Nasce a Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes em São Caetano do Sul

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Fundada em um imóvel em São Caetano do Sul (SP) que não cumpria função social há mais de 20 anos, a Ocupação Alceri Gomes será uma casa de referência do Movimento de Mulheres Olga Benario na luta pelo fim da violência contra a mulher

Redação SP


Na manhã de sábado (23/11), o ABC Paulista acordou com a notícia do surgimento da Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes. Localizada em São Caetano do Sul (SP), ela nasce como “um ato de denúncia à violência contra as mulheres na região e à insuficiência de políticas públicas e amparo da Prefeitura da cidade”, de acordo com o Movimento de Mulheres Olga Benario, que organiza a ocupação.

Fundada em um imóvel abandonado há mais de 20 anos, que acumulava entulho e não cumpria função social, a Ocupação transformará o prédio em uma casa de referência para mulheres vítimas de violência e em situação de vulnerabilidade. O espaço vai contar com cozinha comunitária e creche, como parte do esforço socialista de coletivização do trabalho que as ocupações do Movimento de Mulheres Olga Benario já promovem em todo o país.

Precariedade dos serviços na cidade

No estado de São Paulo, o movimento já organizou outros espaços de referência para mulheres, como as casas Helenira Preta I e II (Mauá), Laudelina de Campos Melo (São Paulo), Carolina Maria de Jesus (Santo André), Maria Lúcia Petit (Campinas), Cleone Santos (São Bernardo do Campo) e Damaris Lucena (São Paulo). No entanto, como apontam as coordenadoras do movimento, a escolha de São Caetano do Sul para a organização de uma nova ocupação não foi por acaso, devido às dificuldades vividas pelas mulheres trabalhadoras na cidade.

“São Caetano é uma cidade muito elitizada, feita para não ser acessada pelas trabalhadoras. Temos muitas que trabalham aqui e moram outras cidades. Para acessar serviços públicos como o SUS aqui, é preciso ter uma carteirinha provando que é moradora. Nossa cidade é uma cidade de operárias. Nossa ocupação é para organizar a luta dessas mulheres contra o assédio no trabalho, por creche nas fábricas e por moradia popular próxima aos locais de trabalho”, explica Manoela Santolin, coordenadora da Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes.

Outras razões para o surgimento da nova casa de referência estão no manifesto de criação da Ocupação Alceri Gomes, intitulado “Por uma cidade das mulheres e do povo trabalhador”. O documento está disponível ao fim desta matéria.

Um dos principais motivos apontados no manifesto é o crescimento de 12% nos casos de violência contra a mulher em São Caetano do Sul no último ano. Apesar desse fato, o prefeito fascista José Auricchio Júnior, que recentemente chamou a única vereadora mulher na Câmara Municipal de “tchutchuca”, retirou a cidade do Consórcio Intermunicipal do ABCDMRR, e as mulheres sul-caetanenses não podem mais acessar as Casas Abrigo financiadas por esse órgão regional.

Além disso, continua o manifesto, essa não é a única crise nas políticas públicas em São Caetano: nenhum serviço para mulheres em situação de violência, como a Delegacia de Defesa da Mulher, funciona 24 horas na cidade; as escolas municipais estão sendo privatizadas; a maior parte dos servidores público é terceirizada, porque não se abrem novos concursos; e o fascista eleito para ser o próximo prefeito, Tite Campanella, promete privatizar a empresa local de água e esgoto, a SAESA. Apesar de todos esses retrocessos, a Câmara Municipal não conta nem mesmo com uma Tribuna Popular onde os movimentos sociais possam denunciar essas políticas a serviço dos ricos e patrões.

A Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes surge como uma casa para organizar a luta pelo fim da violência contra as mulheres, mas também para impulsionar todas as mobilizações populares contra o fascismo e pela melhoria dos serviços públicos em São Caetano do Sul.

Alceri Gomes, metalúrgica negra que combateu a ditadura

Com o nome de sua nova casa de referência, o Movimento de Mulheres Olga Benario explica que busca homenagear “uma mulher negra, operária, que participou ativamente da luta pelo fim da ditadura militar e pela construção da sociedade socialista”.

Nascida na cidade de Cachoeira do Sul (RS) em 1943, Alceri Gomes foi uma operária negra que fez parte da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização que lutou contra a ditadura militar fascista no Brasil. De acordo com sua biografia no Memorial da Resistência, Alceri se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos e iniciou sua militância operária quando começou a trabalhar na fábrica Michelletto, em Canoas (RS).

Em 1969, a jovem gaúcha se mudou para São Paulo com o objetivo de dar continuidade a sua luta contra a opressão dos militares. No ano seguinte, quando tinha apenas 26 anos, Alceri foi assassinada e teve seu cadáver escondido por tropas da repressão. Sua família nunca teve o direito de enterrá-la, já que o Exército jamais devolveu seu corpo e Alceri segue sendo uma desaparecida política.

Solidariedade popular

Honrando a memória da militante negra contra a ditadura e contando com a solidariedade dos moradores da região, as militantes do Movimento de Mulheres Olga Benario e movimentos aliados já trabalham 24 horas por dia para preparar o imóvel da Ocupação Alceri Gomes para um calendário de atividades políticas e culturais.

“Eu vim aqui trazer meus filhos para eles conhecerem a história, porque vocês estão fazendo história com o que vocês estão organizando aqui”, disse Maria, uma apoiadora que levou a família para conhecer a nova Casa.

Para os interessados em fazer doações em apoio à ocupação, o Movimento de Mulheres Olga Benario indica o Pix: [email protected]. Também é possível doar mensalmente por meio do Apoia.se, disponível no link: apoia.se/pelavidadasmulheres.

Leia a seguir o manifesto da Ocupação da Mulher Operária Alceri Gomes.

POR UMA CIDADE DAS MULHERES E DO POVO TRABALHADOR!

“A cidade de São Caetano do Sul conta com 158.024 habitantes. A região em que hoje fica o município é ocupada desde o século XVI, quando era conhecida como Tijucuçu (território indígena). Depois, foi área de fazendas de moradores do antigo povoado de Santo André da Borda do Campo. 

Com a fixação das primeiras indústrias em 1916, São Caetano foi elevado a Distrito. O município foi emancipado de Santo André em 1948, após manifestações e plebiscitos. A história de São Caetano do Sul, assim, não se separa das outras cidades do ABC que são vilas industriais operárias, marcadas por manifestações, greves, lutas populares contra a carestia e pelo fim da ditadura militar.

Atualmente, a cidade é conhecida por seus índices positivos, sendo o IDH mais alto do Brasil e a expectativa de vida de 78,2 anos. O que esses índices escondem, porém, é que quem está no poder em São Caetano, trabalha para expulsar os pobres que têm dificuldade de pagar aluguel para os municípios vizinhos, esconde os dados e impede os trabalhadores de terem pleno acesso aos seus direitos. Retiraram o território de Heliópolis e Vila Palmares dos limites da cidade por serem bairros pobres, com o objetivo de construir “um pedacinho da Europa no Brasil”.

Por isso, grande parte dos operários e operárias que trabalham nas indústrias de São Caetano e contribuem para a riqueza da cidade, moram em cidades como Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. 

Mas não é só isso. Em São Caetano só pode ser atendido no SUS e em outros serviços públicos quem apresentar a carteirinha de morador da cidade, o que fere o princípio de universalidade do SUS. Assim, os trabalhadores que moram em outras cidades, mas trabalham em São Caetano, não têm acesso a saúde pública quando precisam.

Além disso, a violência contra as mulheres cresceu 12% no último ano em São Caetano do Sul. Mas sabemos que muitas vezes as mulheres que não tem a carteirinha de moradora, procuram a delegacia e não conseguem fazer o B.O. nem serem atendidas.  Assim, muitas denúncias de assédio de violência que acontecem em SCS, são registradas em Santo André ou em outras cidades. Esse cenário é ainda pior porque o prefeito José Auricchio Junior, saiu do Consórcio Intermunicipal do ABC junto com o fascista Orlando Morando (prefeito de São Bernardo do Campo), que é o órgão responsável por gerir as Casas Abrigos para as mulheres vítimas de violência doméstica. Assim, ele deixou de financiar essas políticas e as mulheres de São Caetano não podem mais acessar as políticas regionais.

O resultado disso são os feminicídios que têm acontecido na cidade:  Para piorar, nenhum serviço para as mulheres na cidade é 24h. Mesmo com a sanção do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) à lei federal 14.541, que determina o funcionamento das DDMs (Delegacias de Defesa da Mulher), por 24 horas diárias, ou seja, sem interrupção, não há prazo para as cinco delegacias do ABC se adequarem às diretrizes. 

Como se não bastasse, também não existe democracia na Câmara Municipal de São Caetano do Sul. Diferente das outras cidades do ABC, não existe nenhum espaço para Tribuna Popular na Câmara e os moradores que sofrem diariamente com o descaso do governo não tem nenhum espaço para pedir ajuda. 

Mais um escândalo da cidade foi quando o mesmo prefeito que boicotou as políticas para mulheres, (o Auricchio), chamou a única vereadora mulher da cidade de “tchutchuca” em evento de campanha. Isso mostra a ideologia fascista e misógina que carrega para governar a cidade. As mulheres têm o direito de falar e ocupar os espaços de poder!

Tudo isso é feito para aumentar as políticas de privatizações, retiradas de direitos e massacre ao povo trabalhador e as mulheres. Em São Caetano já existem escolas municipais privatizadas, servindo de modelo para o governador fascista Tarcisio privatizar todo o estado de São Paulo. A maior parte dos servidores hoje são terceirizados, pois não abre concurso há muito tempo. O reajuste real dos salários também não acontece e as condições de vida só pioram. Se depender do prefeito eleito para 2025, Tite Campanella, a empresa de água SAESA estará em vias de se privatizar, assim como o terminal de ônibus. Tite Campanella é continuidade da política fascista de Auricchio, Tarcísio e Bolsonaro. Querem expulsar as trabalhadores e trabalhadores de São Caetano e construir uma cidade privatizada, com mentiras, sangue e violência.

A luta das mulheres operárias

Por isso, o Movimento de Mulheres Olga Benario decidiu lutar!

No Estado de São Paulo são 3 milhões de operários, entre eles, 1 a cada 4 é mulher, representando 736 mil operárias. A força dessas mulheres foi provada ao longo da história, sendo determinantes em inúmeras greves e protestos que conquistaram direitos para toda a classe trabalhadora.

Nas fábricas, a maior parte do que é produzido vai para o bolso dos ricos, enquanto a classe operária sofre com os baixos salários e o aumento da exploração e miséria. Em média, o salário de operárias é 14,7% menor que o salário dos homens na indústria, de acordo com a FIESP. Essa situação só se sustenta a partir das ameaça de demissão e assédios constantes impostos pelos patrões contra as mulheres.

Além da exploração que vivem nas fábricas, com longas jornadas de trabalho mal remuneradas, 11,3 milhões de mães em todo o país têm de cuidar de seus filhos sozinhas e passam seus poucos dias de folga também trabalhando. Apesar dos desafios, não faltam exemplos de lutas das mulheres operárias na nossa história. A primeira greve geral do Brasil, em 1917, foi desencadeada pelas mulheres de uma fábrica têxtil em São Paulo. Historicamente, as operárias do ABC Paulista também foram vanguarda na construção de mobilizações por creches para suas crianças.

No mundo, a luta das operárias já conquistou uma sociedade onde havia lavanderias coletivas, creches nas fábricas e escritórios, intervalos no trabalho para as mães irem à creche amamentar e uma jornada de trabalho reduzida para 6 horas: a sociedade socialista. Era, principalmente, uma sociedade onde as mulheres operárias, junto aos demais operários, tomavam as decisões sobre a produção e onde ela servia para o bem-estar dos trabalhadores, e não para o lucro de uma minoria. Os exemplos demonstram que só lutando por uma sociedade socialista as mulheres, especialmente as operárias, poderão conquistar seus direitos e sua libertação.

Por tudo isso, nasce a Ocupação da Mulher Operária Alceri Maria Gomes da Silva!

Uma mulher negra, operária, que participou ativamente da luta pelo fim da ditadura militar e pela construção da sociedade socialista!

Pelo mês da Consciência Negra e pelo Fim da Violência contra as mulheres!

Nasce, pelas mãos das mulheres, um espaço livre de fome e de violência! Um espaço seguro para as mulheres! Em que as denúncias serão ouvidas! Em que o trabalho vale a pena! Em que as crianças e mulheres não são exploradas nem violentadas! Onde os princípios são o socialismo e a alegria de viver!

Por isso, é nosso papel:

  1. Apoiar mulheres em situação de violência e ajudá-las a acessar os serviços públicos!
  2. Divulgar os serviços que existem e lutar por sua melhoria!
  3. Prevenir a violência contra a mulher através de formação e campanhas!
  4. Organizar as mulheres para lutar pelo fim da violência e contra o fascismo!

Nossas reivindicações são:

  1. Volta imediata de São Caetano para o Consórcio Intermunicipal do ABCDMRR
  2. Abertura de uma Tribuna Popular na Câmara de São Caetano
  3. Fim das terceirizações e abertura de concurso público!
  4. Garantia das Delegacias 24 horas no ABC
  5. Garantia de vagas em creches para todas as mulheres trabalhadoras!
  6. Pelo fim do assédio no trabalho!
  7. Pelo fim da expulsão dos pobres do centro!

Eles defendem a ditadura militar e a tortura e nós defendemos as mulheres operárias que lutam pelo prato de comida para suas crianças, pela moradia e por uma vida digna e livre de violencia!

Por nós e por todas as que tombaram.

Alceri Gomes Vive!