Campinas registrou 13 feminicídios em 7 meses (2025), expondo a conivência da prefeitura com a escalada da violência de gênero. O despejo da Ocupação Maria Lúcia Petit Vive! e a precarização de serviços como a Casa da Mulher Campineira demonstram o descaso do Estado.
Lais Siqueira e Patty Kawaguchi | Redação SP
MULHERES – Treze casos de feminicídio já foram registrados nos primeiros sete meses de 2025, na região metropolitana de Campinas. Entre as vítimas, destaca-se Cristiane Laurito, servidora pública de Campinas, assassinada junto com seu bebê de dois meses pelo próprio companheiro, no município de Limeira, dia 6 de junho. No mês seguinte, Thamires Cristina Fumo, de 29 anos, além da adolescente Nicolly Fernanda Pogente, de 15 anos, foram morta em Hortolândia.
Paralelamente aos feminicídios, também cresce a violência praticada por agentes do Estado: em 21 de junho, um vídeo foi divulgado mostrando uma mãe sendo agredida com tapas por um policial militar em Valinhos — episódio que não é isolado.
Em 2024, ao menos outros dois casos de agressões cometidas por policiais militares contra mulheres foram registrados na região. Esses episódios escancaram a ausência de proteção efetiva e a atuação violenta de um Estado burguês que, ao invés de garantir segurança, perpetua o ciclo de violência.
Entre 2015 e 2024, menos de dez anos, o Brasil registrou 41.309 mortes violentas de mulheres. Só em 2024, foram registrados 1.450 feminicídios — o equivalente a quatro mulheres assassinadas por dia, de acordo com o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher, publicado pelo Ministério das Mulheres.
No interior a situação é ainda pior, como mostra pesquisa do DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública: em 2022, 48% dos casos de violência foram sofridos em cidades no interior do país. Além de ser quase metade, esse dado se agrava quando associado ao fato de que as Secretarias de Políticas para as Mulheres estão presentes em apenas 18,3% dos municípios e somado à ausência ou oferecimento de poucos serviços voltados para o atendimento especializado para mulheres no interior, como Delegacia de Defesa da Mulher, casa de passagem, entre outros.
Campinas, como evidenciado, segue essa tendência nacional e apresenta dados igualmente preocupantes. Segundo o boletim mais recente do SISNOV (Sistema de Notificação de Violência em Campinas), de 2019 a 2023, foram registradas 5.041 notificações de violência na cidade e um recorde de estupros em 2024, com um aumento de 10% em relação a ano anterior.
Destaca-se ainda a subnotificação dos casos e a defasagem na divulgação dos dados — os mais recentes são de 2023, o que impede um diagnóstico atualizado da realidade municipal. Diante desse cenário, se faz urgente ampliar políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero e fortalecer uma rede eficaz de acolhimento, proteção e garantia de direitos das mulheres.
A primeira Ocupação do Movimento de Mulheres Olga Benario no interior

Desde 2022, os núcleos do Movimento de Mulheres Olga Benario na cidade de Campinas realizaram as Patrulhas do Olga nos serviços como UPA, UBS, CRAS, CREAS, DDM, hospitais e demais equipamentos que compunham a rede de proteção a mulher da cidade, como o CEAMO (Centro de Apoio à Mulher) e o CAISM (Hospital da Mulher).
Por meio das conversas com as trabalhadoras desses equipamentos, em sua maioria mulheres, foram levantadas suas condições de trabalho: serviços com quadro de funcionários insuficiente, gerando filas para agendamento em equipamentos que deveriam ser porta aberta, sobrecarregando as trabalhadoras.
Foi perceptível também a insuficiência de serviços distribuídos pelo extenso território de Campinas que, segundo o censo de 2022, conta com uma população de 596.034 mulheres, sem contar o total da região metropolitana, que é composta por 19 outras cidades.
Além disso, tanto os horários de funcionamento dos equipamentos quanto sua localidade dificultam o acesso das mulheres trabalhadoras, visto que em sua maioria atendem em horário comercial e estão no centro da cidade e não nas periferias.
Em abril de 2023, as mulheres campineiras organizadas no Movimento Olga Benario ocuparam um imóvel abandonado há quase uma década e construíram nele a Ocupação de Mulheres Maria Lúcia Petit Vive!, primeira ocupação do movimento realizada em uma cidade do interior.
A ocupação resistiu a constantes ataques de fascistas, dos vereadores da extrema direita da cidade e do próprio sistema burguês. O proprietário do imóvel que nunca tinha dado importância para ele, lembrou que o tinha e entrou na justiça para promover o despejo.
Enquanto isso, as mulheres do Movimento Olga Benario, que é financiado pelo próprio povo, deram função social e vida ao espaço, utilizando-o para o acolhimento das vítimas de violência sem necessidade de apresentar boletim de ocorrência e principalmente para oferecer perspectiva de vida e transformação para as mulheres trabalhadoras, por meio de cursos, formações, rodas de conversa, atividades artísticas e culturais, contando com o apoio da população e parceria de diversos movimentos sociais da região.
A ocupação também cumpriu um papel fundamental de denúncia da falta de políticas públicas para as mulheres, que sempre foi uma pauta esquecida. A partir das lutas do Movimento Olga Benario e pressão popular, a prefeitura construiu a Casa da Mulher Campineira, local que unificou o CEAMO e outros serviços como Defensoria Pública.
Embora o serviço tenha insuficiências, como o movimento continua denunciando a partir das Patrulhas do Olga, foi uma vitória das mulheres trabalhadoras garantir um espaço com estrutura para o acolhimento.
No sistema capitalista o lucro está acima da vida das mulheres

Mesmo a Ocupação Maria Lúcia Petit Vive! atendendo centenas de mulheres, organizando mais dezenas em luta pela libertação da classe trabalhadora, a justiça burguesa, cujo principal interesse é o lucro, provou mais uma vez que não está a serviço do povo e que seu projeto político para as mulheres trabalhadoras do interior de São Paulo é a morte, a violência e a miséria.
A reintegração de posse foi autorizada em fevereiro de 2025, devolvendo o imóvel ao abandono. Até hoje, o proprietário nada fez além de apagar com tinta branca as paredes antes cobertas por artes de grafiteiras e colocar uma faixa de “Aluga-se”.
Desde 2023, a prefeitura prometeu ceder um imóvel para que a Rede Maria Lúcia Petit pudesse realizar os atendimentos das mulheres com melhor estrutura, visto o inegável trabalho do Movimento para as mulheres de Campinas. Porém, até hoje, após dois anos, o prefeito Dário Saadi (Republicanos) e seu vice, Wandão Almeida (PSB), não cumpriram a promessa.
É importante evidenciar que a cessão do imóvel só havia sido prometida após manifestações das mulheres, que ocuparam mais de uma vez o paço municipal. Sob palavras de ordem, agitações e denúncias a prefeitura foi obrigada a receber o movimento para iniciar as negociações.
Porém, enquanto o processo de reintegração de posse avançava, a prefeitura passou a recusar novas conversas. Chegou até mesmo ao ponto de fechar as portas do paço municipal para as mulheres, que tinham uma reunião agendada, impedindo assim a população de entrar no que deveria ser a casa do povo.
Enquanto isso, o número de feminicídios bate recordes na região e os serviços continuam sendo precarizados e terceirizados para as OSCs realizarem aquilo que é papel do Estado, priorizando o lucro. Não foi realizada contratação de mais profissionais para atender as mulheres. Na inauguração da Casa da Mulher Campineira, em julho de 2024, havia a promessa de ter uma Delegacia de Defesa da Mulher no local, mas depois de um ano nada aconteceu.
A realidade é uma: não faltam imóveis para a prefeitura, muito pelo contrário! Existem mais de mil imóveis públicos em estado de total abandono, e que poderiam cumprir a função de atender mulheres e diversas outras necessidades sociais, como habitação, restaurante popular, creches, lavanderias coletivas dentre tantas outras funções que seriam designadas se de fato a cidade fosse governada pelos trabalhadores e trabalhadoras. Também não falta dinheiro: a prefeitura tem um orçamento de R$ 11 bilhões, que não é investido nas reais necessidades da população.
Ou seja, é nítido que a vida das mulheres não é uma prioridade para esse sistema, mas sim a promoção da especulação imobiliária e a geração de lucro para a elite empresarial.
Mulheres organizadas lutam pela construção de uma sociedade sem opressão
Mesmo após o despejo da ocupação, o Movimento Olga Benario continua construindo a luta pelo fim da violência. A rede Maria Lúcia Petit não deixou de realizar o acolhimento de mulheres, as Patrulhas do Olga também foram retomadas e os núcleos do movimento continuam se reunindo com mais e mais mulheres que têm realizado diversas atividades em bairros da cidade onde as políticas públicas não chegam, mas o Movimento chega.
A cada panfletagem e atividade do Olga Benario mais mulheres se somam a esse movimento revolucionário. A única política pública possível para mudar a realidade de diversas mulheres, mães, estudantes, trabalhadoras, é a construção de uma sociedade em que a classe trabalhadora poderá usufruir de toda a riqueza que constrói, quando teremos cozinhas e lavanderias coletivas, em que o cuidado das crianças seja coletivo, em que nosso povo não passe fome enquanto os mercados jogam toneladas de comida fora apenas para uma minoria conseguir lucrar. Por isso, devemos nos organizar para construir essa sociedade sem exploração que é a sociedade socialista.