Heron Barroso | Redação
BRASIL – Dois relatórios elaborados pelo setor de inteligência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em 2019, revelam a ligação existente entre membros das forças armadas e garimpeiros que atuam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, localizada entre os estados de Roraima e Amazonas.
Os documentos, divulgados pela Folha de SP na última semana de janeiro, citam relações de parentesco e cumplicidade entre militares do 7º Batalhão de Infantaria da Selva e garimpeiros, que recebiam informações sobre operações do Exército de combate ao garimpo ilegal em troca do pagamento de propina.
Numa dessas operações, realizadas no dia 25 de agosto de 2019, os militares encontraram um acampamento ilegal de garimpeiros completamente vazio. “Ficou claro que todos sabiam da chegada da tropa e evacuaram o local”, diz o informe. Ao todo, 20 mil garimpeiros atuam ilegalmente na área indígena demarcada.
A atuação do PCC na região também foi citada no informe enviado ao governo federal. Segundo a inteligência da Funai, membros do Primeiro Comando da Capital traficam drogas e armas por dentro da reserva indígena em embarcações ligadas ao garimpo e com anuência de membros do Exército.
Para confirmar as suspeitas de envolvimento entre militares e garimpeiros, a Funai colheu depoimentos de testemunhas e moradores da região. Num deles, o funcionário de um fazendeiro da região abre o jogo: “[Meu chefe] possui diversos militares comprados que trabalham como informantes”.
Até um grupo de WhatsApp foi criado entre militares e garimpeiros para facilitar a troca de informações. A propina era paga em ouro, cerca de dez gramas por mês, para “militares que entregam informações sobre as operações e avisam quando [os soldados] entram [na reserva] e quando saem, e como entram e quantos são”.
Tragédia Yanomami negligenciada
Além do pagamento de propina a militares para repassarem informações privilegiadas e fazerem vista grossa ao tráfico de drogas e ao garimpo ilegal na Amazônia, o relatório da Funai também alertava o governo federal para a situação dramática da população Yanomami. “A principal pedida da comunidade é ajuda em relação à medicação. Dizem que necessitam do máximo apoio possível, e que metade de suas crianças adoeceram recentemente por causa da poluição do rio”.
Apesar da gravidade e da urgência do pedido, absolutamente nada foi feito por Bolsonaro e seus generais para socorrer os yanomami. O resultado dessa indiferença cruel foi que, desde então, quase 600 crianças morreram e centenas foram diagnosticadas com desnutrição, pneumonia, malária e outras doenças relacionadas à presença do garimpo ilegal na região. Um verdadeiro crime contra a Humanidade.
Forças Armadas sempre foram contra povos indígenas
Infelizmente, essa é mais uma tragédia anunciada. Nos últimos anos, a Funai foi esvaziada e transformada por Bolsonaro num cabide de empregos para seus amigos fardados. O ex-capitão se orgulhava em dizer que em seu governo “não existe mais demarcação de terra indígena (…). Nós botamos um ponto final nisso”.
Bolsonaro e as Forças Armadas nunca viram nada de errado nas ações ilegais de mineradoras e madeireiras na Amazônia. Ao contrário, para eles, os direitos dos povos indígenas são um obstáculo para o desenvolvimento do país e devem ser extintos.
O próprio general Hamilton Mourão, ex-vice-presidente da República, atuou ativamente para favorecer duas mineradoras canadenses, a Belo Sun e a Potássio Brasil, de propriedade do banco Forbes & Manhattan, além de se reunir diversas vezes com donos de empresas acusadas de invadir terras indígenas para promoverem o garimpo ilegal (A Verdade, nº 247).
Logo, não surpreendem as denúncias de corrupção e colaboração de militares com garimpeiros e madeireiros que atuam na região. Mas cabe a pergunta: será que é essa a função das Forças Armadas, proteger criminosos que destroem a Amazônia? Será que a preservação da floresta e dos povos que nela vivem é menos importante que os lucros capitalistas?
Matéria publicada na edição impressa nº265 (primeira quinzena de fevereiro).