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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Crônica | “El Diós Del Pueblo: Hasta Siempre, Don Diego”

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DON DIEGO – Para sempre no coração de nosso povo. (Foto: Reprodução/Semanário Hoy)
De uma época marcada por jogadores engajados nas lutas populares da América Latina, Maradona marcou o mundo dentro e fora das quatro linhas, se tornou uma entidade do futebol sul-americano, e agora se eterniza como uma divindade do esporte.
Guilherme Piva e Gabriel Borges

BARBACENA (MG) – El pibe, Diós, Don Diego…Seus apelidos são muitos. Fato é que os deuses do futebol chamaram para si, no último dia 25, o homem que se fez entidade e símbolo de orgulho nacional na Argentina, e virou texto de Galeano. Pode-se dizer que Maradona levou bem ao pé da letra o bordão argentino de “dejar la vida en la cancha” (dar a vida em campo).

Diego Armando Maradona foi o quinto de oito filhos, nascido em Villa Fiorito, uma periferia ao sul de Buenos Aires. A origem humilde sempre foi motivo de orgulho do jogador, seja honrando o lugar de onde veio, seja denunciando as condições de vida de seu povo, como certa vez brincou: “Cresci em um bairro privado de Buenos Aires. Privado de luz, de água, de telefone”. De ascendência galega, começou a chamar atenção desde criança. Aos dez anos, já era notícia no tradicional periódico argentino Clarín. Os hermanos ainda não sabiam, mas aquele garoto deixaria sua marca na história em todas as formas possíveis, transcendendo a cancha.

A malícia e a rebeldia que seriam marcas de sua carreira começaram a aparecer cedo. Em sua estreia pelo Argentinos Juniors no campeonato argentino, saindo do banco de reservas, deu uma caneta no adversário. Com essa caneta, Diego escrevia a primeira linha de uma das histórias mais marcantes do futebol, que ele passou rabiscando adversários e defesas.

Aos 17 anos, por pouco El Pibe não jogou a Copa de 1978, que terminou com a Argentina conquistando seu primeiro título jogando em casa. Mas dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, e oito anos depois, em sua segunda copa, o baixinho presentearia o mundo com o que é considerado a melhor atuação individual de um jogador em uma Copa do Mundo na história, em solo mexicano.

Jogando pelo Boca Juniors, obteve seu primeiro título nacional, antes de conquistar a Itália, mudando o cenário do futebol local e revolucionando a história do Napoli, clube pelo qual ganhou dois títulos italianos consecutivos e um título continental (a Copa UEFA). Até hoje, essas são as maiores glórias da história do clube do sul da Itália, que pela primeira vez em sua história pôde enfrentar o monopólio dos grandes times do norte e ser destaque no país.

Mas se era brilhante, Maradona era também rebelde. Conterrâneo e admirador de Che Guevara, não poderia ter jogado a Copa de 1978, que a ditadura militar argentina usou politicamente (como fez a brasileira com o título de 1970). A Copa de 1986 seria uma história que parecia ter sido escrita caprichosamente por Deus pra eternizar o camisa 10. Quatro anos antes, a Inglaterra de Margaret Thatcher havia promovido uma guerra de rapina contra a Argentina que resultou na ocupação ilegal e terrorista das Ilhas Malvinas. Os generais fascistas que então governavam, acostumados como eram em vender a soberania do país para o estrangeiro, não foram capazes de oferecer resistência e sofreram uma grande derrota que catalisou um sentimento nacional de contestação e ódio àquela ditadura.

Pois bem, quis o destino que a Argentina enfrentasse a Inglaterra nas quartas de final da Copa de 1986. E que a bola fosse lançada para Maradona. O goleiro saiu para tentar socar a bola, mas a mão do argentino foi mais rápida. Um “soquinho” na bola que encobriu o arqueiro inglês e abriu o placar. Uma pequena reparação histórica ao povo argentino, imagem eternizada como símbolo da mística que ele representa.

Para o povo argentino, foi como ter a alma lavada. Há quem diga que o gol de Maradona faz parte da história da luta argentina contra o imperialismo britânico. Não foi à toa que o punho que Maradona levantou momentos antes para abrir o placar, na comemoração seguinte vinha com outro significado: ao menos em campo, a Argentina resistiu deixando os ingleses submetidos, sem ter como pará-la. Derrotados. O jogo foi uma síntese do que foi a carreira de Maradona: genialidade e polêmica. Se o primeiro gol foi ilegal, o segundo foi pura maestria: ao receber a bola ainda na defesa, encanta o público com um corte magistral que de uma vez deixa dois ingleses para trás. Carregando a bola, cortando mais um aqui e outro ali, o time inglês ficou todo pra trás. Não demorou para o goleiro também ficar no chão, aos pés de D10S, concretizando aquele que é conhecido como o gol do século.

Enérgico, intenso, Maradona expressou em campo o espírito rebelde de todo latino-americano. Findada a carreira dentro dos gramados, seguiu causando polêmicas ao denunciar os cartolas do futebol argentino que de muitas formas oprimiam os próprios jogadores e transformavam a paixão do povo em negócio para o lucro pessoal. Não ficou barato nem para o presidente estadunidense George W. Bush, a quem o craque várias vezes se referiu como assassino e genocida, dizendo que preferia ser amigo de Fidel Castro.

Durante a Copa de 2002, após ser impedido de entrar no Japão para acompanhar os jogos da seleção porque “não seria um bom exemplo”, segundo as autoridades japonesas, Maradona mais uma vez demarcou seu posicionamento. Ironizando o fato de a seleção estadunidense ter visitado o Japão na preparação para a Copa e sido recebida com toda pompa pela família real, ao ser questionado por um jornalista sobre a situação constrangedora de ter seu visto negado pelo governo japonês, o craque disparou:

“Acho engraçado o Japão me considerar um mau exemplo para os jovens japoneses porque tive problemas com drogas, mas aceitam e recebem com festa os Estados Unidos que jogaram duas bombas atômicas nas suas cabeças”.

Maradona foi um efusivo apoiador dos governos anti-imperialistas latino-americanos. Marcou na pele a admiração por Fidel e Che, com tatuagens em homenagem aos dois revolucionários, e teve vários encontros com o comandante cubano. Apoiou também ativamente os governos populares de Chávez, Maduro e Evo. Chegou até mesmo a se declarar um soldado de Chávez. Em seu país, apoiou os governos progressistas do Kirchnerismo, declarando certa vez que aceitaria ser vice da ex-presidente Cristina Kirchner. Quando aqui no Brasil o processo fraudulento de impeachment foi aberto pela direita golpista, Maradona também não ficou calado e denunciou o processo que ali se iniciava, declarando que seu coração estava com a então presidenta Dilma Rousseff.

Foi também voz na luta contra o racismo, se solidarizando com o zagueiro napolitano Kalidou Koulibaly, alvo de gritos racistas em 2018, e dizendo ele mesmo ter sido vítima de xenofobia quando jogo em solo italiano.

Controverso, com falhas e turbulências em sua vida, mostrou que Deus é humano. Se posicionando sem medo contra o imperialismo, mostrou que Deus tem lado: o dos povos explorados do mundo. Sua partida é um choque para todos aqueles e aquelas que lutam, dentro e fora de campo, pela emancipação humana, particularmente, pelo nosso povo latino-americano, a quem tão bem representou. Gracias D10S, hasta siempre!

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