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quinta-feira, 27 de junho de 2024

Taiguara: o artista mais censurado pela ditadura militar

Nascido em Montevideo, no Uruguai, em 09 de outubro de 1945, Taiguara Chalar era filho de pai brasileiro e mãe uruguaia, ambos músicos, e veio para o Brasil aos quatro anos de idade, morando no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Em abril de 1994, gravou seu último e mais importante trabalho, “Brasil Afri”, uma grande homenagem ao nosso país, nossas origens, nossa cultura e, sobretudo, um canto ao futuro e ao socialismo. Exatos 30 anos depois, é necessário que esse trabalho seja conhecido e divulgado, especialmente para as novas gerações.

Clóvis Maia | Recife – PE


CULTURA – Taiguara foi o artista mais censurado pela ditadura militar brasileira. No livro Os outubros de Taiguara(Kuarup.2014), a jornalista carioca James Rocha registra em sua pesquisa que, de 1970 até 1974, o cantor e compositor teve 48 letras proibidas e 36 vetadas, num total de 140 letras registradas por ele ao Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP). A perseguição do regime era implacável. Em 1974, autoexilado em Londres, a ditadura censurou um disco inteiro do cantor, apesar de ter sido gravado todo em inglês e produzido em Londres. “Let the Children Hear The Music” foi o único disco brasileiro censurado fora do país e até hoje nunca lançado.

Voltando para o país em 1975, com a intenção da gravadora em se desculpar pelo “mal-entendido”, nova censura: “Imyra, Tayra, Ipy”, que contou com mais de 80 músicos em sua produção, dentre os quais Hermeto Pascoal, Wagner Tiso, Novelli e Toninho Horta, foi recolhido das lojas 72 horas depois de lançado, além de ter o show de lançamento, em julho de 1976, no Rio Grande do Sul, cancelado. A ditadura vetava a execução das músicas nas rádios, proibia os shows em cima da hora para causar prejuízos e retirava das lojas os discos, com o objetivo de impor um verdadeiro processo de apagamento da obra do autor, que, a essa altura, era reconhecido abertamente como comunista.

Mergulho em nossas origens

Sem conseguir trabalhar, Taiguara voltou a se exilar do país, tendo morado na Europa e na África, onde aprofundou seus estudos na música, nas nossas origens ancestrais e no marxismo. Foi na Tanzânia, inclusive por indicação do educador Paulo Freire, que nasceu as sementes de “Brasil Afri”. Após a Lei da Anistia, em agosto de 1979, o compositor retorna ao Brasil, onde participa ativamente das campanhas pelas Diretas Já e da Constituinte. 

Em 1981, Taiguara lança o compacto “Sol do Tanganica”, em que homenageou diretamente os revolucionários Amílcar Cabral e Patrice Lumumba, além de fazer também uma ligação direta da resistência do continente africano com a nossa história. Em 1983, é a vez de lançar “Canções de Amor e Liberdade”, disco mais politizado de sua carreira, e que marca de vez seu retorno aos shows e à música brasileira, resgatando seu trabalho para os novos públicos.

O disco

“Brasil Afri” é um mergulho em nossas origens musicais, culturais e rítmicas. Gravado em Havana, Cuba, entre os meses de março e abril de 1994, o disco traz Taiguara em seu auge como cantor, compositor, produtor e intérprete. Tendo escolhido uma gravadora independente (a Movieplay), ele se recusou a fazer um disco de regravações e releituras de seus antigos sucessos. “O Cavaleiro da Esperança”, homenagem ao revolucionário Luiz Carlos Prestes, de quem foi amigo pessoal, “Donde” e “A Norma”, homenagens a Cuba, trazem uma poesia extremamente apurada e arranjos alimentados na música africana e latino-americana.

O disco foi produzido por Paulinho Trompete, que empresta seu tom jazzístico ao trabalho, e contou com as participações do grupo cubano Manguaré, da cantora e atriz Zezé Motta e de Raphael Rabello – um dos maiores nomes do violão brasileiro. “Brasil Afri”, apesar de ter vindo à luz em uma década marcada pela retomada democrática na política e na arte brasileira, nunca recebeu o seu devido reconhecimento graças ao enorme processo de apagamento promovido pelo regime militar e pela indústria cultural nos anos de chumbo.

Dois anos depois, em fevereiro de 1996, o músico partiria, aos 50 anos de idade, vítima de um câncer, deixando uma extensa e profunda obra calcada na esperança e na fé num futuro mais justo.

O mais interessante nas músicas do Taiguara é que, apesar de toda a perseguição e censura, não se encontra em seus versos qualquer sentimento de pessimismo, melancolia ou derrotismo. “Brasil Afri” canta o bonde e as cidades do Rio de Janeiro, a saudade de casa e o amor, sem perder a fé na humanidade, na revolução e no socialismo.

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