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segunda-feira, 15 de julho de 2024

Cem anos do Massacre de Napalpí, na Argentina

Há 100 anos, ocorreu na Argentina o Massacre de Napalpí, um genocídio contra os povos indígenas Qom e Mocqoi. O crime, promovido pelo Estado argentino e por latifundiários, ficou impune e esquecido, até que em 2021 foi realizado o primeiro julgamento pela verdade, que buscou reivindicar a memória, a justiça e a reparação para os povos originários e seus descendentes

Jesse Lisboa


HISTÓRIA – No dia 19 de julho de 2024, completam-se 100 anos do Massacre de Napalpí, quando aproximadamente 400 indígenas dos povos Qom e Mocqoi foram mortos por homens da Polícia Nacional da Argentina. Mesmo após todo esse tempo, ninguém foi punido ou considerado culpado. O crime permanece impune, enquanto as terras remanescentes sob posse dos povos originários continuam sendo frequentemente invadidas.

Contexto histórico

Avião Chaco II responsável pelo massacre aos povos indígenas Napalpi.
Avião Chaco II, responsável pelo massacre aos povos indígenas Foto: Reprodução

O Massacre de Napalpí foi parte de uma política de extermínio e exploração dos indígenas que habitavam o território do Chaco, localizado no Norte do país, que era considerado uma fronteira a ser colonizada pelos interesses econômicos e políticos da elite argentina. Desde o final do século XIX, esses povos foram submetidos a um regime de trabalho forçado, escravidão, violência, doenças e deslocamentos forçados, que reduziu drasticamente sua população e sua diversidade cultural.

Em 1911, o governo nacional criou a redução de Napalpí com o objetivo de concentrar e controlar os indígenas que resistiam à invasão de suas terras. A redução, um território restrito onde a população originário era obrigada a viver, era administrada por um diretor nomeado pelo Estado, que tinha poder absoluto sobre os povos, impondo-lhes normas de conduta, vestimenta, religião e educação. Eles eram obrigados a trabalhar nas plantações sem receber salário e sob condições precárias.

Naquela época, Napalpí abrigava cerca de 1300 indígenas que trabalhavam com o algodão. Atendendo aos interesses dos donos das lavouras, o governo local decidiu proibir os indígenas de deixar sua redução. Essa restrição desencadeou uma greve entre os trabalhadores originários, que reivindicavam direitos básicos, incluindo a liberdade de locomoção e condições de trabalho dignas. Cerca de 1000 pessoas se mobilizaram, entre membros dos povos Qom e Mocqoi e camponeses da província de Corrientes, afetando tanto a produção de algodão quanto a ruralidade local.

Todo o massacre foi planejado e executado pelo governador do território do Chaco, Fernando Centeno, que contou com o apoio do ministro do Interior da nação, José Luis Murature, e do presidente Marcelo T. de Alvear. O objetivo era reprimir a greve indígena e eliminar qualquer forma de resistência ou reivindicação dos povos originários. Os corpos dos indígenas foram mutilados, decapitados, queimados e expostos como troféus. Alguns dos sobreviventes foram vendidos como escravos ou enviados para outras reduções.

Julgamento

Manifestação por memória, verdade e justiça pelo povo Qom e Mocqoi.
Manifestação por memória, verdade e justiça pelo povo Qom e Mocqoi. Foto: Reprodução

Em 2007, depois de muita pressão popular, foi iniciada uma investigação judicial para esclarecer os fatos acontecidos quase cem anos antes, além de identificar os responsáveis pelo crimes. Depois, no ano de 2021, foi realizado o primeiro julgamento pela verdade sobre o Massacre de Napalpí.

Esse tipo de julgamento foi usado pela primeira vez na década de 1990, para investigar os crimes da última ditadura militar argentina (1976-1983) durante a vigência das leis conhecidas como Ponto Final e Obediência Devida, que impediam que os repressores fossem julgados na justiça comum. O objetivo do julgamento pela verdade é reconstruir a história, ouvir os testemunhos das vítimas e dos familiares, e reivindicar a memória, a justiça e a reparação para os afetados pelos crimes.

O julgamento iniciado em 2021 buscou definir os fatos por trás da matança de mais de 400 pessoas dos povos Mocqoi e Qom, promovida por agentes do Estado e latifundiários da região do Chaco. O processo contou com a participação de mais de 50 testemunhas, entre descendentes das vítimas, membros das comunidades indígenas, historiadores, antropólogos, jornalistas e ativistas. As audiências foram realizadas na Casa das Culturas de Resistência, no interior da província do Chaco, e no Centro Cultural da Memória de Buenos Aires, localizado na antiga Escola Mecânica da Marinha (ESMA), que foi um dos principais centros de tortura e desaparecimento durante a ditadura militar.

Na sentença, a juíza Zunilda Niremperger reconheceu a responsabilidade do Estado nacional e dos latifundiários da região do Chaco. Ela considerou que o massacre foi um crime de lesa humanidade e um genocídio dos povos indígenas, cometido nos marcos de uma política de extermínio e exploração dos povos originários que habitavam aquele território. Contudo, como os julgamentos pela verdade não tem efeitos penais, ninguém foi condenado ou teve que pagar uma pena por esse crime.

No sistema capitalista, os órgãos de Estado, como os poderes Judiciário e Legislativo, são controlados pelos interesses dos poderosos e utilizam o fascismo como ferramenta de perpetuação no poder. Enquanto isso, a impunidade reina entre os responsáveis por esses crimes e mesmo um século depois, ninguém foi condenado.

Entretanto, o poder da revolta popular e o espírito revolucionário dos oprimidos são uma ameaça constante aos que hoje dominam o sistema. A resistência e a luta desses povos por seus direitos e sua dignidade são exemplos de coragem e esperança para todos os que sofrem com as injustiças do capitalismo. O julgamento pela verdade é um passo importante para garantir a valorização da memória, justiça e reparação. Após muita pressão popular, o governo argentino foi obrigado a admitir suas práticas violentas contra os explorados e oprimidos.

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