Mariana Freire
O filme “Agricultura Tamanho Família” de Silvio Tendler documenta a vida e as relações de trabalho dos camponeses através de uma visão socioambiental e econômica. Lançado em 2014, é o último filme da trilogia “Terra” iniciada com “O veneno está na mesa” partes 1 e 2.
Nesta última parte, o famoso diretor analisa o contexto de exploração dos grupos que vivem da agricultura familiar e a contradição entre capital/trabalho e produção/lucro na indústria alimentícia brasileira.
A situação contraditória e exploradora com que se dão as relações no campo é algo constantemente invisibilizado e o filme nos apresenta cada ponto chave dessa questão de maneira muito concisa.
É inevitável, se seguirmos o raciocínio traçado pelo filme, colocar a luta de classes como ponto de sustentação das denúncias apresentadas. As relações de trabalho, terra, produção e lucro no campo são base de uma luta de classes sangrenta que vem se acirrando muito.
70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros são oriundos da agricultura familiar e ocupam apenas 24,3% das terras cultivadas em nosso território, enquanto o agronegócio produz quase integralmente para exportação de commodities de monocultura ocupando 75,5% das terras cultivadas do país.
Cerca de 40 milhões de mulheres, homens e crianças são colocadas para trabalhar até morrer nos campos em situação análoga à escravidão. Aqueles que – literalmente – produzem praticamente todo o nosso alimento diário comem restos de lixo e bebem água contaminada.
Já os latifundiários, que são donos de quase todas as terras cultiváveis que ainda não foram destruídas, vivem em suas mansões, comem o que querem, sequer sabem como produzir o que vendem, mas obtém todo o lucro proveniente do trabalho exploratório do proletariado camponês.
Em Pernambuco, por exemplo, a área de monocultura de cana de açúcar ocupa praticamente quase todo o território cultivável e 0,73% dos proprietários controlam 45% da área de agricultura daquela região.
O que é luta de classes senão aqueles que produzem o alimento não terem terra para produzir sequer o que comer? Existe, em volta de todas essas questões uma estrutura de exploração forjada no capitalismo.
Muitos dos que falaram no documentário deixaram claro que só conseguiram se estabelecer na agricultura familiar depois de obterem conhecimento técnico sobre o assunto. Fica a pergunta: quantos agricultores camponeses ocupam as fileiras das universidades de agronomia, agricultura ou agroecologia no brasil?
Quais dessas fileiras são ocupadas pelos filhos dos latifundiários? E quantas são ocupadas pela classe média do Sudeste brasileiro que romantiza o campo e o trabalhador camponês?
A estrutura do sistema capitalista no Brasil mantém o proletariado camponês em um ciclo de reprodução intensa, o que afeta triplamente as mulheres, para que se tenham mais indivíduos que produzam até morrer.
A agroecologia, os assentamentos e ocupações são uma experiência de emancipação popular, de uma quebra nesse sistema que tenta se mostrar tão forte, e devem ser concentrações de poder popular e socialismo.
Os trabalhadores e trabalhadoras do campo, quando organizados, fazem o que nenhum governo nunca foi capaz de fazer pelo seu povo: a reforma agrária. Projeto incompatível com o capitalismo e com qualquer idealismo reformista.
Reivindicar reforma agrária vai muito além de romantizar assentamentos; significa entender o sistema capitalista como inimigo do povo trabalhador do campo e da cidade e do meio ambiente. Significa, além de querer a reforma agrária, querer e lutar pelo fim desse sistema que continua matando milhares de outros trabalhadores rurais que não são assentados e organizados.
Significa também se organizar para lutar verdadeiramente para que tudo isso se desfaça, para que a emancipação popular e do meio ambiente venha de forma integral e não só para satisfazer nosso romantismo imediatista.
Lembremos sempre da frase do grande Chico Mendes: ecologia sem luta de classes é jardinagem!
O filme está disponível no Youtube e pode ser assistido a seguir: