Luiz Falcão
Diretor de Redação de A Verdade
BRASIL – Em janeiro deste ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou todos os países sobre o novo coronavírus. Em 11 de março, a OMS decretou que o mundo estava vivendo a pandemia da Covid-19. Neste dia, o Brasil tinha somente 52 pessoas contaminadas pelo vírus.
Portanto, o governo do capitão reformado teve três meses para adotar medidas que protegessem o povo que jurou defender. Nada fez. Preferiu ir à TV dizer que o novo coronavírus era uma gripezinha. Passou todo esse período fazendo “lives” contra a ciência, xingando jornalistas e boicotando o trabalho do Ministério da Saúde. Aliás, em 11 de março, voltou de uma viagem aos EUA com 23 membros de sua corte infectados pela Covid-19. Não bastasse, transforma o Palácio do Planalto em um armazém, no qual negocia cargos no Governo com deputados e senadores do famigerado “Centrão”, reeditando a velha política do toma lá dá cá.
O resultado desse desgoverno, vemos agora: o país tem mais de 6.000 pessoas mortas e quase 110 mil contaminadas. Perguntado por um jornalista sobre o crescimento assustador do número de mortes, superando inclusive a China, Bolsonaro, após voltar de um passeio a um Clube de Tiro em Brasília, respondeu com total desprezo pelo sofrimento da população: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Lamentavelmente, como descobriram milhões de eleitores que votaram nele e hoje estão arrependidos, ele não sabe o que fazer.
Além desses desatinos, Bolsonaro tem atuado para impedir as investigações da Polícia Federal sobre o enriquecimento ilícito do seu filho Flávio Bolsonaro por meio de rachadinhas e de suspeitas compras e vendas de imóveis. Aliás, até hoje, o presidente e candidato a ditador não esclareceu o polpudo cheque que o Fabrício Queiroz depositou na conta de sua esposa. Desrespeitando os princípios constitucionais da moralidade e do interesse público, demitiu o diretor geral da Polícia Federal e nomeou um cupincha seu e amigo íntimo de seu filho com o claro objetivo de paralisar investigação de corrupção de deputados que o apoiam, como denunciou o ex-ministro Sergio Moro, e o esquema criminoso de fake news, uma rede de mentiras realizada por contas falsas e robôs, cujo responsável apontado pela PF é seu filho Carlos Bolsonaro.
São tantos ilícitos que, somente no Supremo Tribunal Federal (STF), existem três inquéritos em andamento sobre os crimes cometidos pelo pai e seus três filhos: corrupção passiva, prevaricação, obstrução de Justiça, organização de manifestações fascistas e antidemocráticas, desrespeito à Constituição brasileira, rede criminosa de mentira, de insultos e até de ameaças de morte a opositores, como denunciou o governador de São Paulo. Ele se intitula chefe supremo, mas, como vemos, o que chefia mesmo são centenas de fascistas que querem acabar com as eleições diretas, voltar com a tortura nos quartéis e impor a censura e o AI-5 no Brasil.
Onde está o dinheiro?
Em seu primeiro ano no Governo, o Tesouro Nacional arrecadou R$ 4 trilhões de impostos pagos pelo povo. Uma fortuna, sem dúvida. Mas onde foi parar todo esse dinheiro? O governo não construiu nenhum hospital. Em vez de contratar profissionais da saúde, acabou com o Programa Mais Médicos. Também não construiu nenhuma universidade pública. Sequer uma casa popular foi erguida num país que tem 7,74 milhões de famílias sem moradia digna e milhares de moradores de rua vivendo debaixo de viadutos e nas calçadas nas capitais. Que fez, então, Jair Bolsonaro com os R$ 4 trilhões que o Governo arrecadou de impostos?
Em março, prometeu que criaria dois mil leitos de UTI, mas abril terminou e não entregou nem 20% deste total. No dia 2 de abril, cometeu crime de blasfêmia ao declarar no Facebook: “Eu desconheço qualquer hospital que esteja lotado. Muito pelo contrário. Um hospital no Rio, um tal de Gazolla, que tem 200 leitos, só tem 12 ocupados”.
A consequência desse “desconhecimento” ou ignorância são centenas de pessoas chegando aos hospitais sem conseguir respirar, com dores no peito e obrigadas a voltarem para suas casas ou ficar numa fila de espera, pois não há leitos nem respiradores nos hospitais. Entretanto, sem licitação e por R$ 46,8 milhões, o Ministério da Saúde contratou, para gerenciar o sistema de telefonia, um grupo empresarial investigado por explorar consumidores na TV e manipular eleitores fluminenses.
Fruto da irresponsabilidade e do descaso do presidente, o país bate recordes de mortes, cadáveres são colocados no chão de UPAs, corpos são enfileirados nos corredores de hospitais ou guardados em câmaras frigoríficas, enquanto os cemitérios abrem valas comuns para enterrar brasileiros e brasileiras que poderiam estar vivos se o governo tivesse seguido as orientações da OMS e respeitado o sagrado direito à vida.
A situação pode ficar ainda mais dramática para os pobres: o SUS tem apenas sete leitos para 100 mil habitantes e o setor privado tem 33 leitos para 100 mil. Desse modo, como advertiu o médico Gonzalo Vecina Neto, os pobres vão morrer sem leito e os brasileiros ricos vão se salvar. O testemunho de uma médica que trabalha em Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) no grande Recife revela o que está ocorrendo em nosso país; “Ver uma pessoa morrer com falta de ar na sua frente é uma das piores coisas. É agoniante ver o olhar de desespero. A gente tentou fazer o possível, mas sem o ventilador, não conseguimos mantê-lo vivo.”
Filas na Caixa e na Receita aumentam risco de contaminação
O Congresso Nacional aprovou o auxílio emergencial de R$ 600,00 no dia 30 de março. Já se passaram 30 dias e milhões de trabalhadores continuam dormindo em filas criminosas e ficando horas debaixo de chuva em frente à Caixa Econômica e à Receita Federal para receber o auxílio a que têm direito. Este foi o caso de Roseli Vaz, grávida de sete meses, que esperou 14 horas na fila, em frente à Receita em Madureira, Rio de Janeiro, para regularizar seu CPF. “Humilhante, muito humilhante mesmo”, resumiu Roseli nas primeiras horas do dia 22 de março.
Na realidade, o governo age de todas as formas para atrasar este pagamento aos mais vulneráveis, visando a guardar dinheiro para pagar a chamada dívida pública. Mais grave: 46 milhões de brasileiros tiveram o direito negado por não ter conta em banco, CPF ativo ou não conseguir fazer sua inscrição corretamente. Muitos, inclusive, não têm acesso à internet, mas estão desempregados, são diaristas, trabalhadores informais, pessoas que ficaram sem renda por causa da pandemia e dependem dessa ajuda para se alimentarem. Como sobreviverão esses milhões de brasileiros e brasileiras sem o auxílio? Será que a pessoa deixa de ser um trabalhador ou trabalhadora desempregada, deixa de ser gente, por não ter uma conta em um banco? Para Bolsonaro, sim.
Genocídio contra os pobres
Também milhares de pequenas empresas estão quebrando e o Governo nada faz para impedir essa tragédia de milhões de famílias que investiram tudo que tinham para abrir um negócio e tentar melhorar de vida neste injusto sistema capitalista. Porém, para os bancos, que definitivamente estão empanturrados de dinheiro, o Banco Central colocou R$ 1,2 trilhão à disposição dos banqueiros.
Com a palavra, essas pessoas, brasileiras e brasileiros, ignorados, desprezados, humilhados e ofendidos pelo Governo Bolsonaro e seus filhos, mas ouvidos pelo jornal A Verdade:
Maria Aparecida dos Santos, desempregada, 58 anos, mora há sete anos na Ocupação Esperança, na região da Izidora, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Trabalhava como salgadeira antes da pandemia. Divide a casa com três, das cinco filhas, e mais quatro netos.
O isolamento: “As crianças sentem falta de brincar com os amigos, mas é necessário ficar em casa”. O neto Lázaro, de sete anos, faz parte do grupo de risco porque tem problemas respiratórios e usa medicamentos que são caros e, muitas das vezes, faltam.
A ajuda do Governo: “Estamos abandonados pelo poder público. Só vivendo o que a gente vive para entender o que a gente passa. Eu recebi uma cesta da coordenação aqui da Ocupação e, se não fosse isso, não sei como seria. Não conseguimos acessar o auxílio, nem eu e nem minhas filhas. Ainda está em análise.”
Como está vivendo: “Nem sempre tenho dinheiro para o gás, a alternativa é cozinhar na lenha. Acredito que a situação vai piorar. Às vezes, parece que vamos todos morrer, ou de fome ou dessa doença. Não temos como trabalhar, não temos como resolver várias coisas, precisamos de médicos… Eu fico nervosa, qual mãe não fica? Aí eu me seguro nos remédios para me acalmar, tenho depressão e várias crises, aí só os remédios.”
Jordana dos Santos Izidoro, artesã, 34 anos, mora na Ocupação Carolina Maria de Jesus, região central de Belo Horizonte, desde 2016. Veio do abrigo para o movimento. Ex-albergada. É do chamado grupo de risco: obesa, hipertensa e portadora de doença crônica respiratória. Trabalha há três anos no Grupo Supernosso (rede de supermercados), exercendo a profissão de PCD – Operações Gerais 1.
“Quando começou a quarentena, fui ao posto de saúde para me informar como seria a segurança dos grupos de risco porque muitos locais ainda não tinham EPI. O psiquiatra me deu um laudo exigido pela empresa para afastamento do serviço por ser grupo de risco. E laudo de saúde mental, pois trabalhar nessas condições afetava a saúde psicológica. O Centro de Convivência de BH falou com a empresa para que ela entrasse em férias coletivas. Faço acompanhamento no posto de saúde do bairro, referente ao coronavírus e outras enfermidades que não acabou por causa da pandemia. O posto está sem médico no momento.”
Fez o cadastro para receber o auxílio e, quando olha, está sempre “em análise”. A carteira é assinada com meio salário-mínimo. Vendia Avon, chup-chup e artesanato para complementar a renda, mas agora não pode mais expor em feiras nem fazer porta a porta por conta da pandemia
Sobre o confinamento, agora está sem trabalhar, mas precisa fazer acompanhamento médico e sair para comprar alimentos: “Passo mal e sinto raiva com as declarações do presidente Bolsonaro. Muitas pessoas estão sem acesso aos serviços básicos, muita burocracia para receber uma miséria de auxílio, enquanto esse governo dá regalias para empresários e os funcionários passando aperto. Me sinto negligenciada pelo governo, que não olhou para quem tem carteira assinada e está parado nessas férias forçadas. Não olhou para a população de rua em nenhum momento até hoje. A sensação que tenho é de estar excluída”.
Dona Raimunda, mulher trabalhadora pobre, mãe, camelô e moradora do bairro da Gamboa, região portuária do Rio de Janeiro
Dona Raimunda, mãe de Mateus, camelô e moradora da Gamboa, ainda não foi despejada, está com cinco meses de aluguel atrasado, desde que teve que pedir demissão da rede de supermercados na qual trabalhava como operadora de caixa. O motivo? A escola pública onde seu filho, uma criança autista de oito anos, estuda não tem mediadores pedagógicos disponíveis para que ele consiga permanecer em horário integral estudando.
Passou então a vender milho cozido pelas ruas do centro para sobreviver. Raimunda não ganha o suficiente para pagar em dia seu aluguel e prioriza a compra do remédio do filho, que não é oferecido gratuitamente pelo Estado.
Sua geladeira, hoje, está vazia e conta basicamente com milho congelado, pois, com a pandemia, ela não consegue mais vender. Não consegue sacar seu auxílio emergencial, apesar de já estar aprovado desde o dia 15 de abril, mesmo indo diariamente às agências da Caixa.
Quando perguntada sobre o que achava de o Governo Federal ter disponibilizado R$1,2 trilhão para “socorrer” os bancos, enquanto ela esperava angustiadamente pelos R$ 600 até agora, se revoltou: “Me sinto descuidada, né, pelo governo… Porque, se o governo ajuda o banco que já tem muita arrecadação de dinheiro, e que aguenta mais do que a gente, que é pobre, passar pelo transtorno dessa situação toda, a gente só tem como se sentir assim mesmo: descuidado”.
Estes depoimentos mostram o sofrimento e as privações que está vivendo a imensa maioria da população brasileira. Revelam a verdadeira face do Governo Bolsonaro: um governo desumano, cruel e perverso com o povo. Por isso, a solidariedade dos militantes da Unidade Popular, da Juventude Rebelião e dos movimentos sociais, como o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, o Movimento Olga Benario e o Movimento Luta de Classes, são tão importantes neste momento. Por isso também os panelaços e qualquer outro movimento que denuncie o caráter fascista e antipopular e corrupto do governo de Jair Bolsonaro são fundamentais e devem ser apoiados sem vacilação, pois, mais do que nunca, “É preciso ter força/É preciso ter raça/ É preciso ter gana sempre” (Milton Nascimento).