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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O apartheid carioca

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A menos de um ano para as Olimpíadas 2016, a Prefeitura do Rio de Janeiro e o Governo do Estado adotam medidas que retiram direitos democráticos da população.

Primeiro, foram anunciadas a extinção e a redução de itinerários de 22 linhas de ônibus, a partir do dia 3 de outubro, que atendiam aos passageiros das Zonas Norte e Oeste da cidade. A mudança cortará o acesso direto às praias de moradores da Maré, Jacaré, Ramos, Olaria e Penha, regiões da periferia onde se encontram os principais complexos de favelas da cidade.

Na mesma semana, a Polícia Militar começou uma operação para abordar os jovens presentes nos ônibus que saem destas regiões. Os jovens são retirados dos ônibus, revistados e depois impedidos de dar continuidade à viagem. Segundo o governo, a operação tem como objetivo “a prevenção contra futuros arrastões e crimes nas praias”. Na operação, realizada em parceria com a Guarda Municipal, 700 agentes e 17 equipes móveis são mobilizados e “atuam prioritariamente nas linhas que saem do Méier, do Jacaré e de Manguinhos, na Zona Norte, e vão em direção à Zona Sul”. Conforme a própria PM, os jovens (em sua maioria negros, oriundos de favelas) que estiverem sem dinheiro serão impedidos de dar continuidade à viagem. Em caso de resistência, serão detidos.

       O direito à cidade e o acesso ao lazer público (assim como o direito de ir e vir) sofrem grande agressão com essas medidas. Nas redes sociais, as manifestações de moradores das regiões mais pobres da cidade refletem indignação: para terem acesso à Zona Sul e à maioria das praias da cidade, os moradores das Zonas Norte e Oeste vão ter que fazer baldeações e pegar diversas linhas até chegar a seu destino. Caso façam uso de mais de duas linhas de ônibus, metrô ou trem, o valor das passagens se tornará ainda mais caro, afetando diretamente a população mais pobre, que tem nas praias a sua principal diversão nos fins de semana. Caso decidam fazer mesmo assim todas as baldeações, correm o risco de serem abordados pela Polícia, que arbitrariamente decide que eles “não têm o direito de dar continuidade à viagem”.

As declarações dos moradores das regiões mais pobres desmascaram o interesse na limpeza étnica e social das zonas ricas da cidade. O Rio de Janeiro é a cidade com maior número de favelas do Brasil. Segundo dados do Censo de 2010, mais de 22% de sua população vive em favelas, o que representa mais de um milhão e trezentas mil pessoas. Essa população sofre com o descaso do Estado, que não garante vários direitos básicos, como saneamento, água encanada, creches, escolas, hospitais, áreas de lazer etc. Ao pobre é negada a própria cidade: primeiro, com tarifas de ônibus que custam R$ 3,40 e impedem o deslocamento da população; segundo, que a cada dia a cidade se torna mais cara para viver: aluguéis com preços vultosos, altíssimo preço da cesta básica, contas de luz e gás; e agora reduzem suas já poucas possibilidades de locomoção e lazer.

Junto da limpeza social vem a limpeza étnica. O critério de escolha para a abordagem policial nos ônibus oriundos da periferia e das favelas é o perfil: jovens negros e pobres. Sem nenhum flagrante, nenhuma evidência de crime, os jovens são escolhidos por sua fisionomia, pela cor da pele, retirados da condução e encaminhados à delegacia. Seguindo o exemplo da Polícia Militar de São Paulo, que lançou uma cartilha orientando que “jovens negros são, por si só, suspeitos de serem bandidos”, a PM do Rio pratica um racismo descarado, tendo como objetivo “afastar pretos favelados das zonas ricas da cidade”. Atacam diretamente a juventude negra das favelas.

A desigualdade social em nosso país está também baseada em critérios raciais como forma de segregação. Desde o nascimento do Brasil Colônia, o negro foi escolhido para ocupar as mais baixas camadas da estrutura social de exploração. O povo negro no Brasil passou quase 400 anos sendo escravizado. Após a abolição da escravatura, formou-se um mercado de trabalho racista, sendo os postos de trabalho ocupados pelo imigrante branco; ao negro que era escravizado restou ocupar as favelas, viver de bicos, pedir esmolas ou trabalhar em condições subumanas, análogas às da escravidão.

Sem acesso à educação, moradia e trabalho, estava traçado o destino das futuras gerações de descendentes de escravos no nosso país: as favelas e o desemprego, ou os mais baixos salários e as piores ocupações.

Todas as políticas de limpeza étnica e segregação racial que sempre existiram vêm à tona após o compromisso firmado pelo Governo do Estado e pela Prefeitura com as elites hoteleiras e imobiliárias da cidade, assim como com o Comitê Olímpico Internacional, que, para se beneficiarem, precisam vender a imagem de uma cidade menos negra, mais embranquecida, com menos pobres, mais elitizada.

Eloá Santos, Coletivo Negro Perifa Zumbi. Rio de Janeiro

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