UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

domingo, 24 de novembro de 2024

Justiça burguesa não condena torturas da ditadura militar contra operário

Outros Artigos

PRISÃO E TORTURA – Operário comunista foi torturado pela ditadura militar fascista. (Foto: Reprodução/Arquivo)
“Após a redemocratização de 1988, o mínimo que o Estado Brasileiro deveria fazer após reconhecer os arbítrios e torturas cometidos por seus agentes seria uma política de reparação civil, além de garantir o direito a memória, verdade e justiça.”
José Lucas Mussi

FLORIANÓPOLIS (SC) – Após a viúva do falecido ferramenteiro e militante comunista Antônio Torini ter seu pedido de indenização por danos morais pela prisão e tortura sofrida pelo falecido companheiro durante a Ditadura Militar Fascista (1964-1985) reconhecido em primeira instância, o Estado Brasileiro recorreu da decisão, subindo o processo para a segunda instância, onde o Desembargador Luís Antônio Johonsom Di Salvo, do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), reverteu a decisão de inicial alegando, resumidamente, que o trabalhador comunista “havia assumido os riscos, foi submetido as leis do regime militar e que a tortura não foi comprovada”.

Livonete Aparecida Torini, viúva de Antônio Torini, havia ajuizado a ação perante a terceira Vara Federal de Santo André (SP), pedindo indenização por danos morais pela prisão e tortura de seu marido, obtendo decisão favorável em novembro de 2020, condenando o Estado pelo reconhecimento dos crimes de prisão e tortura realizados durante ditadura militar e ao pagamento de indenização por danos morais. O trecho da decisão do juiz Denilson Branco reconheceu que “o dever do Estado indenizar objetivamente surge apenas com a prova do fato ensejador do dano, qual seja, a prisão por determinado período, por motivação política, onde o próprio Estado já reconheceu que tais prisões foram realizadas mediante arbítrio e tortura. Decorrente disto, o abalo moral é inquestionável, visto que Antônio teve sua dignidade humana violada por meios nefastos e arbitrários, qual seja, prisão, tortura e perseguição por motivações políticas, além de ter sido demitido e experimentado desemprego permanente após 1974, tudo por conta da perseguição política”.

Inconformado com a decisão, o Estado Brasileiro recorreu levando o processo para a segunda instância, onde o desembargador Luís Antônio Johonsom Di Salvo, do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), reverteu a decisão de primeira instância que havia condenado os crimes do Estado Brasileiro durante a Ditadura Militar contra Torini, sob o argumento de que Antônio Torini era “líder de movimento esquerdista” na fábrica que trabalhava, e “pretendia subverter o regime vigente a partir de 1º de abril de 1964 e substituí-lo por um governo comunista”.

A decisão do desembargador sustentou que, mesmo estando-se em uma Ditadura Militar, as leis que estavam valendo na época proibiam que qualquer um se colocasse ativamente contra a ordem e o direito que estavam valendo, justificando a perseguição política cometida pelo regime. Ainda, o julgador afirmou que só haveria possível indenização caso houvesse prova da tortura alegada, afirmando que o fato de Antônio Torini ter sido anistiado não servia para comprovar sua condição de torturado. “No Direito Processual Civil, é ônus do autor provar o fato constitutivo do seu direito; se a viúva e os filhos de Antonio Torini desejam ser indenizados porque há mais de quarenta anos o marido e pai foi torturado, deveriam apresentar um mínimo de prova a respeito, não bastando juntar enxurrada de documentos que demonstram somente que o mesmo foi processo e preso porque conspirava contra a ordem jurídica vigente, intentando implantar o comunismo no Brasil.”

Da simples comparação da decisão do juiz de primeiro grau com a decisão do Desembargador de segundo grau verifica-se que para o juiz, devido ao fato do Estado Brasileiro ter reconhecido e admitido que as prisões e processos durante a Ditadura Militar se deram com arbitrariedades e torturas, isto seria suficiente para a comprovação das violações do Estado, dando direito a indenização para a viúva de Torini, enquanto que, em segunda instância, para o desembargador, não foram apresentadas provas da tortura sofrida há 40 anos atrás, mesmo o Estado Brasileiro tendo confessado seu modo de agir durante a ditadura militar.

Importante mencionar a quão perigosa e hostil ao povo e aos direitos humanos foi a fundamentação do desembargador no caso. Utilizando-se da mesma fundamentação inconstitucional do desembargador para analisar e julgar os crimes do nazismo alemão cometidos entre 1930-1945, todas as condenações dos nazistas poderiam ser anuladas, considerando que os militares nazistas estavam apenas cumprindo as leis e as ordens que estavam valendo durante regime de exceção nazista.

Durante a ditadura militar fascista, o Estado Brasileiro (poder legislativo, executivo, judiciário, forças armadas) foi utilizado pelas elites nacionais e internacionais para defender o capitalismo e perseguir, reprimir, torturar e assassinar qualquer pessoa que pensasse diferente da forma que as grandes corporações, bancos, latifundiários, setores religiosos, grandes meios de comunicação queriam que a política, economia, moral e costumes do país funcionasse.

Parte dos direitos básicos dos cidadãos, como o Habeas Corpus, foram cassados ou relativizados, o Congresso Nacional foi fechado, outro presidente foi imposto para a Câmara dos Deputados, a eleição foi modificada para o modelo indireto, políticos eram escolhidos por ditadores; sindicalistas e líderes estudantis eram perseguidos, três ministros do STF foram cassados do dia para a noite, pessoas eram proibidas de se reunir e desapareciam, milhares eram mortos e torturados, e nesse contexto muitos e muitas que viam as injustiças e opressões acontecendo se organizaram e lutaram contra o sistema capitalista fascista que estava vigente.

Uma dessas pessoas foi Antônio Torini, ferramenteiro e militante comunista que foi preso e torturado entre 1964 e 1985 por não se calar e não se acovardar diante de um modelo econômico capitalista imperialista e excludente defendido por um regime político ditatorial e fascista.

Diante disso fica claro que, após a redemocratização de 1988, o mínimo que o Estado Brasileiro deveria fazer após reconhecer os arbítrios e torturas cometidos por seus agentes seria uma política de reparação civil, além de garantir o direito a memória, verdade e justiça, a anistia ampla, geral e irrestrita apenas aos perseguidos políticos, e o processamento, julgamento e condenação de todos os envolvidos nas arbitrariedades e torturas, tanto executores quanto mandantes, tanto do governo de militares quanto dos financiadores dos setores empresariais, midiáticos, latifundiários e financeiros.

Deste modo, diante da ausência de uma política de reparação para todos e todas que foram perseguidos, presos e torturados pelo regime militar; diante da ausência de uma efetiva atuação pela memória, verdade e justiça integral; diante da ausência de uma investigação, processamento e condenação de todos os responsáveis pelas perseguições políticas, prisões, torturas e mortes; diante de decisões atuais que não reconhecem o direito básico a uma indenização por danos morais por prisão e tortura ilegal sofridas por um ferreiro e militante comunista durante a ditadura militar e assumida publicamente pelo Estado Brasileiro, fica evidente o caráter de classe do Estado, ou seja, que o Estado está do lado dos ricos, da burguesia, tanto hoje quanto na época da ditadura, considerando que foram os grandes ricos que financiaram a ditadura e se beneficiaram dela.

Neste caso o caráter de classe burguês (grandes ricos detentores dos meios de produção) do Estado se manifestou em um de seus três poderes, o poder judiciário, demonstrando tal decisão judicial que o povo brasileiro não pode se iludir com as instituições. As soluções para a melhoria das condições de vida do povo e para a mudança política e econômica do país e das relações de poder não serão dadas pelo poder judiciário. Da mesma forma, as mudanças serão dadas pelo poder legislativo, do executivo, dos militares, do agronegócio ou dos bancos e das grandes corporações, que inclusive financiaram e apoiaram a Ditadura Militar abertamente, se não houver organização e luta do povo por mudanças políticas e sociais.

“O direito não nos salvará!” passaram-se cem anos e sua afirmação segue se confirmando diariamente. O Capitalismo segue existindo, o Estado oprime o povo, atenua ou proíbe a luta de classes e garante a exploração do povo pela Burguesia, enquanto o direito burguês regula todas as relações da sociedade, legitimando todas as contradições existentes no sistema capitalista.

Conheça os livros das edições Manoel Lisboa

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias recentes