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domingo, 24 de novembro de 2024

Centralismo democrático, crítica e autocrítica

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Por Amílcar Cabral, dirigente revolucionário de Cabo Verde e Guiné-Bissau, assassinado em 20 de janeiro de 1973.

Centralismo democrático quer dizer que o poder de decisão, de dar palavras de ordem e de dirigir está concentrado em órgãos ou entidades centrais, com funções bem definidas, mas que essas decisões, palavras de ordem, etc., devem ser tomadas democraticamente, com base nos interesses e na opinião das massas, com base no respeito pela opinião e pelos interesses da maioria.

Quer dizer que cada decisão relativa a um problema novo deve ser tomada depois de uma ampla e livre discussão por parte dos órgãos nela interessados ou da base ao topo, se se trata de assunto que interessa a toda a vida do Partido. Depois dessa discussão, e de acordo com os dados dela resultantes, os órgãos centrais tomam uma decisão, a qual deve passar imediatamente a ser cumprida nos níveis a que interesse, sem mais discussões.

Centralismo, porque o poder está concentrado em órgãos especiais e nenhum outro órgão ou indivíduo pode usar desse poder. Democrático, porque a uso do poder por esses órgãos não depende apenas da vontade dos que mandam, mas baseia-se nos interesses e na opinião expressa pela maioria.

Para praticar cada ver melhor o centralismo democrático devemos estar atentos às aspirações e à opinião das massas populares no que respeita a cada problema importante da nossa vida e de nossa luta. Devemos fazer funcionar todos os organismos de base do Partido e todos órgãos dirigentes. Devemos desenvolver a crítica e a autocrítica e prestigiar cada dia os responsáveis e dirigentes que cumprem o seu dever. O centralismo democrático é uma escola de disciplina, de respeito pela opinião dos outros, de democracia e de capacidade de levar à prática as decisões tomadas.

Amílcar e Fidel (Foto: Arquivo)

A direção coletiva

Fazer tudo para que os órgãos dirigentes do Partido passem a funcionar realmente, não na base de uma, duas ou três pessoas, mas de todos os seus membros, homens e mulheres. Direção coletiva quer dizer direção, mando ou comando feito por um grupo de pessoas e não por uma só pessoa ou por algumas pessoas do grupo.

Dirigir coletivamente, em grupo, é estudar os problemas em conjunto para encontrar a sua melhor solução. É tomar decisões em conjunto. É aproveitar a experiência e a inteligência de cada um e de todos para melhor dirigir, mandar, comandar. Na direção coletiva, cada pessoa do grupo dirigente deve ter funções próprias, bem definidas e é responsável pela execução das decisões tomadas pelo grupo em relação às suas funções.

Dirigir coletivamente é dar a cada dirigente a oportunidade de pensar e de agir, exigir que tome as responsabilidades da sua competência, que tenha iniciativa, que manifeste com determinação e liberdade a sua capacidade criadora, que sirva bem o trabalho da equipe, que é o produto de esforços e das contribuições de todos.

Dirigir coletivamente é coordenar o pensamento e a ação dos que formam o grupo para tirar deles o melhor rendimento no cumprimento das tarefas do grupo, dentro dos limites da sua competência e no quadro das atividades e dos interesses da organização.

Mas dirigir coletivamente não é nem pode ser, como alguns supõem, dar a todos e a cada um o direito de opinião e de iniciativas não controladas, criar a anarquia (falta de governo), a desordem, a contradição entre dirigentes, a discussão vazia, mania das reuniões sem resultados. Nem tão pouco é dar largas à incompetência, à ignorância, ao atrevimento intelectual, só para se fingir que todos mandam.

Se é verdade que duas cabeças valem mais do que uma, temos de saber distinguir as cabeças, e cada cabeça deve saber exatamente o que tem de fazer. No quadro da direção coletiva, devemos respeitar a opinião dos camaradas que têm mais experiência, aprender com a experiência desses camaradas que, por seu lado, devem ajudar os outros, os menos experientes, a aprender e a melhorar o seu trabalho.

No quadro da direção coletiva há sempre um ou outro camarada que tem mais categoria como responsável do Partido e que, por isso, tem mais responsabilidade individual, mesmo se a responsabilidade das tarefas do grupo couber a todos os membros do grupo. Temos de prestigiar esses camaradas, ajudá-los a terem cada dia mais categoria, mas não permitir que açambarquem (tomem conta) o trabalho e a responsabilidade do grupo.

Devemos, por outro lado, lutar contra o espírito de comodismo e desinteresse, o medo das responsabilidades, a tendência para concordar com tudo, para obedecer cegamente, sem pensar.

Combater o espírito de chefe tradicional, patrão ou de capataz entre os responsáveis. Mas combater também o espírito de vassalo, de súdito a serviço do chefe, de empregado zeloso, de criado ou de “boy” entre os responsáveis e militantes. No quadro da direção coletiva, os órgãos superiores do Partido devem exigir aos que estão abaixo deles o cumprimento rigoroso do seu dever na base da colaboração consciente e construtiva.

Os órgãos menos elevados devem exigir aos mais elevados que deem tarefas concretas a cumprir, palavras de ordem claras e tomem decisões sobre os problemas da sua competência. Combater o espírito de grupo e de grupinhos, os círculos fechados, a mania do segredo entre algumas pessoas, as questões pessoais e a ambição do mando. A direção coletiva deve reforçar a capacidade de direção do Partido e criar condições concretas para valorizar os membros do Partido.

Amílcar Cabral foi o principal dirigente da luta de libertação de Cabo Verde e Guiné-Bissau do domínio português (Foto: Arquivo)

A crítica e a autocrítica

Desenvolver o espírito da crítica entre os militantes e responsáveis. Dar a todos, em cada nível, a oportunidade de criticar, de dar a sua opinião sobre o trabalho e o comportamento ou a ação dos outros. Aceitar a crítica, donde quer que ela venha, como uma contribuição para melhorar o trabalho do Partido, como uma manifestação de interesse ativo pela vida interna da nossa organização.

Lembrar-se sempre que criticar não é dizer mal nem fazer intrigas. Criticar é e deve ser o ato de exprimir uma opinião franca, aberta, diante dos interessados, com base nos fatos e com espírito de justiça, para apreciar o pensamento e a ação dos outros, com o objetivo de melhorar esse pensamento e essa ação. Criticar é construir, ajudar a construir, fazer prova de interesse sincero pelo trabalho dos outros, pela melhoria desse trabalho.

Desenvolver o espírito da crítica entre os militantes e responsáveis. Dar a todos, em cada nível, a oportunidade de crítica, de dar a sua opinião sobre o trabalho e o comportamento ou a ação dos outros.

Combater severamente a má língua, a mania das intrigas, o “diz-que-me-diz”, as críticas injustas e sem fundamento. Avaliar o pensamento e a ação de um camarada não é necessariamente dizer mal. Dizer bem, elogiar, encorajar, estimular – também é criticar. Sempre vigilantes contra as vaidades e orgulhos pessoais, devemos, no entanto, não poupar elogios a quem os merece.

Elogiar com alegria, com franqueza, diante dos outros, todo aquele cujo pensamento e ação servem bem ao progresso do Partido. Devemos igualmente aplicar uma crítica justa, denunciar francamente, censurar, condenar e exigir a condenação de todos aqueles que praticam atos contrários ao progresso e aos interesses do Partido. Combater cara a cara os erros e faltas, ajudar os outros a melhorar o seu trabalho.

Tirar lição de cada erro que cometemos ou que os outros cometem, para evitar cometer novos erros, para não cairmos nas asneiras em que os outros já caíram.

Criticar um camarada não quer dizer pôr-se contra o camarada, fazer um sacrifício em que o camarada é a vítima. Ao contrário, é mostrar-lhe que estamos todos interessados no seu trabalho, que somos um e um só corpo, que os erros dele prejudicam a nós todos e que estamos vigilantes, como amigos e camaradas, para ajudá-lo a vencer as suas deficiências e a contribuir cada vez mais para que o Partido seja cada vez melhor.

Desenvolver o princípio da crítica em todas as reuniões do Partido, em todos os comitês e no seio das forças armadas. Na guerrilha ou no exército, depois de cada operação contra o inimigo, devemos apreciar os resultados dessa ação e o comportamento de cada combatente. Tirar todas as lições dessa ação para fazer novas e melhores ações. No ensino, na produção, na atividade comercial, na assistência – em todos os ramos da nossa vida e da nossa luta – devemos ser capazes de criticar e de aceitar as críticas.

Mas a crítica (prova de vontade dos outros de nos ajudar ou da nossa vontade de ajudar os outros) deve ser completada pela autocrítica (prova da nossa própria vontade de nos ajudarmos a nós mesmos a melhorar o nosso pensamento e a nossa ação).

Desenvolver em todos os militantes, responsáveis e combatentes, o espírito de autocrítica: a capacidade de cada um fazer uma análise concreta do seu próprio trabalho, de distinguir nele o que está bem do que está mal, de reconhecer os seus próprios erros e de descobrir as causas e as consequências desses erros. Fazer uma autocrítica não é apenas dizer “sim, reconheço a minha falta, o meu erro e peço perdão”, ficando logo pronto para cometer novas faltas, novos erros.

Não é fingir-se arrependido do mal que fez, e ficar, no fundo, convencido de que os outros é que não o compreendem. Nem tampouco fazer autocrítica é fazer uma cerimônia para depois poder ficar com a consciência tranquila e continuar a cometer erros. Autocriticar-se não é fazer penitência.

A autocrítica é um ato de franqueza, de coragem, de camaradagem e de consciência das nossas responsabilidades, uma prova da nossa vontade de cumprir e de cumprir bem, uma manifestação da nossa determinação de ser cada dia melhor e dar uma melhor contribuição para o progresso do nosso Partido.

Uma autocrítica sincera não exige necessariamente uma absolvição: é um compromisso que fazemos com a nossa consciência para não cometermos mais erros; é aceitar as nossas responsabilidades diante dos outros e mobilizar todas as nossas capacidades para fazer mais e melhor. Autocriticar-se é reconstruir-se a si mesmo, para melhor servir.

*Trechos retirados do livro “A Prática Revolucionária”

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