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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O falso socialismo de Bernie Sanders nos EUA

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Nos últimos anos, tem aumentado o interesse e o apoio do povo estadunidense a diversas propostas socialistas, principalmente entre a juventude e setores mais excluídos da sociedade dos norte-americana, como latinos e negros. Aproveitando-se disso, e com uma campanha autointitulada “socialista”, o senador Bernie Sanders disputa as primárias do Partido Democrata e aponta como claro favorito a disputar com o fascista Donald Trump a presidência daquele país. Porém, será mesmo que Sanders é socialista?

Por Felipe Annunziatta
Rio de Janeiro


Foto: Divulgação

Enquanto escrevo estas linhas, milhões de trabalhadores e trabalhadoras estadunidenses vão às urnas na chamada “Superterça”, o principal dia de primárias do Partido Democrata (quando ocorre votação em 14 dos 50 estados do país), para votar em Bernie Sanders como candidato do partido a presidente dos EUA. O crescimento de Sanders nas pesquisas tem levantado discussões intermináveis na imprensa burguesa estadunidense e em todo mundo. No campo da esquerda muitos estão admirados que um candidato com uma plataforma progressista e se dizendo socialista consiga ter chances reais de se tornar presidente da maior potência imperialista do mundo e com uma larga tradição anticomunista.

A realidade dos trabalhadores nos EUA e o aumento do apoio ao socialismo

De fato, o apoio ao socialismo tem aumentado drasticamente nos EUA desde o fim da Guerra Fria. Uma das mais recentes pesquisas feitas pelo instituto Gallup, no fim do ano passado, mostrou que 51% da juventude norte-americana se identifica com o socialismo. Meses antes, em maio de 2019, a mesma pesquisa mostrou que esse sentimento atingia a 43% da população em geral.

Esse processo se acentuou ainda mais após a crise geral do capitalismo de 2008, que deixou dezenas de milhões de norte-americanos sem emprego e colocou outros milhões de pessoas nas ruas sem ter onde morar. Junta-se a isso o desastroso governo Trump, que procurou por todos os meios aprofundar ainda mais a pauperização dos trabalhadores estadunidenses e o socorro aos super-ricos. Além disso, a política econômica de Trump precarizou o trabalho e diminuiu os salários dos operários dos Estados Unidos drasticamente.

Hoje, a classe trabalhadora estadunidense sofre diversas catástrofes sociais. A ausência de qualquer serviço público de saúde faz com que mais de 500 mil pessoas por ano caiam na falência e engrossem as fileiras dos miseráveis. Existem mais de meio milhão de pessoas sem casa em todo o país, que dormem pelas ruas das grandes cidades. Hoje, quase metade da população da principal economia capitalista do mundo é composta de negros e latinos, que sofrem diariamente com toda sorte de racismo, seja na dificuldade de arrumar empregos ou mesmo sendo linchados publicamente e presos sem qualquer justificativa, como acontece nos estados do Sul do país.

Além disso, os EUA são uma das democracias burguesas mais atrasadas do chamado “mundo ocidental”. Lá, a eleição para presidente é indireta, ou seja, o povo não escolhe o presidente diretamente, mas sim por meio de um colégio eleitoral, como acontecia no Brasil durante a Ditadura Militar. Cada estado envia uma determinada quantidade de delegados de acordo com o vencedor na eleição presidencial em cada lugar. Essa distorção é tão forte, que Donald Trump, em 2016, foi eleito presidente mesmo sem ter ganhado as eleições, isto porque ganhou em mais estados do que Hillary Clinton, do Partido Democrata, e levou mais delegados. A candidata democrata, por sua vez, teve 3 milhões de votos a mais que o atual presidente.

Os EUA têm um sistema eleitoral baseado fundamentalmente em dois partidos (Republicano e Democrata), e construiu toda uma rede burocrática, industrial e midiática para garantir que os dois se revezassem no poder, o que de fato ocorre desde a década de 1860.

Um socialista pode vir a ser presidente dos EUA?

A resposta para esta questão é um rotundo NÃO. Primeiro porque Bernie Sanders não é socialista; segundo porque não é possível – como a história comprovou inúmeras vezes – chegar ao socialismo sem derrubar o capitalismo, acabar com a propriedade privada dos meios de produção, destruir a democracia burguesa e construir o poder popular.

O senador Bernie Sanders não é socialista porque ele se alinha hoje com a defesa histórica da socialdemocracia no mundo. Em todas suas entrevistas faz questão de adicionar o adjetivo “democrático” ao rótulo de “socialista”. Mas isso não é apenas uma questão de semântica; suas propostas, embora mais progressistas que muita socialdemocracia por aí (começando pela do nosso país), se pautam essencialmente na construção de uma conciliação de interesses entre trabalhadores e bilionários.

Mais de uma vez o candidato democrata afirmou que nos EUA “já existe socialismo para os ricos, enquanto há individualismo para os pobres”. Ou seja, para ele socialismo é apenas a garantia do acesso das pessoas ao consumo. Como nos EUA saúde e educação não são direitos universais, como na Europa e aqui no Brasil, o programa de Sanders é para que os trabalhadores estadunidenses tenham os mesmos direitos que trabalhadores em outros países capitalistas.

Sanders por mais de uma vez falou que não quer fazer uma revolução nos EUA, pois para ele a propriedade privada tem que continuar existindo e Wall Street, centro do capital financeiro dos EUA e do mundo, deve seguir especulando com a vida das pessoas e apenas ser mais controlada para evitar catástrofes financeiras como a de 2008.

Ou seja, o que Bernie Sanders deseja na verdade é colocar os EUA num patamar que hoje se encontram as potências europeias quando o assunto é direitos sociais.

O significado de uma possível vitória de Sanders para a América Latina

Não será a primeira vez que uma potência imperialista será governada por um presidente ou chefe de governo de esquerda. Na verdade, isso é mais comum do que pensamos. O Reino Unido, por exemplo, várias vezes foi governado pelo Partido Trabalhista (uma das inspirações de Sanders). O último governo desse partido terminou em 2007, com Tony Blair. Na França, o Partido Socialista elegeu sucessivos presidentes, sendo o último François Hollande, entre 2012 e 2017.

Isso não impediu que essas potências deixassem de ser imperialistas. Ao contrário, foi em 2003, no governo trabalhista britânico, que o Reino Unido se aliou aos EUA do ditador George W. Bush para invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein. A França do Partido “Socialista” invadiu o Mali em 2013 e continuou com todas as operações para controlar os governos das suas ex-colônias na África.

Logo, não podemos esperar nenhuma mudança de atitude dos EUA em relação à sua atuação na América Latina e no restante do mundo caso Sanders ganhe as eleições. Isto, inclusive, já se nota no discurso dele, onde afirma que Cuba e Venezuela são ditaduras e merecem ser rechaçadas (mesmo tendo elogiado o sistema de saúde cubano diversas vezes), não demonstrando qualquer sinal em relação ao levantamento do embargo econômico aos dois países. Também não prometeu em nenhum momento a retirada total das tropas norte-americanas nas dezenas de bases militares na Colômbia ou no Caribe, ou a liberdade ao povo porto-riquenho, que continua há mais de 100 anos sendo colônia norte-americana.

Além disso, mesmo que prometesse, Sanders se engana e engana os outros achando que pude mudar essa situação. Os EUA ao longo de 250 anos construíram toda uma estrutura para garantir sua dominância como potência imperialista, seja o Pentágono, com toda a estrutura da indústria bélica, seja todo o complexo midiático-cultural que busca controlar toda a narrativa da imprensa no mundo, ou a estrutura repressiva de caráter internacional que persegue qualquer movimento ou governo popular e que tem na CIA e na NSA (Agência de Segurança Nacional) suas maiores estruturas.

Será mesmo que uma eleição de um candidato progressista num sistema antidemocrático com uma estrutura reacionária de partidos políticos pode superar isso? Sabemos muito bem que não.

Bernie Sanders pode até arranhar alguns dos interesses mais imediatos de Wall Street e de setores da burguesia norte-americana, mas sem uma verdadeira revolução socialista organizada pelos trabalhadores será impossível derrubar toda essa estrutura. O presidente dos EUA não é o centro do sistema imperialista norte-americano, ele é apenas uma engrenagem, e uma engrenagem pode ser trocada quando dá defeito.

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