Cinema São Luiz completa 71 anos com portas fechadas e sem o que comemorar

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O Cinema São Luiz completa 71 anos, mas enfrenta um destino incerto. Fechado durante a pandemia, enfrentou problemas estruturais, demissões e promessas não cumpridas.

João Montenegro | Recife


CULTURA – No coração de Recife, encontra-se o Cinema São Luiz, cuja decoração remete à corte francesa, sendo um dos poucos cinemas em todo mundo que ostenta vitrais em seu interior. Nele, a flor-de-lis encontra-se por todos os cantos enquanto seu teto parece forrado por um delicado tapete, fazendo referência às tendas das cruzadas e ao rei Luís IX de França. O espaço ainda abriga obras de Lula Cardoso Ayres, sendo uma verdadeira relíquia arquitetônica. 

Fundado em 1952, o Cinema São Luiz completou 71 anos neste mês de setembro. O cinema que já chegou a ser um dos mais visitados do país, no entanto, não tem muito o que comemorar.

Durante a pandemia da Covid-19 o espaço foi fechado e em seus letreiros encontrava-se uma mensagem de conforto, que se tornou conhecida por todos os recifenses: “cuidem-se, em breve estaremos juntos”. No entanto, o reencontro nunca aconteceu da forma desejada. Ainda durante a pandemia, outro revés: Geraldo Pinho, responsável pela programação do cinema e grande nome da cena cultural recifense, faleceu. 

Com a flexibilização das medidas de isolamento social, o cinema reabriu suas portas timidamente em fevereiro de 2022 com uma programação homenageando Geraldo Pinho, ainda durante a gestão de Paulo Câmara (na época, PSB, atualmente sem partido). O espaço, porém, foi fechado novamente após três meses devido a problemas em sua estrutura. Desde então, não foi mais reaberto.

Foto: Jailton Jr./JC IMAGEM

A sala é de responsabilidade da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), vinculada ao Governo de Pernambuco. Segundo Renata Borba, presidente da Fundarpe, o São Luiz passou por obras avaliadas em cerca de R$ 1,3 milhão, com o objetivo de modernizar suas instalações. Apesar do valor destinado às reformas, os funcionários terceirizados que trabalhavam no espaço foram demitidos logo no início do mandato de Raquel Lyra (PSDB), em janeiro deste ano. Alguns deles tinham mais de 30 anos trabalhando no local. A demissão em massa também impactou Luiz Joaquim, programador que havia assumido o cargo de Geraldo Pinho.

São Luiz resiste, mas segue sem previsão de reabertura

Apesar das reformas estarem sendo feitas há mais de um ano, um dos poucos cinemas de rua restantes do país segue sem previsão de reabertura. Tombado desde 2008, o São Luiz era palco de diversos festivais e mostras de filmes, nacionais e internacionais, possuindo um valor cultural, artístico e arquitetônico inestimável. Além disso, o cinema operava sob uma lógica que não é comercial, vendendo ingressos a preços acessíveis e realizando sessões gratuitas, desempenhando um papel fundamental na democratização do acesso à cultura na cidade.

A sociedade civil também se moveu em busca de respostas. Amantes e trabalhadores da cultura de Recife, por meio do movimento “Salve o São Luiz” organizaram um ato no mês de junho exigindo a reabertura do cinema. O evento contou com a presença de movimentos sociais, coletivos e representantes do poder público. Durante a manifestação, além de um abraço coletivo ao redor do prédio que abriga o cinema, ocorreram apresentações musicais, rodas de poesia, exibição de filmes e troca de livros.

“O São Luiz é um outro tipo de espaço, é um investimento do estado num nascedouro de ideias, um espaço de convívio que inspira o respeito à história da cidade e do Cinema” relata o cineasta Kleber Mendonça Filho, diretor de “O Som ao Redor” (2013), “Aquarius” (2016) e “Bacurau” (2019) em sua carta aberta ao governo do estado, publicada em seu perfil no Instagram, em que cobra as autoridades pela reabertura do cinema, além de denunciar demissões. 

Em seu mais recente filme, “Retratos Fantasmas” (2023), indicado para representar o Brasil no Oscar em 2024, Kleber aborda a história dos cinemas de rua de Recife, seu apogeu e declínio. O longa narra com melancolia e ironia como a cidade, que já contou com mais de 40 cinemas de rua, passou por uma série de transformações que levaram ao fechamento desses importantes espaços. O São Luiz também é retratado no filme, sendo hoje o único cinema de rua da cidade. 

Apesar de toda sua importância histórica, cultural, artística e arquitetônica, não apenas para a cidade de Recife, mas também para o Brasil, o São Luiz continua sem uma previsão exata de reabertura. O que revela o descaso do governo de Raquel Lyra com os equipamentos culturais do estado, muitos dos quais estão em situação precária, com cortes de verbas, próximos ao encerramento de suas atividades ou completamente abandonados.