O perfil de quem realiza ataques nas escolas em todo o mundo é basicamente o mesmo: sexo masculino, branco e defensor de ideais da extrema-direita, como nazismo e fascismo.
Lucas Marcelino
BRASIL – O que parece somente uma descarga de raiva juvenil contra o mundo esconde um objetivo maior: instalar o terror na sociedade para enfraquecer a confiança nas instituições públicas e no coletivo.
Um crescimento no número de ataques nas escolas públicas do Brasil colocou toda a comunidade escolar – e a sociedade em geral – em alerta. Se, nas primeiras décadas deste século, esses eventos eram considerados raros, nos últimos dois anos ocorreu um crescimento acelerado desse tipo de violência.
Esse crescimento chamou a atenção até da equipe de transição do Governo Lula, que se debruçou sobre o tema e elaborou o relatório “O extremismo de direita entre adolescentes no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”. Segundo o relatório, se, no século passado, não havia relato desse tipo de crime, já são 16 ataques até o fim de 2022. E, nos últimos seis meses, foram seis atentados no Brasil (contagem que continua aumentando). Ou seja, passamos de menos de um ataque por ano para uma média de um por mês.
Além disso, ocorreu uma explosão no número de denúncias de mensagens incentivando ou sugerindo massacres em escolas do país. O Ministério da Justiça criou o programa Escola Segura para o envio dessas denúncias – que já resultaram na exclusão de contas que apoiavam ações extremistas nas redes sociais e levaram à prisão de centenas de pessoas suspeitas e à apreensão de armas.
A defesa da educação no Brasil por parte da população, de educadores(as) e dos movimentos sociais fez com que as escolas se tornassem um espaço de inclusão, troca de experiências, respeito à diversidade, de desenvolvimento humano e social e promotor do pensamento crítico e questionador.
Tática do caos da extrema-direita
Foram estudantes e professores que barraram o avanço de ideias fascistas nos últimos anos no Brasil atuando nas escolas e realizando manifestações fora delas. Lembremos da grande campanha pela participação da juventude nas últimas eleições para barrar a vitória do ex-presidente fascista e a defesa da educação e da ciência no Brasil.
Tentando barrar essa onda progressista, a extrema-direita virou suas atenções para o ambiente escolar. E não há ambiente melhor para espalhar o caos do que um espaço onde estão crianças indefesas e jovens em formação, onde as famílias da classe trabalhadora esperam que seus filhos e filhas estejam se desenvolvendo em segurança.
Leis, projetos e notícias falsas tentam deslegitimar a escola como instituição social. São exemplos a tentativa de impedir o debate sobre gênero e a educação sexual ou a imposição de censura nas escolas; a privatização ou a entrega para militares da gestão escolar e a aprovação da educação domiciliar; a perseguição de educadores(as) e a invenção da “mamadeira de piroca” e do “kit gay”.
Sabendo que não pode mais governar pela razão, a classe dominante na sociedade – a burguesia – busca governar pelo medo e pelo caos. O sistema capitalista enfrenta uma de suas mais graves crises – econômica, política e social – e a formação de milhares de jovens conscientes e determinados(as) a construir uma sociedade mais justa e igualitária se tornou uma grande ameaça ao status quo do capitalismo.
Manipulação do discurso
A extrema-direita iniciou um processo de aliciamento e recrutamento de jovens no espaço onde eles estão mais desprotegidos, a internet, com suas redes digitais e seus fóruns sem supervisão de família, governos, Estado ou sociedade. Foi lá que os responsáveis pelos ataques tiveram contato com um discurso mentiroso de que a culpa por seus problemas individuais é de determinadas instituições, como a escola.
A escola, pelo contrário, é responsável por evitar que pessoas morram devido a suas condições sociais, políticas, econômicas, de gênero, raça ou religião. Mas a escola não é responsável pela falta de perspectiva de futuro. Esta responsabilidade é do sistema capitalista e da sua versão mais violenta – o fascismo. Sendo assim, a extrema-direita acusa o inimigo de cometer os crimes que ela comete.
A extrema-direita usa os ataques para tentar impor sua visão de mundo individualista. As soluções propostas são sempre populistas e sensacionalistas, sem eficácia comprovada e sem embasamento científico. Aproveitam-se da sensibilidade da população após os ataques para espalhar seu discurso barato. O principal exemplo é a medida tomada pelo governador de Santa Catarina de contratar um segurança armado para cada escola estadual.
Um raciocínio simples levaria qualquer pessoa sensata a compreender que um policial não tem nenhum preparo para circular por um ambiente com centenas ou milhares de crianças e jovens de diferentes classes e formações culturais e sociais. Qual seria a posição de um policial ao ver um estudante discutindo com outro durante um jogo na quadra ou sobre a vestimenta de uma estudante? Além disso, qual seria o impacto de uma pessoa armada no meio de um fluxo constante de adolescentes?
Não bastasse isso, a proposta apresentada por um deputado paulista é de pagar os policiais de folga com dinheiro da educação! É a lógica fascista levada ao absurdo: retirar dinheiro da educação para aumentar a repressão.
O pior é que a ideia nem é nova. Nos EUA, país que possui mais armas do que habitantes, ter a população armada não significa aumentar a segurança, pelo contrário. Atingido por uma epidemia de ataques a escolas e outros locais, a decisão tomada foi ampliar o número de escolas com segurança armada. Qual o resultado? Recorde de massacres em 2022, sendo que os ataques aumentaram mesmo nas escolas com segurança armada.
Armar a população ou as escolas só é interessante para as empresas armamentistas, que lucrarão enquanto colocam armas nas mãos dos ricos e deixam trabalhadores desprotegidos e à mercê de morrerem por motivos banais.
Combater o fascismo
Uma coisa que a extrema-direita tenta esconder após os ataques é a verdadeira motivação dos assassinos: a motivação política. Os ataques mais elaborados são organizados, discutidos, gravados e celebrados por jovens de ideologia fascista e neonazista. São constantes as apreensões de bandeiras, livros e materiais relacionados ao nazismo nas casas desses criminosos.
Logo, precisamos mostrar para a sociedade, para as famílias e educadores como essa ideologia é inimiga da segurança e do futuro da juventude. Precisamos debater nas aulas e nas reuniões pedagógicas como combater a disseminação dessas ideias e formar cidadãos e cidadãs comprometidos com a vida coletiva.
Também precisamos apresentar saídas para a crise econômica, política, social e existencial que a humanidade enfrenta. Precisamos dizer e mostrar que é possível construir um novo mundo onde todos e todas possam viver com dignidade e serem respeitados na sua individualidade.
*Professor da rede estadual de São Paulo