serviços funerários e de energia para empresas privadas, como a Enel, já demonstrou na prática os problemas das privatizações. Desde que foram cedidos à iniciativa privada, ambos os serviços encareceram muito e se multiplicaram as denúncias da queda de sua qualidade.

Mesmo assim, os vereadores decidiram colocar São Paulo na contramão da tendência mundial e da vontade popular, para beneficiar suas campanhas de reeleição com o apoio dos grandes capitalistas interessados em comprar a Sabesp.

Na Câmara, o jornal A Verdade acompanhou uma série de irregularidades na votação da privatização da Sabesp e na audiência pública que a antecedeu.

Audiência pública sem povo

Trabalhadores da Sabesp tiveram forte presença na Câmara, lutando contra a privatização da empresa. Foto: JAV

Para a manhã, estava marcada uma audiência pública que debateria a privatização dos serviços de água e esgoto. Às 11h, Rubinho Nunes (União Brasil), presidente da Comissão de Política Urbana da Câmara que presidia a audiência, tentou iniciar as discussões sem a presença da população. Só depois de muita pressão dos manifestantes presentes e reclamação da bancada oposicionista é que foi autorizada a entrada de pessoas no plenário, mas apenas com senhas distribuídas pelos vereadores.

Quando a audiência começou, ficou ainda mais clara a violência que os fascistas estão dispostos a empregar para tentar impor sua política ao povo. Durante sua fala, um orador que defendia o caráter público da Sabesp foi atingido por um objeto lançado por uma manifestante pró-privatização, o que aumentou a tensão no plenário.

Apesar das dificuldades, vários trabalhadores fizeram contundentes denúncias da venda do patrimônio dos paulistanos. “A pressa para aprovar o projeto é porque o mercado financeiro está nos calcanhares dos vereadores fazendo lobby pela privatização da água”, afirmou Marcelo Viola, funcionário da Sabesp e diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), em fala muito aplaudida pelo público da audiência.

Os discursos de Viola e de outros membros do Movimento Luta de Classes (MLC), da União da Juventude Rebelião (UJR) e da Unidade Popular (UP) podem ser conferidos na reportagem em vídeo produzida pelo jornal A Verdade.

Votação irregular e possivelmente ilegal

O placar final da votação foi de 37×17. Toda a base de Nunes foi favorável à privatização. Foto: JAV

Pouco depois do fim da conturbada audiência, Milton Leite pôs o PL 163/2024 para discussão na Casa infringindo uma decisão judicial. Isso porque, para que a votação acontecesse, a Justiça de São Paulo havia exigido que a Prefeitura realizasse um mínimo de oito audiências públicas e apresentasse um estudo do impacto financeiro da medida. A mesma irregularidade foi vista no primeiro turno de votação do projeto.

Apesar de nenhum dos dois requisitos ter sido cumprido, o presidente da Câmara – um aliado do prefeito Nunes – decidiu prosseguir com a apreciação do PL. No lugar de um estudo, o governo municipal apresentou um documento de quatro páginas que simplesmente dizia que “o projeto não traz impacto financeiro”, fazendo um verdadeiro deboche com a entrega de uma empresa do povo.

Assim como nos trabalhos da manhã, a atuação de Milton Leite foi marcada pelo desrespeito com a população. Para impedi-lo de se manifestar, o presidente da Câmara mandou a Guarda Municipal expulsar do plenário Ricardo Senese, metroviário do MLC que tem se destacado com uma liderança da luta em defesa das três empresas públicas paulistas ameaçadas de privatização – CPTM, Metrô e Sabesp.

Mesmo com a “aprovação” da medida pela maioria de direita na Câmara, os vereadores contrários ao projeto acreditam que as irregularidades na condução da sessão a tornam ilegal. As bancadas de oposição afirmaram que vão entrar na Justiça para impedir que a votação seja considerada válida.

“Essa também é a posição do Ministério Público e da Defensoria de São Paulo”, de acordo com a vereadora Silvia Ferraro, uma das que votaram contra o projeto. Sua avaliação é de que os dois turnos da votação teriam que ser refeitos.

“O que a gente viu foi uma verdadeira mostra do que o fascismo é capaz de fazer contra os trabalhadores. Querem vender a maior empresa de saneamento do Brasil, um patrimônio do povo paulista construído com muito trabalho ao longo de cinquenta anos”, resumiu Marcelo Viola.

Luta vai continuar

Marcelo Viola, militante do MLC e diretor do Sintaema, denuncia a privatização da Sabesp em manifestação em frente à Câmara Municipal de São Paulo. Foto: JAV

Durante todo o dia, uma manifestação com presença massiva da UP, dos movimentos sociais e dos trabalhadores da Sabesp na porta da Câmara denunciou os absurdos da votação para a população que passava. O ato acabou se tornando ainda maior devido à política antidemocrática de Milton Leite, que não queria permitir que o povo organizado acompanhasse a audiência e a votação no plenário.

Ao fim da manifestação, após a aprovação do projeto, o que se ouvia entre os funcionários da Sabesp presentes era a defesa de uma greve em defesa da empresa pública.

“A gente avalia que esse ainda não é o fim da jornada, ainda tem muita luta para ser feita. Amanhã [3/5], às 18h, vai haver uma assembleia no Sintaema para debater um indicativo de greve para o dia 6/5. Queremos que o prefeito Ricardo Nunes ouça a população e os trabalhadores da Sabesp e vete esse projeto”, relatou Marcelo Viola.