Sônia Maria de Jesus tem 51 anos e vive em regime análogo a escravidão desde os nove, na casa do Desembargador Jorge Luiz de Borba do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC). Na marcha do Dia Internacional das Mulheres Trabalhadoras deste ano, os movimentos sociais ocuparão as ruas de todo o estado exigindo liberdade para Sônia.
Luiza Wolff e Gabriel GB | Redação SC
O 8 de março é o dia que marca a luta internacional das mulheres trabalhadoras. Em Santa Catarina, as mulheres irão às ruas em diversas cidades com o mote “Sônia Livre”, para denunciar a escravidão e o racismo.
Hoje com 51 anos, Sônia é uma mulher negra e surda, mantida a mais de 40 anos em regime análogo a escravidão. Seu caso chocou o Brasil em 2023, quando foi resgatada da casa da família de um desembargador de Santa Catarina, Jorge Luiz de Borba.
Sua libertação significou uma vitória para a família e para o movimento negro de todo país. Entretanto, apenas dois meses após o resgate, a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) foi de que Sônia deveria voltar à casa do desembargador. Ele e sua esposa entraram com pedido de reconhecimento de paternidade socioafetiva de Sônia, alegando que “ela é como uma filha”. Na ocasião, a justificativa foi de que lá seria o “seu lugar”.
O histórico
Sônia Maria de Jesus perdeu sua liberdade e foi separada de sua família aos 9 anos, quando foi levada para a casa da sogra do Desembargador, em Santa Catarina. A partir disso, foi rompido o contato com a família por mais de 30 anos. Durante este tempo, Sônia não teve direito a acessar a escola e nem a associação de surdos que hoje frequenta. Não sendo alfabetizada nem em português, nem em libras.
Para Luciana Xavier de Carvalho, auditora fiscal que trabalha com a inclusão de pessoas com deficiência nos locais de trabalho, “além de ser privada do contato com a família, o mais grave é ela [Sônia] ter sido privada do ensino escolar”. Isso porque, ao se tratar de crianças surdas, o melhor caminho para sua inserção na sociedade é ir à escola.
Sônia também foi privada do direito de ser cidadã. Para se ter uma ideia, sua primeira carteira de identidade foi emitida apenas em 2019. Seu título de eleitor, somente em 2022. Além disso, como afirma Luciana, “ela não teve plano de saúde até 2021, e o seu ciclo vacinal não estava completo”. Prova disso é que ao sair da casa, em 2023, Sônia teve que realizar uma cirurgia, pois sua arcada dentária estava toda comprometida.
A pergunta que fica é: como é possível que o Desembargador possa dizer que Sônia é de sua família, sendo que todos os seus quatro filhos com Ana Cristina Gayotto de Borba tiveram acesso às melhores escolas da educação básica até o ensino superior, possuem dentista e planos de saúde, ao passo que Sônia trabalha na casa desde que era apenas uma criança, sem receber salário e com todos os direitos básicos negados?
Acontece que a declaração de Jorge e Ana Cristina reflete o tratamento dispensado pela classe dominante do país às trabalhadoras domésticas. Vale lembrar que o próprio serviço doméstico enquanto um trabalho é herança dos quase 400 anos de escravidão oficial no Brasil. As trabalhadoras domésticas, em sua maioria mulheres negras, ainda que em via de regra não sejam submetidas a um regime como o que Sônia é vítima, convivem com baixos salários, falta de direitos trabalhistas e maus tratos por parte dos patrões.
Justiça racista e burguesa
A herança da escravidão somada as reformas trabalhista e da previdência aprovadas pelos governos de Michel Temer e do fascista Bolsonaro que atacaram diretamente a legislação trabalhista, fazem com que hoje, a cada dia que passa, se escancare os casos de trabalho análogo à escravidão no Brasil.
Somente em 2023, foram resgatadas 3.190 pessoas em regimes como esse. No ano passado, na capital do Mato Grosso, uma mulher de 94 anos foi resgatada após trabalhar por mais de seis décadas sem receber salário.
Tudo isso nos mostra que somente uma transformação radical da sociedade será capaz de pôr fim à escravidão e ao racismo. Enquanto o Estado for controlado pela burguesia, sem que o povo possa votar nos juízes, continuaremos tendo tribunais compostos por mais de 80% de juízes brancos, defendendo os interesses da minoria rica do país.
Prova disso, é que em 2023, mesmo após a revelação do caso, Jorge Luiz de Borba foi homenageado pela câmara dos vereadores de Iguape, cidade do litoral de São Paulo. Outro caso que expôs o o verdadeiro caráter da justiça catarinense e brasileira foi o jantar promovido pelo fascista Luciano Hang, dono das lojas Havan, investigado pelo TJ-SC, no qual os convidados eram os próprios desembargadores.
Luta pela liberdade de Sônia continua
Após o resgate feito em 2023, Sônia foi levada a uma casa de acolhimento de mulheres vítimas de violência de Florianópolis, onde ficou por cerca de 3 meses. Ali teve tratamentos médicos e foi levada à associação de surdos da cidade, onde iniciou o aprendizado em libras.
Apesar disso, o desembargador e sua família entraram com um pedido de adoção da Sônia e hoje os familiares de Sônia — sua irmã e irmãos que ainda lutam pela sua liberdade — somente conseguem contatá-la por e-mails ou com os advogados, inclusive tendo sido negada a visita à família durante o período de Natal.
Assim como Sônia, várias mulheres por todo o país ainda vivem em situação análoga a escravidão. Por isso, é tão importante que neste 8 de março ocupemos as ruas e junto das nossas palavras de ordem contra a violência, a fome, o fascismo, o genocídio palestino e por justiça e reparação, se some também o grito de Sônia Livre, contra a escravidão e pelo socialismo, o único sistema capaz de acabar com o racismo e a exploração.