Metrô de Recife possui série de problemas, como a demora para chegar e a falta de mais estações na periferia. Mesmo assim, proposta de privatização estudada pelo Governo Federal não trará nenhuma solução e é rejeitada pela população
Redação PE
“Ano passado, quando os políticos vieram fazer uma vistoria aqui no metrô, parecia mais uma festa. Tudo de camisa social, manga dobrada, o metrô limpo para receber visita, um vagão separado só pra eles… Quero ver eles virem aqui agora, no horário de pico”. Essa é a indignação de Edna Maria, que é empregada doméstica e usa o metrô de Recife de segunda a sexta, tendo que sair de casa ainda de madrugada, partindo do terminal de Camaragibe até a estação Joana Bezerra. Lá ela desce e pega um ônibus para chegar até seu trabalho.
A vistoria a qual dona Edna se refere aconteceu em agosto de 2023, coincidentemente durante a greve dos metroviários, que lutavam contra o projeto de privatização do metrô de Recife e Região Metropolitana, operado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). A greve dos metroviários em Pernambuco, em 2023, teve como principal pauta a retirada do metrô do chamado Plano Nacional de Desestatização, herança do Governo Bolsonaro, que ainda não foi derrubado pelo Governo Lula.
O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, em visita a Pernambuco, também em agosto de 2023, anunciou que a situação do metrô de Recife “seria definida”. O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3) faria um aporte de verbas para o estado, anúncio este confirmado no início de maio deste ano, porém, sem nenhuma menção ao metrô. Ou seja, os R$ 1,7 bilhão destinados para infraestrutura, urbanização, saneamento e transporte público não contemplarão a CBTU em Pernambuco, que hoje é uma empresa que é 70% subsidiada pelo Governo Federal.
O metrô de Recife tem 39 anos, atende 14 cidades da Região Metropolitana e transporta cerca de 400 mil pessoas por dia. Com 36 estações divididas em três linhas, fazendo com que o metrô da capital pernambucana seja o terceiro maior metrô do país, depois de São Paulo e Rio de Janeiro. A tarifa custa R$ 4,25 para os usuários.
O metrô nosso de cada dia
Alisson da Silva é estudante de História na UFRPE e morador do Ibura, Zona Sul do Recife, um dos bairros mais populosos da cidade. Ele nos conta que, para ir para a faculdade, tem que fazer a integração do ônibus com o metrô. “É perigoso. Eu chego sempre tarde da noite, mas não tem muita opção. Na verdade, o metrô não serve à periferia. A gente fica refém desse modelo de integração”.
Josilene Rufino sai de casa, em Cajueiro Seco, Município de Jaboatão dos Guararapes, às cinco e meia, e leva cerca de duas horas para chegar até o trabalho, em Recife. Ela relata que, quando o metrô quebra, é aquela agonia. “Geralmente não avisam. Já aconteceu de eu ter que pagar duas passagens a mais só para não chegar atrasada ao trabalho. Fora que eu tenho que descer na estação Joana Bezerra e esperar um ônibus, que sai lotado todos os dias. E é também assim na hora de voltar. Já aconteceu do tempo de espera do bilhete eletrônico expirar, e aí dá na mesma coisa: pagar duas passagens”.
Segundo o Relatório Global Sobre Transporte Público (Moovit, 2023), Recife é a cidade no país onde os passageiros mais esperam pelo transporte público, com uma média de 27 minutos.
Na verdade, o silêncio por parte do Governo Federal ao pleito dos metroviários em retirar a CBTU Pernambuco da lista do Plano Nacional de Desestatização tem um motivo: o interesse da governadora Raquel Lyra (PSDB) em “estadualizar” o metrô e entregá-lo ao setor privado. O pior é que o chamado PAC 3 tem como objetivo fortalecer as Parcerias Público-Privadas (PPPs), ou seja, um prato cheio para os empresários do transporte, ramo esse ao qual a família da governadora é ligada. Inclusive, recentemente, ela garantiu, por meio de subsídios estatais aos empresários, a criação do bilhete único nos ônibus da Região Metropolitana. E são esses mesmos empresários que agora desejam a privatização do metrô, mesma dinâmica ocorrida com o metrô de Belo Horizonte (MG), que era também operado pela CBTU.
O caminho é a luta
“O que se ventilou foi uma promessa de vir R$ 150 milhões, que já seria nesse PAC 3, para fazer um serviço de recuperação no metrô. Mas tudo ainda está na promessa”, afirma uma funcionária do metrô do Recife, que preferiu não expor seu nome. Outra funcionária do metrô, que é filiada ao Sindicato dos Metroviários de Pernambuco (Sindimetro-PE), e participou da última greve, conta que os trabalhadores passam por inúmeras dificuldades. “A gente tem um problema sério nas vias, problemas estruturais nas estações e problemas também nos equipamentos de manutenção, o que nos impede de dar a manutenção adequada”.
Outra preocupação real para a categoria é um processo de privatização interno, que já vem sendo implementado. “O início do metrô foi nos anos 80. Depois, a gente teve um concurso, em 2005, e outro, em 2014. Só que esse concurso mais recente não conseguiu preencher toda a demanda. E sempre tem algumas pessoas saindo depois, então aí começou um processo de terceirização muito forte. Já podemos ver que temos muitas funções que já foram terceirizadas, como a bilheteria, o pessoal que trabalha na linha de bloqueio, na limpeza. A terceirização já é uma forma de enfraquecer a categoria e a qualidade do serviço”, complementa uma das metroviárias entrevistadas.
A CBTU é ligada ao Ministério das Cidades, do ministro Jader Filho (MDB), oriundo das oligarquias do Pará. O Ministério vem desenvolvendo estudos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), presidido por Aloizio Mercadante (PT), para privatizar a CBTU também em outras três capitais do Nordeste: João Pessoa (PB), Natal (RN) e Maceió (AL). Com uma inegável vontade de trazer a governadora do estado para a base do Governo Lula, parece que o projeto de privatização do metrô em Pernambuco ou continua sendo enfrentado ou será concretizado.
Com um serviço de péssima qualidade e cobrando uma passagem cara, a atual situação do metrô de Recife reforça a necessidade de termos um transporte público de qualidade. O retorno à tarifa social, a melhoria dos horários e a comunicação com os usuários e com os representantes da categoria dos funcionários são ações que permitirão que o metrô volte a ser um serviço respeitado pela população. E ganhar a população é fundamental na luta pela manutenção do serviço público, por mais verbas para o setor de transporte popular.