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segunda-feira, 9 de junho de 2025
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Professores do Rio Grande do Norte entram novamente em greve pelo aumento de seus salários

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Professores da rede estadual do Rio Grande do Norte aprovam nova greve em defesa do piso salarial. Estrutura do ensino nas escolas também é pauta da luta 

Livy Lunny | Natal (RN)


EDUCAÇÃO – Na última terça-feira (25/02), foi deflagrada a greve por tempo indeterminado dos professores da rede estadual de educação com início a partir do dia 26, a partir de dialogo da categoria com a comunidade escolar, bem como assembleias regionais. O motivo da greve é, mais uma vez, o parcelamento do piso salarial, agora pela aplicação do reajuste de 6,27% do piso salarial para o mês de março

O governo deu a proposta de parcelar o aumento salarial e finalizar o pagamento até o fim do ano, o que não agradou em nada os professores, principalmente pelo o motivo de que o governo de Fátima Bezerra (PT) envolveu o Ministério Público, além de tentar judicializar o pagamento dos salários e tornar a greve dos professores ilegal. Somado a isso, o governo do estado realizou, desde 2019, cinco concursos para Polícia Militar, aumentando o aparato de repressão aos estudantes e o povo pobre do RN, para a educação foi realizado, no período de 10 anos, apenas um concurso, com vagas insuficientes para suprir as demandas das mais de 550 escolas estaduais. Adicionado ao cenário do reajuste dos professores, essa é a segunda vez que os professores do estado entram em greve envolvendo a questão do piso salarial, demonstrando que na realidade, a educação é secundária para o governo estadual.

Houve três reuniões do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Rio Grande do Norte (Sinte/RN) com o governo do estado até a deflagração da greve, bem como assembleias estaduais que, apesar da direção do sindicato ter o desejo de barrar, demonstrou que as e os educadores estaduais queriam a luta. Quando ocorreu a votação final, foi unânime a vontade dos professores de fazer a greve e lutar pela implementação imediata dos 6,27%. O sindicato, sob a direção do Partido dos Trabalhadores (PT) tentou passar uma segunda votação por cima da original, mas a vontade dos professores prevaleceu.

Lutar pela educação é mais que necessário

 

No estado do RN os estudantes têm vivenciado todos os dias a precarização estrutural da educação, teto caindo, bullying nas escolas, falta de acessibilidade e de professores, sem falar do Novo Ensino Médio (NEM) que destruiu o ensino médio público. Agora o governo do estado ataca diretamente o salário dos professores, que para além de prejudicar os docentes, prejudica os jovens que não poderão ir para escola se formar.

A luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade se faz intrínseca à existência do estudante e professor. Para formarmos pessoas capacitadas e livres, precisamos de educação na base. Nesse sistema capitalista, sistema no qual só se pensa em lucros financeiros, a educação nunca vai ser prioridade, pois mentes bem educadas criticam e se rebelam contra esse sistema.

Se a situação é grave, a solução é greve. Por isso, a União dos Estudantes Secundaristas Potiguares (UESP), a Unidade Popular pelo Socialismo (UP), o Movimento Luta de Classes e o Jornal A Verdade demonstram total apoio à greve dos professores, nos somando a essa brava luta pelo piso e a valorização integral da educação pública.

SC: Mulheres vão às ruas exigir liberdade para Sônia

Sônia Maria de Jesus tem 51 anos e vive em regime análogo a escravidão desde os nove, na casa do Desembargador Jorge Luiz de Borba do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC).  Na marcha do Dia Internacional das Mulheres Trabalhadoras deste ano, os movimentos sociais ocuparão as ruas de todo o estado exigindo liberdade para Sônia.

Luiza Wolff e Gabriel GB | Redação SC


O 8 de março é o dia que marca a luta internacional das mulheres trabalhadoras. Em Santa Catarina, as mulheres irão às ruas em diversas cidades com o mote “Sônia Livre”, para denunciar a escravidão e o racismo.

Hoje com 51 anos, Sônia é uma mulher negra e surda, mantida a mais de 40 anos em regime análogo a escravidão. Seu caso chocou o Brasil em 2023, quando foi resgatada da casa da família de um desembargador de Santa Catarina, Jorge Luiz de Borba.

Sua libertação significou uma vitória para a família e para o movimento negro de todo país. Entretanto, apenas dois meses após o resgate, a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) foi de que Sônia deveria voltar à casa do desembargador. Ele e sua esposa entraram com pedido de reconhecimento de paternidade socioafetiva de Sônia, alegando que “ela é como uma filha”. Na ocasião, a justificativa foi de que lá seria o “seu lugar”. 

O histórico

Sônia Maria de Jesus perdeu sua liberdade e foi separada de sua família aos 9 anos, quando foi levada para a casa da sogra do Desembargador, em Santa Catarina. A partir disso, foi rompido o contato com a família por mais de 30 anos. Durante este tempo, Sônia não teve direito a acessar a escola e nem a associação de surdos que hoje frequenta. Não sendo alfabetizada nem em português, nem em libras. 

Para Luciana Xavier de Carvalho, auditora fiscal que trabalha com a inclusão de pessoas com deficiência nos locais de trabalho, “além de ser privada do contato com a família, o mais grave é ela [Sônia] ter sido privada do ensino escolar”. Isso porque, ao se tratar de crianças surdas, o melhor caminho para sua inserção na sociedade é ir à escola. 

Sônia também foi privada do direito de ser cidadã. Para se ter uma ideia, sua primeira carteira de identidade foi emitida apenas em 2019. Seu título de eleitor, somente em 2022. Além disso, como afirma Luciana, “ela não teve plano de saúde até 2021, e o seu ciclo vacinal não estava completo”. Prova disso é que ao sair da casa, em 2023, Sônia teve que realizar uma cirurgia, pois sua arcada dentária estava toda comprometida.

A pergunta que fica é: como é possível que o Desembargador possa dizer que Sônia é de sua família, sendo que todos os seus quatro filhos com Ana Cristina Gayotto de Borba tiveram acesso às melhores escolas da educação básica até o ensino superior, possuem dentista e planos de saúde, ao passo que Sônia trabalha na casa desde que era apenas uma criança, sem receber salário e com todos os direitos básicos negados? 

Acontece que a declaração de Jorge e Ana Cristina reflete o tratamento dispensado pela classe dominante do país às trabalhadoras domésticas. Vale lembrar que o próprio serviço doméstico enquanto um trabalho é herança dos quase 400 anos de escravidão oficial no Brasil. As trabalhadoras domésticas, em sua maioria mulheres negras, ainda que em via de regra não sejam submetidas a um regime como o que Sônia é vítima, convivem com baixos salários, falta de direitos trabalhistas e maus tratos por parte dos patrões. 

Justiça racista e burguesa

A herança da escravidão somada as reformas trabalhista e da previdência aprovadas pelos governos de Michel Temer e do fascista Bolsonaro que atacaram diretamente a legislação trabalhista, fazem com que hoje, a cada dia que passa, se escancare os casos de trabalho análogo à escravidão no Brasil. 

Somente em 2023, foram resgatadas 3.190 pessoas em regimes como esse. No ano passado, na capital do Mato Grosso, uma mulher de 94 anos foi resgatada após trabalhar por mais de seis décadas sem receber salário. 

Tudo isso nos mostra que somente uma transformação radical da sociedade será capaz de pôr fim à escravidão e ao racismo. Enquanto o Estado for controlado pela burguesia, sem que o povo possa votar nos juízes, continuaremos tendo tribunais compostos por mais de 80% de juízes brancos, defendendo os interesses da minoria rica do país.

Prova disso, é que em 2023, mesmo após a revelação do caso, Jorge Luiz de Borba foi homenageado pela câmara dos vereadores de Iguape, cidade do litoral de São Paulo. Outro caso que expôs o o verdadeiro caráter da justiça catarinense e brasileira foi o jantar promovido pelo fascista Luciano Hang, dono das lojas Havan, investigado pelo TJ-SC, no qual os convidados eram os próprios desembargadores.

Luta pela liberdade de Sônia continua

Após o resgate feito em 2023, Sônia foi levada a uma casa de acolhimento de mulheres vítimas de violência de Florianópolis, onde ficou por cerca de 3 meses. Ali teve tratamentos médicos e foi levada à associação de surdos da cidade, onde iniciou o aprendizado em libras. 

Apesar disso, o desembargador e sua família entraram com um pedido de adoção da Sônia e hoje os familiares de Sônia — sua irmã e irmãos que ainda lutam pela sua liberdade — somente conseguem contatá-la por e-mails ou com os advogados, inclusive tendo sido negada a visita à família durante o período de Natal. 

Assim como Sônia, várias mulheres por todo o país ainda vivem em situação análoga a escravidão. Por isso, é tão importante que neste 8 de março ocupemos as ruas e junto das nossas palavras de ordem contra a violência, a fome, o fascismo, o genocídio palestino e por justiça e reparação, se some também o grito de Sônia Livre, contra a escravidão e pelo socialismo, o único sistema capaz de acabar com o racismo e a exploração.

Makarenko e a educação popular na União Soviética

Anton Semyonovich Makarenko (1888-1939) foi um pedagogo que empreendeu grandes esforços para universalizar a educação na União Soviética, deixando um importante acúmulo para a educação popular no mundo.

Josué Nascimento | Redação RN


EDUCAÇÃO — Hoje, quais são os objetivos da educação brasileira? As universidades e escolas cumprem o papel lecionador, crítico e formativo? Na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Anton Makarenko se debruçava sobre estas questões.

Makarenko nasceu em Bilopillia, Sumy, na Ucrânia, filho de uma família extremamente pobre. Foi educado em casa e cursou o primário anos depois, porém, foi educado com a língua russa, já que a língua ucraniana era proibida de ser falada pelo império czarista. No começo do século XX, já formado e diretor de uma escola primária, acompanhou o cenário político que o  Partido Operário Social-Democrata da Rússia (PSDOR) atuava até então e, em 1905, quando os trabalhadores e trabalhadoras fazem a primeira revolução, Makarenko se organiza em círculos de leitura dos jornais revolucionários, como o jornal bolchevique Novaia Jizn (Nova Vida), conhecendo melhor os textos de Máximo Gorki e de Lenin.

Assim, ele compreendeu que a educação não teria outro objetivo se não rompesse com a lógica educacional burguesa e o sistema de exploração. Em vida, Makarenko têm como foco na Rússia dois trabalhos: A Colônia Gorki (1920-1927) e Comuna de Dzerjinski (1927-1935). Os dois trabalhos serviram de importante teor prático e teórico na construção do socialismo, pois procurou criar um sistema geral de educação no qual o objeto era a coletividade e não o indivíduo.

A educação popular na URSS

Anton Makarenko buscou solucionar em conjunto com a Revolução Russa de 1917 os problemas educacionais e estruturais que o feudalismo e o imperialismo causaram até então. Para pensarmos um pouco como a educação cumpre um papel fundamental, é necessário entender como a superestrutura a utiliza com objetivos diferentes no capitalismo e no socialismo. No caso da URSS, a educação se tornou ponta de lança na formação revolucionária dos trabalhadores e seus filhos e filhas.

Em conjunto com a revolucionária Nadejda Krupskaia e o Comissariado dos Povos de Instrução, Anton Makarenko aplicou as ferramentas necessárias no ensino à jovens órfãos e jovens que cometeram algum tipo de delito, focando numa escola em coletividade, que era chamada de Escola Comuna. Lá, a criança vivia plenamente a sua vida social e tomava decisões políticas sobre ela. A Colônia Gorki, por exemplo, criava um centro convivência para as crianças e adolescentes que viviam o desamparo das ruas, estabelecendo um novo plano de vida para os cidadãos e cidadãs sem família. Esses jovens eram filhos e filhas dos trabalhadores que foram dizimados pelo império czarista, mas que após a unificação e a revolução na Ucrânia, começa então o processo de socialização dos meios de produção ucranianos e o processo de educação emancipatória. Como ele mesmo destaca em seu texto Metodologia para a Organização do Processo Educativo´´ de 1936: “A educação do tom geral produz-se em todos os planos da instituição infantil, em cada momento de trabalho, na vida quotidiana, na escola, na produção, durante os jogos etc… – Educar um ser humano significa formar nele capacidades para que possa escolher vias com perspectivas. A metodologia deste trabalho consiste em organizar novas perspectivas, em utilizar as existentes, em colocar, pouco a pouco, outras mais elevadas”.

Nesse sentido, nas obras de Marx e Engels em que escreveram sobre a educação, podemos observar que o tema se interliga nas suas análises e nos livros Manifesto do Partido Comunista e o Capital. De qualquer forma, o tema central que gira todas essas engrenagens sobre a educação, não está dispersa do sistema econômico, político e social que é o sistema capitalista, baseado na exploração, acúmulo de riquezas por uma classe que nada produz, baseada na propriedade privada dos meios de produção.

Vemos, na prática, hoje o avanço das políticas neoliberais nas escolas e universidades públicas brasileiras. O retrato do Novo Ensino Médio e os cortes da educação comprovam isso.

A herança revolucionária para a educação

Dito isto, qual o impacto que isso teve na formação dos jovens e a educação na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas?

A URSS em 1950 erradicou o analfabetismo. Desde 1939, o país já contava com cerca de 90% da população alfabetizada, índice até então inédito no mundo. Isso mostra em como um Partido e um Estado comandado e direcionado para suprimir as demandas dos trabalhadores, é possível com a organização.

No Brasil, vemos o contrário. Os ataques à educação sempre foram prioridades nos governos liberais e a burguesia. No censo mais atualizado do IBGE, em 2022, 7% da população brasileira não sabia ler ou escrever, isto é, pouco mais de 10 milhões de pessoas.

A história de Marakenko mostra que é possível garantir educação universal, gratuita e de qualidade a todo o povo. Os soviéticos foram pioneiros nessa luta e mostraram que a classe trabalhadora, quando está no poder, pode construir uma sociedade sem exploração e com educação para todos os filhos do povo.

 

Direita ataca a educação PcD em Belém (PA)

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Famílias de crianças com deficiência e neurodivergentes protestam contra desmonte à educação promovido pelo Prefeito Igor Normando, na tentativa de acabar com a principal referência de educação especial em Belém

Madu Tavares | Belém (PA)


EDUCAÇÃO – Dia 29 de janeiro de 2025, em Belém do Pará, famílias de crianças com deficiência e profissionais que as atendem protestaram em frente à Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) contra o desmonte do Centro de Referência em Educação e Inclusão (CRIE), centro que promove a educação inclusiva para crianças com algum tipo de neurodivergência ou deficiência e atende mais de 60 escolas.

Humberto Pereira, professor de informática do CRIE há 13 anos, explica, em entrevista concedida ao Jornal A Verdade, o motivo da indignação: “A nova gestão, que foi colocada por Igor Normando (MDB), atual prefeito da capital paraense, resolveu extinguir os projetos de educação em tecnologia, afetando mais de 70 educadores de forma direta, sem contar os professores de sala regular, que terão redução de carga horária pedagógica. Caso isso não seja revogado, o prejuízo será imenso para a educação municipal, prejudicando os alunos que precisam de educação de qualidade. Em pleno século XXI, estamos testemunhando um retrocesso na educação inclusiva”, conclui o docente.

Carta aberta das famílias afetadas

Em carta aberta nomeada “Carta de Indignação das Famílias Afetadas pelo Desmonte do CRIE: Estamos de Luto, mas Lutando!”, famílias de crianças e adolescentes com autismo destacam não somente sua indignação, como também o desamparo da Secretaria de Educação.

Segundo o texto, as famílias não foram recebidas pela secretária de educação Nay Barbalho.”Em vez disso, fomos atendidos apenas pela assessora de gabinete que, de maneira improvisada e desrespeitosa, anotou nossas demandas à mão em uma folha de qualquer bloquinho de papel, pediu que assinássemos e nos deixou sem qualquer documento formal, sem qualquer garantia concreta de solução, apenas com a promessa vaga de uma futura reunião. Assim como prometeram aos professores um documento que os mantivesse sem perdas salariais e sem todo esse massacre emocional para as famílias, estudantes e professores.” — diz um trecho da carta.

A circular finaliza afirmando que não aceitarão promessas vazias e que seus filhos não podem esperar. “A educação inclusiva não é um favor, é um direito”, conclui o texto.

Direitos das pessoas com deficiência vêm sendo ameaçados no Pará e no Brasil

Cerca de um mês antes deste evento, no dia 19 de dezembro de 2024, a PL 4614/2024 foi aprovada pela Câmara dos Deputados. O texto prevê que o benefício BPC/LOAS relativo a pessoas com deficiência será concedido apenas para aqueles que apresentem “grau moderado ou severo”, excluindo os que seriam considerados “leves”.

O texto não especifica os critérios para essa classificação, o que prejudica diretamente pessoas com deficiências invisíveis, como Transtorno do Espectro Autista, baixa visão, deficiências cognitivas ou condições de dor crônica. A PL foi proposta por José Guimarães (PT-CE) e apoiada pelos eixos União-PP-PSDB-Cidadania, MDB-PSD-Republicanos-Podemos, PSB e a Federação PT-PCdoB-PV, mostrando, na prática, como a social-democracia não mede esforços para se unir ao liberalismo econômico em prol de seus interesses — mesmo que isso signifique prejudicar os mais vulneráveis, que tanto dizem defender. Igor Normando, propriamente, usou da causa autista em sua campanha diversas vezes,com blusas que estampavam quebra-cabeças, que é conhecido mundialmente como símbolo da condição, escancarando que, para a direita, pessoas com deficiência não são nada além de um palanque político.

Faz-se necessário, portanto, muito mais do que dar votos a quem “veste a camisa” da causa. Assim como outros grupos minoritários, pessoas com deficiência precisam se organizar e contribuir com a construção do socialismo pois, dentro do capitalismo, onde o capital sempre valerá mais que a vida e a integridade, não importa o quanto os direitos avancem, eles podem ser retirados a qualquer momento diante do interesse político e econômico da elite, e sempre recairá primeiramente aos grupos mais vulneráveis.

Ato em Campinas denuncia despejo ilegal da Ocupação Maria Lúcia Petit Vive

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No dia 28/02, o Movimento de Mulheres Olga Benario ocupou a prefeitura da cidade de Campinas, em protesto contra a reintegração de posse sofrida pela Ocupação Maria Lúcia Petit Vive. O ato arrancou da gestão o compromisso de uma reunião para solucionar a demanda por um espaço

Movimento de Mulheres Olga Benario SP


Na última quarta-feira (26/02), a Ocupação Maria Lúcia Petit Vive, localizada no centro da cidade de Campinas, sofreu uma reintegração de posse ordenada pela Prefeitura do município. A ocupação do Movimento de Mulheres Olga Benario, que prestava atendimento gratuito às mulheres vítimas de violência, foi despejada por 13 carros de polícia, mesmo havendo apenas 3 mulheres no local.

Após um despejo que não tinha nem mesmo data marcada, o que é contra a lei, Campinas perdeu um espaço que não só acolhia mulheres, mas também servia como local de formação política e centro cultural, devido ao descaso do poder público.

“O movimento já tinha se comprometido a fazer a desocupação voluntária. Mesmo assim, nos despejaram sem avisar e sem nenhuma garantia de um novo imóvel. Nós estávamos dando uma função social para aquele local abandonado há mais de dez anos. A data da reintegração deveria vir acompanhada com o cumprimento do acordo por parte da Prefeitura de ceder um novo imóvel para as mulheres de Campinas”, denuncia Fernanda Nogueira, coordenadora do Movimento de Mulheres Olga Benario, ao jornal A Verdade.

Ocupação da prefeitura

Diante desse cenário, o movimento organizou um ato dentro da prefeitura que culminou na ocupação do espaço. Se somaram à manifestação a Unidade Popular pelo Socialismo (UP), o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e a União da Juventude Rebelião (UJR). Com caixa de som e palavras de ordem, as mulheres cobraram o compromisso apresentado pela prefeitura de garantir um novo imóvel para que o movimento continue atendendo as mulheres em situação de vulnerabilidade na cidade.

“Nós estamos aqui cobrando uma resposta da prefeitura. Nossa luta é justa, é pela vida das mulheres dessa cidade. Só esse ano foram mais de 5 feminicídios em Campinas e isso se agrava porque aqui não temos nem uma Delegacia da Mulher e nem uma Casa da Mulher que nos garantam atendimento de qualidade e segurança”, anunciou na manifestação Verônica, militante do Movimento Olga em Campinas e técnica da Ocupação Maria Lúcia Petit Vive.

Conquista de acordo

Com a prefeitura ocupada, o movimento conquistou uma reunião com o vice-prefeito, marcada para o dia 13 de março. “Nossa luta foi vitoriosa, foram 2 horas de uma ocupação da prefeitura que deu resultados. Saímos com o compromisso de uma reunião depois do Carnaval e vamos lutar para garantir que a gente saia dela com a data em que vamos entrar na nova casa. A organização das mulheres foi imprescindível pois fizemos a prefeitura nos escutar, mas vamos seguir intensificar nossas mobilizações e construir um grande 8 de marçona cidade”, afirmou Fernanda Nogueira, militante do Olga.

Após a ocupação, a militância saiu em marcha panfletando e convocando as trabalhadoras e os trabalhadores de Campinas a construir um histórico ato de 8 de março na cidade. A população que acompanhou demonstrou apoio à luta realizada pelo movimento, como relata Graciele: “Sou de Recife e estou visitando uma familiar. Vi as bandeiras e não pude deixar de dizer que é muito importante a luta do movimento, temos que nos organizar e exigir nossos direitos mesmo”.

Mayara Fagundes, servidora de Campinas e militante da Unidade Popular, sintetiza: “Nossa luta é justa e o que estamos passando aqui é um reflexo do sistema que vivemos. Nossa luta não termina com a conquista de uma casa nova, nós lutamos pelo socialismo! Por isso está na ordem do dia construir um grande 8 de março e organizar centenas de mulheres para lutar pelo fim do capitalismo e pela construção do socialismo”.

Odijas: “Vivo pela vida e luto pela vida!”

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Assassinado sob tortura em 8 de fevereiro de 1971, Odijas Carvalho de Souza, é mais um exemplo de um jovem que abriu mão de um futuro individual para lutar por justiça e democracia em nosso país. O jornal A Verdade presta uma devida homenagem no ano em que ele completaria 80 anos.

Augusto Costa | Recife


HISTÓRIA – Odijas Carvalho de Souza nasceu em Atalaia, no estado de Alagoas, no dia 21 de outubro de 1945, filho de Osano Francisco de Souza e Anália Carvalho de Souza. Lembrado como um jovem cativante e alegre, foi eleito representante de turma logo no primeiro período, se tornando líder estudantil na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) onde estudou Agronomia, durante o regime militar.

As lutas do movimento estudantil enfrentavam grande perseguição pela ditadura, intervenções aos diretórios e centros acadêmicos (DAs, DCEs) e toda legislação proibitiva como o decreto 477, de 1969, que além de proibir manifestações estudantis e intervir nas entidades representativas, burocratizava de todas as formas os processos eleitorais, até proibir de vez todo o tipo de movimentação dentro das escolas e universidades. Era nesse cenário que Odijas decidiu enfrentar o regime.

Organizado no Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR)1, decidiu que sua luta iria para além do movimento estudantil. No ano de 1967 entrou para a ilegalidade, dedicando-se a luta através da única maneira que achava possível derrubar a ditadura e lutar pelo socialismo: pela resistência armada. Odijas rapidamente se tornou uma liderança regional. Consciente do real objetivo pelo qual lutava, repetia sempre aos seus companheiros a frase que segundo Chico de Assis, também militante do PCBR ao lado de Odijas, havia se tornado sua: “Vivo pela vida e luto pela vida!”

Sequestro e assassinato

Desde a sua entrada na clandestinidade, Odijas era perseguido por sua liderança, tendo desenvolvido atividades em Pernambuco e Ceará. Odijas foi sequestrado no dia 30 de janeiro de 1971, na praia de Maria Farinha (Paulista-PE), junto de Lylia da Silva Guedes, de 18 anos, também militante do PCBR, quando foi realizada uma operação em busca das lideranças do partido.

Levado à Delegacia de Segurança Social do Recife (DOPS/PE), foi brutalmente torturado desde seu primeiro dia de prisão, segundo depoimentos de outros presos na mesma ocasião, Odijas foi torturado desde as onze horas do dia 30, às quatro horas da manhã do dia 31 – dezessete horas ininterruptas de tortura. Ao todo, Odijas foi torturado por 1 semana consecutiva, sendo morto devido às torturas.

Segundo depoimento do preso político Alberto Vinícius de Melo “Na entrada para o corredor em que se encontram as celas, existe uma sala, e foi nela que durante praticamente 17 horas seguidas, os torturadores se revezaram na tentativa inútil de obter de Odijas informações que levassem à localização de seus companheiros de militância política. Apesar da existência de uma porta de madeira isolando a sala do corredor, chegavam até nós os gritos de Odijas, o ruído das pancadas e das perguntas cada vez mais histéricas dos torturadores. Durante esse período, Odijas foi trazido algumas vezes até o banheiro; lá, era colocado no chuveiro por alguns instantes para logo em seguida retornar ao suplício. Uma dessas vezes, já durante a noite, ele chegou até a porta da minha cela e pediu-me que lhe emprestasse uma calça, porque suas pernas, principalmente a parte posterior de suas coxas, estavam em carne viva. Os torturadores, animalizados, se excitavam ainda mais redobrando os golpes exatamente ali. Ele vestiu a calça e continuaram com as torturas. Num determinado momento, a nossa tensão, angústia e impotência eram tão grandes que Tarzan2, que estava aqui, resolveu contar os golpes e gritos sucessivos, lembro-me que a contagem passou dos 300!”

Odijas foi levado em estado de coma pelos militares ao hospital da Polícia Militar de Pernambuco no dia 06 de fevereiro – sete dias após seu sequestro. Estava com ossos fraturados, retenção de urina e vomitava sangue em decorrência das torturas incessantes, realizadas por cerca de 15 policiais, inclusive, vale destacar, participou dessa ação o investigador Luís Martins Miranda, apontado por participar do assassinato de Padre Henrique em 1969.

Farsa montada pelos fascistas

A divulgação da morte de Odijas só veio acontecer no dia 28 de fevereiro, nos jornais Diário da Noite e Jornal do Commercio, vinte dias após sua morte. O atraso não foi por acaso, foi o tempo necessário para montar uma história que nunca acontecera.

A versão divulgada pela impressa é que a polícia havia desmantelado dois aparelhos do PCBR, e que inclusive, nessa mesma operação que ‘prendeu’ Odijas, a polícia também havia capturado Tarzan de Castro e sua esposa Maria Cristina Rumel – Claro que, ignorando o fato de que Tarzan e Cristina haviam sido sequestrados meses antes pelos gorilas do IV Exército.

Ainda segundo a versão divulgada à época, a causa da morte de Odijas havia sido embolia pulmonar, evidentemente, o Sr. Ednaldo Paz de Vasconcelos, médico-tenente da Polícia Militar que consubstanciou o documento emitido pelo IML/PE sem qualquer perícia necroscópica no cadáver de Odijas, não mencionou em nenhuma linha as inúmeras marcas e ferimentos causados pelas seções de tortura evidentes em seu corpo desfalecido.

Mais: Odijas foi enterrado no cemitério de Santo Amaro (Recife/PE), como indigente, tendo seu nome grafado como ‘Ozias’ em clara tentativa de dificultar a localização de seus restos mortais, importante ressaltar que não foi o único que foi vilipendiado por essa manobra, apenas no cemitério em que foi enterrado, a Comissão Nacional da Verdade descobriu outros 8 militantes desaparecidos pelo mesmo modo de ocultação de cadáver.

Por memória, verdade, justiça, reparação e democracia!

Nenhum dos assassinos de Odijas Carvalho de Souza foi punido. A ditadura militar tinha esses nomes guardados sob suas asas, o regime democrático burguês se mostrou incapaz de levar a esses monstros com pele de homem a punição devida. Talvez, ainda hoje, os filhotes da ditadura que se encontram à frente de prefeituras, governos estaduais e comandos militares. Por seu exemplo, Odijas foi eleito patrono do Diretório Central dos Estudantes da UFRPE, além de diversas ações promovidas pela militância da UJR quando estava à frente do movimento estudantil da UFRPE:

  • Agosto de 2009: é inaugurada uma placa em homenagem à Odijas na sede do DCE-UFRPE;
  • Outubro de 2012: a Comissão da Verdade de Pernambuco realiza audiência pública para apurar a morte do militante;
  • Novembro de 2012: Odijas é rematriculado na UFRPE;
  • Outubro de 2013: o atestado de óbito de Odijas é retificado, tirando a causa de “embolia pulmonar” para a verdadeira causa da morte: “homicídio por lesões corporais múltiplas decorrentes de atos de tortura”. Esse ato de reparação foi encaminhado a justiça pela Comissão estadual da Verdade de Pernambuco em julho de 2013, em nome da viúva de Odijas, Ivone Lourenço;
  • Julho de 2016: a banda serra-talhadense “Doppamina”, composta por ex-estudantes da Unidade Acadêmica da UFRPE em Serra Talhada, lança a música “Sob a Resistência”, homenageando Odijas e o Movimento Estudantil da UFRPE.

Odijas foi assassinado com apenas 25 anos. Trabalhou como vendedor de livros e professor particular para sobreviver, filho da classe trabalhadora, era mais um jovem que abriu mão de uma carreira promissora para defender a verdadeira democracia e o socialismo. Hoje, ao vermos que o Diretório Central dos Estudantes que leva o seu nome se encontra fechado, ainda mais no ano em que Odijas completaria 80 anos de vida, nada mais justo do que homenageá-lo reabrindo essa importante entidade e a devolvendo aos estudantes.

Odijas Carvalho, Presente!


1 Dissidência do Partido Comunista Brasileiro, organizado por Mário Alves, Jacob Gorender e Apôlonio de Carvalho em 1968, após terem suas teses derrotadas no IV Congresso do PCB.

2 Tarzan de Castro, dirigente regional do PCBR, na ocasião do assassinato de Odijas, se encontrava encarcerado pela repressão.

8 de Março: mulheres nas ruas contra a violência, a fome e o fascismo!

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No próximo dia 8 de março, mulheres e movimentos sociais de diversas regiões do Brasil sairão às ruas para protestar contra a violência de gênero, a desigualdade social e a ameaça de retrocessos nos direitos das mulheres.

Coordenação Nacional do Movimento Olga Benario


MULHERES – No próximo 8 de Março, mulheres de todo o Brasil se unirão nas ruas para lutar contra a violência, a fome, o fascismo, o genocídio palestino e em memória das que tombaram na luta por um Brasil democrático e socialista durante a ditadura militar. O Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, celebrado como marco na emancipação feminina, ocorre em um cenário de crise do capitalismo, ascensão de ameaças fascistas e guerra global que desafia a dignidade humana.

O Governo Bolsonaro espalhou a ideologia fascista, com tentativas de golpe e ataques à democracia e aos direitos das mulheres. Hoje, enfrentamos a PEC 164/2012, que proíbe o aborto nos casos previstos por lei. Diante disso, é urgente fortalecer a organização das mulheres contra a agenda reacionária que visa a retroceder conquistas essenciais.

O Brasil ocupa a triste posição de 5º país no ranking mundial de feminicídios. Diariamente, ao menos quatro mulheres são assassinadas por serem mulheres, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A violência contra as mulheres, especialmente negras e periféricas, está enraizada em um sistema capitalista e patriarcal. Além disso, enfrentamos a falta de creches, aumento dos preços de alimentos e itens básicos, e desigualdade salarial – com as mulheres ganhando 20% a menos que os homens, mesmo realizando as mesmas funções.

Essa realidade é parte do projeto da burguesia, que amplia seus lucros à custa da exploração das mulheres trabalhadoras. Violências físicas, econômicas e psicológicas, assim como a violação de direitos, funcionam como mecanismos de controle e dominação.

A violência de Estado não se limita ao Brasil. O genocídio palestino, intensificado pelo Exército de Israel e financiado pelos EUA, já resultou em cerca de 60 mil mortes, em sua maioria, mulheres e crianças, como aponta o Ministério da Saúde da Palestina. Segundo Reem Alsalem, da ONU, “os ataques de Israel às mulheres palestinas são parte de uma estratégia sistemática de genocídio”. As agressões contra as mulheres palestinas, incluindo ataques à capacidade reprodutiva e destruição de hospitais, visam a aniquilar não só a vida, mas a continuidade do povo palestino. 

Devemos lutar como as mulheres palestinas, que, mesmo sob os escombros de sua terra e a ameaça das bombas, seguem na luta para reconstruir seu país, liderando iniciativas de construção de hospitais, escolas e centros de apoio psicológico.

Marcharemos em nome das mulheres que tombaram nas mãos do Estado, seja pela violência direta, pela negligência ou em defesa de seu povo. Marcharemos por Preta Zeferina, Tereza de Benguela, Helenira Resende, Inês Etienne, Soledad Barrett, Olga Benario, Sarah Domingues, Edineia Ribeiro e Janaína Silva.

Portanto, o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora de 2025 será muito mais do que uma data simbólica. É um chamado para construir uma jornada de lutas que traga novas possibilidades de vida para as mulheres e toda a classe trabalhadora. Em um cenário de adversidades, a mobilização das mulheres continua a ser um farol de esperança e uma força essencial para a construção do socialismo no Brasil e no mundo.


Matéria publicada no jornal A Verdade impresso edição nº 307

“A única coisa que eu quero é justiça, porque a Polícia matou um inocente!”

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A mãe do jovem Gabriel Ferreira Messias da Silva, assassinado pela Política Militar em São Paulo, Fernanda, denuncia a execução do filho, que não estava armado. Em 2023, as polícias mataram 6.393 pessoas no país, sendo 82,7% delas negras, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Larissa Mayumi e Catarina Matos | Coordenação Nacional Olga Benario


MULHERES – “Meu filho é trabalhador! Meu filho não tava fazendo nada, ele tava andando de moto. A única coisa que eu quero é justiça, porque mataram um inocente, tiraram a vida de um menino de 18 anos. Ele é trabalhador, ele é inocente. Foi a Polícia que matou. O meu filho tava vindo de moto e fizeram boletim de ocorrência. A Polícia informou que meu filho tava armado, mas meu filho nunca pegou numa arma. Eu só quero justiça pela vida do meu filho! Pra que outras mães não chorem o que eu tô chorando hoje.” 

Este foi o relato da Fernanda, mãe de Gabriel Ferreira Messias da Silva, um jovem de 18 anos, assassinado pela Polícia Militar em São Paulo (SP), em dezembro passado. Assim como Fernanda, milhares de mães brasileiras passaram a viver o luto e a revolta de perderem seus filhos assassinados pela polícia. Somente no ano de 2023, foram 6.393 mortes por policiais no Brasil, sendo 82,7% das vítimas pessoas negras, de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de mortes pelas mãos da Polícia triplicou em 10 anos.

A Bahia, governada por Jerônimo Rodrigues (PT), foi o estado com mais assassinatos, 1.699, somente em 2023. Para aprofundar essa violência de Estado, o governador comprou 200 fuzis de Israel, gastando quase R$ 1,8 milhão. Uma das principais justificativas é que as vítimas eram bandidos, que foram conflitos com troca de tiros de ambos os lados, quando, na verdade, muitas das pessoas assassinadas não estavam armadas.

Assim demonstra Marília, moradora da Ocupação Carlos Marighella, em Salvador: “Eu me sinto muito triste, porque toda vez que eu vejo uma notícia como esta passando na TV, lembro do meu irmão mais novo e do meu primo, que foram mortos pela Polícia Militar. É como se eu tivesse revivendo aquele momento. É revoltante a gente saber e ter a certeza que isso irá sempre se repetir na vida dos nossos jovens negros e periféricos”.

Já no Estado de São Paulo, governado pelo fascista Tarcísio de Freitas, vários casos têm ganhado repercussão, como o caso de Ryan da Silva, de 4 anos, que foi baleado pela Polícia Militar. Somente nos primeiros meses de 2024, o estado teve um aumento de 78,5% das mortes por policiais em serviço, se comparado com esses mesmos meses do ano anterior. Foram 441 mortes contra 247, entre janeiro e agosto (Instituto Sou da Paz). Mesmo assim, o governador defende o aumento de armamento da Guarda Civil e do uso da violência, como ficou claro nas Operações Verão e Escudo, realizadas na Baixada Santista e que acumularam quase 90 pessoas mortas. Além disso, uma de suas propostas para a educação é a militarização das escolas.

Somada às mães que perderam seus filhos na mão da Polícia, está Claudineide Seixas, de Alagoas, que perdeu seu filho Jonas Seixas, um trabalhador, pedreiro, sequestrado por policiais militares e está desaparecido desde 2020, seu corpo nunca foi encontrado. “Foi muito difícil! Ele era meu amigo, ele era meu filho! Ele era aquele filho apegado, era um bom dono de casa, um pai excelente. Eu queria respostas, eu queria saber por que levaram ele, eu queria saber o que fizeram com ele, onde ele tá? Cadê esse mandado de prisão que nunca apareceu?”, questiona Claudineide.

Já Luciana Oliveira, de Sergipe, teve seu filho, Wagner Junior, assassinado pela Polícia Militar no início do ano passado. Luciana transformou seu luto em luta e, junto a outras mães e pais, constrói o coletivo Saudade. “O grupo foi criado para encorajar outras famílias. Para poder fazer a denúncia da Polícia do nosso estado. Para encorajar muitas famílias que têm medo de enfrentar isso que vem acontecendo: eles matando os nossos adolescentes e fingindo falsos confrontos. Confrontos esses que só existem da parte deles”, explica. Ainda sobre o assassinato de seu filho, Luciana acrescenta: “Meu filho Wagner só tinha 18 anos e teve sua vida ceifada com quatro tiros no peito. Que confronto foi esse que meu filho já estava rendido de joelho? E mesmo assim foi executado?!”.

Basta de militarização

Os relatos das mães que perderam seus filhos mostram uma das trágicas consequências do aumento da violência do Estado. Nesse período de crise econômica, uma das propostas dos grandes ricos e seus parlamentares é o aumento das operações policiais e a militarização das Guardas Civis.

Se quem está no poder realmente se importasse com a segurança, o Estado deveria intervir nos grandes bancos que lavam dinheiro, ver efetivamente onde são produzidas as drogas (pois as drogas andam de jatinho, em avião da Força Aérea Brasileira). Aumento da ostensividade policial não resolve o problema, porque já vivemos num Estado extremamente armado.

A solução para os problemas que aumentam a violência passa por moradia digna, acesso à educação pública e de qualidade, emprego digno, cultura e lazer. Mas não só. A superação da sociedade capitalista deve estar no horizonte de cada trabalhadora e trabalhador, jovem, dona de casa, enfim, daqueles que produzem as riquezas e têm o direito de usufruir delas.


Matéria publicada no jornal A Verdade impresso na edição nº 307

CARTA | É preciso lutar por uma reforma urbana de verdade

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Apesar dos milhões gastos em propaganda política veiculada pela prefeitura do Recife, e sem investir em reforma urbana, os bairros periféricos e o povo trabalhador sofrem com problemas antigos, como alagamentos em dias de chuva. Aqui um relato sobre as dificuldades enfrentadas pelas famílias moradoras do habitacional Ruy Frazão, condomínio dirigido pelo MLB na capital pernambucana.

Chico Mello | MLB Recife


CARTA –Na madrugada do último dia 28/01, famílias moradoras do Condomínio Residencial Ruy Frazão, conjunto habitacional localizado no bairro de Afogados – Recife (PE) e conquistado por meio de décadas de lutas do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, tiveram seus apartamentos alagados por fortes chuvas e esgoto. Foi mais uma noite de apuros para as centenas de famílias que, nas épocas de chuvas, perdem o sono e a tranquilidade ao ter dezenas de eletrodomésticos, móveis, alimentos e outros itens essenciais perdidos, além dos riscos à saúde trazidos pela contaminação do próprio esgoto.

Afogados é um histórico bairro operário popular e periférico, e mais uma região abandonada pelo descaso da prefeitura e do poder público. Falta de saneamento e escoamento dos canais e dutos, bueiros entupidos, lixo acumulado e ruas sem asfalto são alguns dos problemas exaustivos enfrentados pela classe trabalhadora, especialmente em épocas chuvosas.

Para piorar, o Habitacional Ruy Frazão, teve seu financiamento público subsidiado à construtora Exata Engenharia, empresa privada que deveria ser responsável pela construção do projeto, além de sua manutenção, mas, na prática, desde a inauguração do habitacional, há várias queixas e denúncias de problemas estruturais como rachaduras, infiltrações, retenção excessiva de calor, goteiras e desníveis. Além das constantes faltas de água e luz, problemas que escancaram os projetos de privatização de empresas públicas estratégicas aos serviços básicos necessários à população tem sido apresentados ao MLB, que dirige o condomínio com uma proposta de direção coletiva, ouvindo os moradores e organizando as demandas por meio de assembleias em uma gestão democrática.

Com o descaso da Exata Engenharia, as fortes chuvas dificultaram ainda mais a vida dos moradores do residencial. A empresa, por sua vez, não demonstra o menor interesse em resolver o problema na estrutura dos apartamentos. Para piorar, o descaso é tão grande por parte da prefeitura, que se quer cobertura de Agentes Comunitários de Saúde para os moradores do residencial tem, mesmo o Ruy Frazão tendo sido construído por meio do Minha Casa Minha Vida.

João Campos (PSB), prefeito milionário de Recife, se preocupa bastante  com propagandas, mas o Recife fora da propaganda é marcado por violência, péssima estrutura, um transporte público precário e um déficit habitacional terrível. Quem paga o preço são os mais pobres. A governadora Raquel Lyra, responsável pela Companhia Estadual de Habitação (CEHAB), da mesma maneira foge à responsabilidade de prestar serviços à população, garantindo privilégios de banqueiros e grandes empreiteiras com prestação de contas que fecham o ano “no azul” por não ter cortado o orçamento necessário aos investimentos essenciais para o povo trabalhador.

Essa situação demonstra que dentro do sistema em que vivemos não basta conseguir o tão sonhado pronto da casa própria. É preciso ser consequente, defender um outro projeto de sociedade, uma verdadeira reforma urbana e cidades que no lugar de nos matar e nos deixar vivendo com medo dentro de casa seja uma realidade para todos os brasileiros.

Esta nota de repúdio ao descaso dos governantes chama à responsabilidade a Prefeitura do Recife e a Exata Engenharia pelos danos causados às nossas moradias, e também chama à luta trabalhadoras e trabalhadores, para nos organizarmos juntos nas fileiras do MLB, construirmos o poder popular e o socialismo, uma nova sociedade onde a própria classe trabalhadora terá condições de decidir os rumos da nação, garantir o direito à cidade, à moradia e trabalho dignos e eliminar a exploração capitalista do déficit habitacional.

Após 1 ano, assassinos de Pedro Henrique permanecem impunes

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Em fevereiro do ano passado, o jovem de 18 anos foi alvejado na cabeça pela Polícia Militar de Santa Catarina, na frente dos próprios pais. A família de Pedro Henrique continua na luta pela punição dos responsáveis.

Redação SC


Por volta das 21h30 do dia 26 de fevereiro de 2024, após ter sido baleado na cabeça pela Polícia Militar de Santa Catarina, o jovem de 18 anos Pedro Henrique Zaninotti de Souza, o PH, deu entrada no Hospital e Maternidade Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí (SC). Depois de 4 dias internado, Pedro Henrique não resistiu aos ferimentos e faleceu.

Os PMs responsáveis pelo assassinato declararam a um jornal local, na primeira das várias versões apresentadas, que o tiro disparado na cabeça do jovem foi acidental. Também afirmaram que, mesmo que houvesse intenção, considerariam a ação como legítima defesa, pois segundo eles, houve luta corporal. 

Em declaração ao jornal A Verdade, um dos familiares da vítima negou a versão dos policiais: “O sentimento é de injustiça e impotência, a mídia da região retratou de forma totalmente mentirosa o acontecido. Trataram o menino como um bandido e levaram como base o depoimento da polícia, que depois foi desmentido pelo vídeo da câmera de segurança da casa. Eles não sabiam que tinha câmera de segurança na casa quando deram o primeiro posicionamento. A maior parte da mídia da região tratou o menino como um bandido, o que não é verdade”.

Polícia Militar, mídia burguesa e Estado têm sangue nas mãos

A câmera, que registrou a entrada de vários policiais no terreno, mostra a ação truculenta e a facilidade com a qual um único policial, com arma em punho, arrasta Pedro do quintal para a calçada da rua e realiza o disparo. Após isso, houve uma mudança na versão apresentada pela polícia, o que escancara a tranquilidade dos algozes em apresentar as versões que melhor os convém, pois sabem que a justiça burguesa só pune os trabalhadores pobres das periferias.

Grande parte da mídia da região, comprometida com os interesses dos ricos, tomou como verdade as declarações da Polícia Militar. O motivo do assassinato teria sido porque Pedro Henrique estava empinando sua moto pelas ruas do bairro, em Camboriú, cidade da região do Vale do Itajaí, e supostamente teria desrespeitado a abordagem da PM.

Segundo o raciocínio da polícia, esse é um motivo suficiente para tirar a vida de um jovem na frente dos próprios pais. 

A família busca por justiça através do Ministério Público, mas o órgão demora a dar andamento ao caso e até agora não houve punição aos envolvidos. Em uma sociedade de classes, dominada por uma minoria de ricos e onde os juízes não são eleitos pelo povo, a justiça também tem um lado.

Justiça por Pedro Henrique

Em Santa Catarina, a total parcialidade da “justiça” brasileira foi escancarada com o icônico jantar promovido pelo fascista Luciano Hang, dono das lojas Havan, investigado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), no qual os convidados eram os próprios desembargadores do TJ-SC, os quais podem ser destacados para analisar os casos que envolvem o empresário. 

Outro exemplo, também no estado catarinense, é o de Sônia Maria de Jesus, mulher negra que há mais de 40 anos é mantida em regime de escravidão na casa do desembargador Jorge Luiz de Borba.

No Brasil, a grande maioria dos assassinatos cometidos pela polícia atingem jovens moradores de bairros pobres, como PH, que têm seus direitos negados cotidianamente. Como reivindicam as famílias que lutam pela memória de seus entes queridos, a única forma de prevalecer a justiça por Pedro e também pelos milhares de jovens diariamente violentados pelo Estado é exigindo o fim da Polícia Militar e garantindo a punição dos assassinos de ontem e de hoje.

No capitalismo, quem controla o Estado, a polícia e os juízes são os mesmos ricos e poderosos que lucram e se beneficiam com o genocídio e a miséria do povo. Por isso, para as reivindicações das famílias se concretizem, se torna ainda mais necessário lutar para destruir esse sistema e construir o socialismo, onde o Estado estará sob o controle dos trabalhadores.

Ualid Rabah: “É genocídio e propaganda de guerra”

Leia entrevista exclusiva do jornal A Verdade com Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal), sobre os recentes desdobramentos do cessar-fogo e os próximos passos da luta do povo palestino

Rafael Freire | Redação


A Verdade entrevistou, com exclusividade, o advogado Ualid Rabah (58 anos), presidente da Federação Árabe Palestina no Brasil (Fepal), no dia 02 de fevereiro, durante a Bienal da UNE, em Recife (PE). Ele fez questão, inclusive, de ressaltar “a importância dos meios de comunicação não-hegemônicos para denunciar os crimes de Israel e caracterizá-los como genocídio e propaganda de guerra. Hoje, 70% da população brasileira rejeita o genocídio por isso”.

“Desde outubro de 2023, eu já visitei presencialmente mais de 200 locais no país inteiro para denunciar a perseguição histórica ao povopalestino. De maneira online, já perdi as contas. Conseguimos romper com a lógica de que para debater a questão palestina é necessário chamar um sionista, o suposto ‘ouvir os dois lados’“, relata.

Rabah e seus irmãos nasceram no Brasil, filhos de pai e mãe palestinos da Cisjordânia, que sempre mantiveram laços com sua terra natal (incluindo o uso da língua árabe), mesmo sem retornar a ela por quase 40 anos.

A Verdade – Cessar-fogo em Gaza, mas, ao mesmo tempo, seguem os assassinatos e as prisões na Cisjordânia. Já são mais de 100 mortos nas últimas semanas. Como explicar essa contradição?

Ualid Rabah – É porque, de fato, nós estamos discutindo uma realidade na Palestina que já tem vários cessar-fogo desde, pelo menos, de 2009 para frente. Então é o seguinte: a ocupação de Gaza é uma ocupação à distância por bloqueio. O que é uma ocupação? É o controle dos seus movimentos, o impedimento de você utilizar o seu espaço aéreo, o seu espaço marítimo, você não ter controle nas fronteiras, e você ser atacado. É haver controle do ingresso de comida, de medicamentos, material de construção, a totalidade daquilo que significa tornar habitável um território.

A Cisjordânia não aparenta isso, mas ela também está sob esse domínio. Ou seja, os palestinos têm uma governança na Cisjordânia em algumas partes de concentração urbana, e o restante, as estradas, os postos de controle militar estão ali dentro. Os colonos estão se tornando cada vez mais uma milícia que promove pogroms [ações de limpeza étnica], já são mais de 700 mil.

O controle das fronteiras terrestres é de Israel, o controle do espaço aéreo é de Israel. Os palestinos não têm acesso marítimo, portanto, ele é negado aos palestinos, e devem, em consonância com Israel, por exemplo, exportar pelos portos outrora palestinos que foram israelizados, Haifa, por exemplo, que fica no Mediterrâneo, na Galileia.

A distinção é que, neste momento, Gaza passa por um grande extermínio para deslocar essa população. Se você for pegar como aconteceu entre 1947 e 1951, quando Israel se faz pela força na Palestina, tomando 78% do território, desta porção tomada foram eliminados 88% da população. Esta limpeza étnica não foi promovida em Gaza, mas sim no restante da Palestina. Israel é um projeto colonial.

Eles já estão repetindo agora em Gaza. A diferença é que Gaza hoje vive um genocídio a céu aberto, televisionado. Hoje, essa limpeza étnica do século passado é superada pelos 91% de deslocados em Gaza. Naquele momento, foram 15 mil mortos. Agora, estamos falando de 60 mil mortos.

Naquele momento, houve 774 localidades palestinas invadidas, com 531 destruídas (70% de destruição). Agora, estamos falando em até 92% de residências destruídas em Gaza, num território muito pequeno, pouco maior que o Recife, por exemplo.

Segundo, a matança em escala industrial de mulheres e crianças. Isso, sim, é diferencial. A matança de mulheres (as mulheres grávidas podem ser 10% das que foram exterminadas), o aumento de 300% do aborto involuntário, perto de 60 mil mulheres palestinas que darão à luz nos próximos nove meses, sem considerar as que deram à luz neste período todo, que nós não sabemos ainda quais são as consequências da guerra, da toxicidade desse território, e a eliminação de quantidades industriais de crianças, a maior da história. Quase 10 mil por milhão de habitantes, contra 2.813 na Segunda Guerra Mundial, em seis anos, por milhão de habitantes naquele momento. Isso significa a tentativa de esterilização da sociedade palestina.

Quando você elimina ventres e elimina o que saiu anteontem dos ventres, você está tentando colapsar a capacidade reprodutiva de uma sociedade inteira. Este é um grande diferencial. Todo o resto diz respeito à ocupação e ao projeto sionista desde o século 19, até o final dele, que é tornar a Palestina sem palestinos.

Portanto, os métodos podem ser diferentes de tempos em tempos. Para o restante da Palestina, foi um extermínio na mesma escala que acontece praticamente hoje em Gaza. Agora, está acontecendo o que aconteceu antes, porque há uma tentativa de continuar o processo de limpeza étnica.

Trump tem defendido abertamente tomar Gaza e expulsar os palestinos para outros países árabes. Quais os planos do imperialismo para o Oriente Médio? Quais os interesses econômicos?

A ideia de Trump é eliminar um milhão e meio de palestinos de Gaza para irem para outros lugares, uma limpeza étnica que pode superar 2 milhões de palestinos. Isso é para, novamente, reequilibrar, na mentalidade insana dos sionistas, a demografia em favor dos judeus, para haver maioria judaica, e, sob esse pretexto, continuar reclamando o direito à autodeterminação dos judeus em toda a Palestina.

Esses são os contornos, e o processo de limpeza étnica é para todo o território. Por fim, há uma tentativa (e Trump já tinha anunciado isso no seu primeiro mandato e vai continuar agora) de que os palestinos refugiados (73% da população de Gaza é refugiada de 1947 a 1951, com seus descendentes, claro) não tenham direito de retorno, seja anulada, revogada, a Resolução 194 da ONU, de 11 de dezembro de 1948, de retorno dos refugiados. Por isso, o ataque à UNRWA,  agência especial das Nações Unidas para os refugiados palestinos, para que ela deixe de prestar assistência, para que os palestinos deixem de ter escola, enfim, uma vida normal.

Por isso, o ataque privilegiado aos refugiados em Jenin, em Tulkarem, em Hebron, sair de Jerusalém, onde há até 100 mil palestinos refugiados, tudo isso é um processo de limpeza étnica. Por isso, o ataque aos campos de refugiados palestinos fora da Palestina, como foi no Líbano, nos anos 1970 e em 1982; como foi no campo do Yarmouk, com os aliados de Israel, com os degoladores que urravam enquanto degolavam pessoas, tudo isso é um plano de extermínio dos palestinos.

Sobre o aspecto econômico, não é apenas a maior reserva de gás e petróleo do mundo em toda a região, mas é também a mais importante conexão geográfica e marítima do mundo em todos os tempos, até os dias de hoje. Só para nós termos uma ideia, Gaza tem, na sua costa mediterrânea, a norte da Faixa de Gaza, uma reserva gasífera de 600 bilhões de dólares.

Estamos falando do controle do Mar Vermelho, do Chifre da África e de Bab-el-Mandab, que sai para o Mar Índico, sai para o Mar Arábico, vai para o Pacífico, vai por Ormuz, entra no Golfo Pérsico. Nós estamos falando do controle da saída do Mar Negro para o Mediterrâneo, que é da Turquia, e o controle do Mar Negro é, em grande medida, dos russos.

Nós estamos falando do projeto que é um canal ligando o Golfo Pérsico ao Mar Cáspio, um canal que vai passar por território iraniano, e um outro canal, no Mar Cáspio, unindo o Mar Negro. Esta conectividade deixa de ser ocidental, por isso que estão intimamente conectadas as ações da Otan e dos Estados Unidos, notadamente, na Ucrânia, do extermínio dos palestinos. Isso está em jogo, é uma guerra contra um mundo multilateral que insiste em tentar existir, não sem contradições, evidentemente, não há que se infantilizar nada disso, e isso é uma parte dessa leitura necessária.

Com o cessar-fogo, veio a libertação de milhares de presos palestinos das masmorras de Israel. Alguns beirando 40 anos de prisão, outros crianças praticamente, adolescentes. Que tipo de tratamento receberam e como as organizações palestinas pretendem agora cobrar justiça perante os tribunais?

Primeiro que o cessar-fogo não muda a informação e a investigação do crime de genocídio. O cessar-fogo não anula as investigações do Tribunal Penal Internacional, que, aliás, vêm desde 2021, quando a primeira petição da OLP [Organização para a Libertação da Palestina] e da Autoridade Palestina são admitidas por estarem legitimados para tanto. E finalmente o mandado de prisão não apenas para o Netanyahu.

Segundo, nós estamos falando da troca de sequestrados palestinos por apreendidos israelenses. E o cessar-fogo está sendo traduzido pela mídia hegemônica ocidental como se o objetivo fosse o próprio cessar-fogo. Na verdade, não é isso. Estamos falando também que Israel sequestrou, nessa fase do genocídio, 18.700 palestinos. Já havia 6 mil antes.

Quer dizer, que troca de prisioneiros é essa em que o ocupante produz um estoque no seu almoxarifado de presos e depois troca um tanto libertando alguns que estão sendo libertados depois de 40 anos, 50 anos, alguns deles inválidos ou libertados para morrerem apenas?! Nós precisamos que isso seja alterado. Precisamos que haja a libertação de todos os palestinos incondicionalmente, especialmente do “Mandela Palestino”, Marwan al-Barghouti, que é o único que tem unanimidade para um governo futuro de unidade nacional.

Vejam a qualidade dos que estão sendo libertados na posição de apreendidos e que ficaram esse tempo todo em Gaza, mesmo sob ataque. A qualidade com que eles saem absolutamente inalterados desde o dia em que são apreendidos e veja como saem os sequestrados palestinos das masmorras israelenses. Saem como semivivos. Então essa é a distinção, isso também é um parâmetro de definir o que é civilizatório e o que é barbarizante.

Como foi possível resistir e sobreviver por 15 meses em Gaza bombardeada, sem infraestrutura, sem hospitais, sem residências? Como as pessoas se alimentavam? Como elas dormiam? O lixo que era produzido, esgotos, resíduos… Como que foi possível sobreviver em condições tão duras, diante de cadáveres, diante do luto das famílias?

As pessoas sobreviveram com 10% a 20% do que consumiam. Antes de Israel iniciar essa fase morticida, entravam até 600 caminhões por dia em Gaza, não apenas com a chamada ajuda humanitária, com o fluxo normal de comércio pelas alfândegas, etc. Isso poderia ser mais porque Israel limita a entrada daquilo que eles acham que é certo, veja só a ousadia de Israel e a sua degeneração: a entrada de alimentos em Gaza estava restrita à quantidade mínima de calorias necessárias para um ser humano. E passou a entrar, em alguns momentos, apenas 60 caminhões, ou seja, 10%.

As pessoas consumiram seus estoques, as pessoas consumiram grama, as pessoas consumiram o que tinham plantado para vender, ou seja, não sobrou mais plantações em Gaza, não sobrou mais absolutamente nada, e as pessoas estão raquíticas e doentes.

Isso é absolutamente desumano. E nós também não podemos negligenciar uma coisa muito importante: qual que era o objetivo de Israel e dos Estados Unidos? Era que o Egito abrisse as fronteiras para tirar de Gaza toda a população e, assim, tomar o território.

Entre 1948 e 1949, houve uma tentativa de obrigar o Egito a abrir as suas fronteiras para receber o máximo de refugiados, que ainda hoje estão em Gaza. Portanto, se fossem para o Egito, não voltariam mais. Então, houve uma pressão muito grande no começo desse extermínio para que o Egito abrisse suas fronteiras, e o Egito resistiu.

Na grande limpeza étnica de 1947 a 1951, a Nakba, houve um momento em que se pressionou o Egito e, mesmo sob o Rei Farouk, naquele momento (não era ainda o presidente Gamal Nasser), o Egito resistiu e não aceitou, mesmo sob forte pressão britânica.

Assim como aconteceu com aqueles que foram para a Síria, para a Jordânia e para o Líbano, não puderam voltar até hoje, por isso, 4,2 milhões de palestinos, refugiados e seus descendentes, estão fora das fronteiras da Palestina histórica. 72% da população de Gaza é a refugiada de 1948 e outro tanto equivalente a 25% está como refugiado na Cisjordânia, em vários acampamentos de refugiados, alguns, inclusive, em Jerusalém Oriental.

Então, ao impor esse grau de matança, destruição, fome, sede e os feridos em quantidades industriais, quase 5,5% da população de Gaza, perto de 120 mil feridos, quase toda ela mutilada ou ferida gravemente, era para provocar um grande êxodo. Esse era o propósito. O êxodo, ao não acontecer, malgrado essas condições todas, é que permite agora essa grande marcha de retorno dos palestinos. Uma parte do insucesso de Israel está nesse objetivo de limpar etnicamente que não foi alcançado.

Claro que a política geral de Israel é aquela política que eles chamam, de tempos em tempos, de “aparar a grama”. Quer dizer, de tempos em tempos, destruir e impedir as condições normais de habitabilidade de Gaza e exterminar uma parte da sua população. Se nós considerarmos os que já morreram, os que morreram direta ou indiretamente, neste tempo todo, os que fugiram de Gaza por não poderem ficar ali desde 2008, 2009, nós podemos estar falando de até 600 mil palestinos que morreram direta ou indiretamente, ou saíram para não voltar.

Quais os próximos passos da luta palestina, tanto no território, a partir de suas organizações, quanto desse trabalho que a Fepal e outras organizações têm feito? Qual o papel da solidariedade internacional?

Bom, primeiro de tudo, os palestinos foram capazes de mostrar para o mundo, mesmo sob extermínio, o que é Israel. Isso não é pouca coisa.

Então, esse é um dado fundamental, é importante. Como é que o povo palestino resiste? Primeiro, ficando lá, construindo estruturas, construindo negócios, construindo casas, mantendo sua presença, mesmo sob ocupação, como entidade política, a OLP e a Autoridade Palestina, mantendo suas presenças na ONU, nas organizações internacionais, porque a resistência é um conjunto de elementos. Quando se considera a Palestina um país apto a estar no Tribunal Penal Internacional e, graças a isso, a Palestina pode peticionar no TPI e, com isso, obter um mandado de prisão contra os sionistas, isso é um ganho.

Quando você tem embaixadas no mundo todo, quando você tem 151 países que te reconhecem, ou seja, política, diplomacia, resistência armada, manutenção da vida no terreno, tudo isso é resistência. Mas, se nós chegarmos ao fim disso, sem alcançar aquilo que conquistamos em Pequim, sob mediação chinesa, a reconciliação palestina de todas as forças e a construção de um governo de unidade, inclusive neste momento emergencial, que some o Fatah e o Hamas, todas as demais forças da Palestina, historicamente falando da OLP, todos eles estarem na OLP, chamando eleições em todos os níveis, porque nós não temos eleições para presidente na Palestina desde 2005, desde a morte de Arafat, e não temos em Gaza desde 2006.

Nós não teremos uma vida normal sem isso. Então, se nós não chegarmos ao final deste processo com um governo de unidade nacional e reconciliação, Israel terá vencido. Se nós tivermos, por outro lado, alcançado isso, Israel terá sofrido uma derrota estratégica.

Este é o papel do povo palestino lá. O papel da diáspora fora da Palestina. Nosso papel aqui, pela Fepal, por exemplo, é construir informação fidedigna em tempo real, não apenas informar, mas formar, qualificar o discurso, buscar aliados, aliados em todos os campos, não apenas em um campo restrito, porque contra o genocídio, contra o extermínio, todo ser humano, seja ele de que vertente política for, tem o direito de ser informado e conquistado para isso. E ele tem o direito de aderir à repulsa ao genocídio. E tem o papel da solidariedade.

A solidariedade, evidentemente, não substitui a vontade palestina. Mas a solidariedade é importantíssima, porque ela é que soma aquela parcela de multidões do mundo que derrotaram, por exemplo, o nazismo. Porque o nazismo não foi derrotado apenas belicamente.

É claro que os Estados Unidos têm impedido que isso aconteça pressionando seus aliados. Hoje, por exemplo, a esmagadora maioria dos países europeus se abstém do reconhecimento do Estado palestino. Há um veto que impede isso.

Se não tivesse o veto dos Estados Unidos, a Palestina seria reconhecida integralmente. Então, nós pedimos que o povo palestino mantenha sua resistência.

Nós cumprimos o nosso papel como entidade geral, representando a comunidade palestina, que no Brasil deve ter aproximadamente 200 mil membros com seus descendentes.

E que a solidariedade cumpra esse papel fabuloso. É isso que a gente espera. Tenho confiança na vitória.