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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Crise da água no RJ: o desmonte da CEDAE como estratégia para privatização

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O Rio de Janeiro está passando por uma severa crise de saúde pública devido à queda brusca na qualidade da água distribuída em várias regiões do Estado. A mídia burguesa vêm noticiando os fatos soltos, de maneira propositalmente isolada e desconexa, buscando evitar que a população perceba a conexão que existe entre a contaminação da água e a atual gestão da CEDAE, que trabalha para privatizar a empresa.

Raphael Assis
Rio de Janeiro


Foto: Reprodução

Amarela, turva, viscosa e fedida: é assim que a água está chegando há mais de duas semanas nas casas de grande parte da população do Rio de Janeiro e região metropolitana. Foram os próprios moradores que começaram a denunciar pela internet a péssima qualidade da água fornecida pela companhia estadual de águas e esgotos, a CEDAE. Paralelamente, o número de internações nos hospitais públicos em decorrência de diarreia aumentou 200% em relação ao mesmo período do ano passado

Apesar disso, a direção da CEDAE insistiu dias a fio na afirmação de que não havia nenhum problema na água para o consumo humano, o que logo oi desmentido pela comunidade científica do Rio de Janeiro. Apenas no último dia 07, quase uma semana depois do início do problema, foi que a CEDAE lançou uma nota oficial de “esclarecimento”, na tentativa de acalmar os ânimos e supostamente explicar o que estava acontecendo.

De maneira superficial e sem apresentar qualquer tipo de documentos científicos, a empresa disse que técnicos haviam terminado, naquele dia, algumas análises na estação de tratamento do Guandu, que haviam sugerido a presença de uma substância química chamada geosmina, produzida por algas que se reproduzem quando a água não está sendo bem tratada.

Ao admitir a existência em grande quantidade dessa substância na água, a CEDAE revela que não tem cumprido com uma das exigências do Ministério da Saúde, que determina que a empresa faça uma medição, de hora em hora, da água tratada. Ou seja, caso essa medição estivesse sendo feita de maneira regular, a presença da geosmina teria sido detectada antes que a água chegasse nas torneiras da população, o que obviamente não aconteceu.

Mesmo assim, a empresa seguiu na defesa de que a água podia ser consumida sem problemas. “A substância não oferece riscos à saúde, mas altera o gosto e o cheiro da água”, diz a nota.

Aqui fica explícita a desonestidade da atual gestão da CEDAE, pois simplesmente omite a informação de que, em quantidades elevadas, a geosmina pode, sim, oferecer riscos à saúde. Além disso, esse risco só pode ser realmente medido quando são feitos testes para identificar a presença de outros micro-organismos na água, os quais poderiam interagir com a geosmina e, aí sim, ocasionar sérios problemas para a saúde dos consumidores. “É estranho a CEADE dizer que a geosmina não faz mal diante desses episódios. Se a água fornecida pela empresa está inocente, não está causando dano nenhum à população, cabe ao governo explicar o aumento de casos de diarreia, dores abdominais e vômito nas UPAs”, defende Edimilson Migowski, infectologista e diretor de relações externas da UFRJ.

Desmonte e má gestão da CEDAE

Hélio Cabral, da tragédia de Mariana à presidência da CEDAE

Somente esta semana é que o presidente da companhia, Hélio Cabral, resolveu se pronunciar publicamente sobre o assunto. Ele pediu desculpas à população, mas se limitou a isso, já que, na verdade, nenhuma solução concreta foi apresentada. Prometeu ainda que o problema seria resolvido até a próxima semana com a inserção de carvão ativado na água, que reduziria a quantidade de geosmina.

Cientistas, entretanto, contestam a efetividade da medida, pois não há certeza de que o carvão vai funcionar, ainda mais se for comprovado que a contaminação está sendo ocasionada também por outras substâncias além da geosmina.

O fato é que a política de desmonte da CADAE, iniciada ainda no governo Cabral/Pezão, e aprofundada na atual gestão Witzel, é a verdadeira responsável pela crise hídrica que afeta o Rio de Janeiro e atinge principalmente a população mais pobre.

Dias após ter assumido a presidência da companhia, Wilson Witzel e Hélio Cabral demitiram 54 engenheiros de carreira da CEDAE, entre eles os cinco mais experientes e competentes analistas de qualidade da água. À época, o argumento para a medida foi “contenção de despesas” e “enxugamento do Estado”. Não pode ser mera coincidência todo esse problema logo após o desligamento de pessoas que trabalhavam verificando a qualidade da nossa água!

A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – Seção Rio de Janeiro (ABES-RJ) chegou a alertar sobre as possíveis consequências negativas das demissões de parte do corpo técnico responsável pelo controle de qualidade da água. Mesmo assim, o governo do Estado e a CEDAE fizeram ouvidos de mercador. Em outras palavras, cometeram crime de responsabilidade contra a saúde pública e precisam, por isso, ser punidos.

Descaso com a vida e a saúde do povo

O descompromisso e a irresponsabilidade com a vida humana são características do governador Witzel e de Hélio Cabral. Enquanto o primeiro promove uma verdadeira política de extermínio em comunidades pobres do Rio de Janeiro, o segundo foi conselheiro da empresa Samarco e responde na Justiça por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) por causa da tragédia que matou 19 pessoas em Mariana (MG), em 2015. Segundo o Ministério Público, Cabral sabia dos riscos de rompimento da barragem de rejeitos de mineração.

Mesmo assim, Witzel entendeu que Hélio Cabral seria o melhor nome para presidir a CEDAE. A impressão é que a escolha, no mínimo eticamente questionável, tem por objetivo acelerar o desmonte da empresa, sabotando a qualidade de seus serviços para, assim, confundir a opinião pública e facilitar a privatização total da CEDAE. Tal suspeita só se fortalece quando o próprio Cabral afirma que o tratamento da reserva de Guandu depende do dinheiro da venda da empresa. O clima de chantagem é gritante.

Vale lembrar que a venda da CEDAE foi uma das condições impostas para a aprovação do “socorro fiscal” ao Estado, aprovado em 2017, ainda no governo Temer. Pelo acordo, o banco BP emprestou ao Rio de Janeiro 2,9 bilhões de reais a juros que ultrapassam 10% anuais. Em troca, a CEDAE deveria ser vendida até 2020, fato que enfrenta grande resistência da população, que sabe que a privatização trará aumento das tarifas e queda na qualidade dos serviços.

Sabendo disso, o governador Witzel mudou o discurso e fala agora que não há mais pressa em vender por inteiro a empresa. Na verdade, o objetivo é fracionar a CEDAE e vendê-la aos poucos, especialmente os setores mais lucrativos, que são o tratamento de esgoto e a distribuição da água. Pela proposta, seguiriam públicos os setores de acumulação e tratamento d’água, justamente os menos rentáveis e que exigem maiores investimentos.

Água não é mercadoria!


Em dezembro do ano passado, o governo do Estado apresentou o plano proposto pelo BNDES para a privatização da CEDAE. Segundo a estratégia, o Rio de Janeiro seria dividido em quatro grandes regiões, cujos tratamentos de esgoto e distribuição de água seriam vendidos para quatro empresas privadas diferentes, deixando sob suas responsabilidades a garantia do acesso à água para toda a população.

Com isso, a gestão Witzel, que durante a campanha chegou a se colocar contra a venda da CEDAE, apenas reorganiza a empresa para vendê-la mais facilmente.

Porém, todos sabem que a privatização dos serviços de abastecimento e saneamento causam enormes prejuízos à população e beneficia apenas os lucros das grandes empresas do setor. De fato, em Niterói, depois que a distribuição de água e tratamento de esgoto foram colocados nas mãos da iniciativa privada, esses serviços apresentam índices baixíssimos de qualidade e satisfação entre a população.

Na verdade, o plano de venda de Witzel visa aguardar que o Congresso Nacional decida sobre o novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, em discussão desde o ano passado. Caso seja aprovado o projeto de lei de autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que também é acionista da Coca-Cola e da Ambev, o capital privado terá toda a liberdade para se apoderar do saneamento e dos serviços de água e esgoto do país, transformando definitivamente em mercadoria o que deveria ser um direito.

Outro ponto polêmico da proposta do “senador Coca-Cola” é o que torna, na prática, mais brandas as exigências de fiscalização do tratamento da água, beneficiando as empresas que, no futuro, passariam a receber a concessão também do tratamento.

Resumindo, as últimas notícias espalhadas pela grande mídia de que Witzel estava “freando” o processo de privatização da CEDAE, na verdade não passam de uma estratégia de tentar esconder sua real intenção: esperar o momento certo para entregar a CEDAE à iniciativa privada e aumentar suas possibilidades de lucro.

Diante deste cenário, já está mais do que comprovado que as elites buscam formas de enriquecer a todo custo, até mesmo com a privatização de um recurso natural essencial à vida humana. Fica claro, também, que dentro do sistema capitalista, enquanto a classe trabalhadora estiver amarrada aos interesses dos grandes empresários e do capital financeiro, não teremos nenhuma garantia de uma vida digna.

Se até mesmo a sede do povo é usada como ferramenta para aumentar as riquezas desses magnatas, não resta dúvidas de que a classe trabalhadora, a mais afetada com esses ataques, precisará encabeçar a luta contra as políticas destrutivas que buscam gerar lucros em detrimento de nossa saúde.

Quanto à necessidade da luta contra a privatização da água, não só no Rio, mas também em todo o Brasil, não existe meio-termo: só há uma resposta a ser dada a essa situação, e essa resposta é a luta radicalizada e organizada do povo nas ruas. É preciso que em todo país consolide-se uma grande unidade entre os trabalhadores para derrubar esses pacotes de venda da água.

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