UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

domingo, 24 de agosto de 2025
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Nasce a Ocupação Chaguinhas na Capital de São Paulo

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Nasce a Ocupação Chaguinhas na Capital de São Paulo, denunciando a falta de moradia e o preço abusivo dos aluguéis, a alta do preço dos alimentos, a jornada exaustiva de trabalho e o direito à moradia digna.

Redação SP | São Paulo (SP)



(…)
Mas veja ainda estou aqui
Mas veja…
São Paulo meu,
Esse não mais é um outro adeus
Dias e dias se foram sei.

Paulicéia desvairada me acordou.
Na voz dos meus, desfilo esse lamento.
Pranto de outros tempos.
Quando a corda se rompeu.
Lembrança de tempos inglórios.
Que um dia se quis esquecer.
História de negros despertos.
Que um dia ainda hão de rever.
(…)

Rua da Glória. Aloysio Letra

Desde a noite da última quinta-feira (20), cerca de 80 famílias sem-teto ocuparam um prédio abandonado há mais de 10 anos na capital de São Paulo, denunciando a falta de moradia e o preço abusivo dos aluguéis, a alta do preço dos alimentos, a jornada exaustiva de trabalho e o direito à moradia digna.

A Ocupação Chaguinhas, homegeia Francisco José das Chagas, homem preto, trabalhador, que atuando como cabo do primeiro Batalhão dos Caçadores de São Paulo, liderou uma das grandes revoltas da época, organizada para lutar pelo aumento dos salários. A grande mobilização, protagonizada pelos negros militares, foi duramente reprimida pelo Estado Brasileiro, que condenou Chaguinhas a morte.

No dia de seu enforcamento, a corda arrebentou três vezes, mas o povo estava ao seu lado e clamou por liberdade. Com medo da revolta popular, o Estado assassinou o líder do levante à pauladas, gerando ainda mais revolta e clamor popular.

A luta de Chaguinhas segue viva hoje nas famílias da Ocupação Francisco José das Chagas, em cada trabalhador e trabalhadora, e nas famílias organizadas pelo MLB, que seguem lutando pelo aumento do salário mínimo, melhores condições de trabalho e direito à moradia.

As famílias organizadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), são compostas em sua maioria por mulheres negras e mães, trabalhadoras e trabalhadores, crianças e idosos que têm vivido o sob o fardo da falta de moradia, do desemprego, pela fome e buscam na ocupação uma saída para conquistar o direito à moradia digna, e também pelo direito de se alimentar dignamente, de se livrar das enchentes e da violência policial que os assolam seus bairros.

“Trabalho a vida inteira, desde muito novo, e trabalho muito, mas é impossível um pai de família trabalhador ter a perspectiva de comprar uma casa. A gente ganha um salário de fome, e o aluguel não dá pra pagar, a gente morava num bairro lá no fundo da cidade, onde alaga ainda pro cima. Pra ir trabalhar são três ou quatro conduções, é caríssimo! E aí tem o mercado, que não tem como comprar nem o mínimo mais, tudo aumentou! Não dá pra viver desse jeito, é por isso que nós estamos aqui lutando, e é uma luta justa. Nós temos direito de viver com dignamente, não vamos mais aceitar viver nessa humilhação”, conta Rafael, morador da Ocupação Chaguinhas.

Foto: Estéfani MacielTerritório livre da fome

A carestia da vida assola o nosso povo diariamente. Nos últimos meses, os preços dos alugueis subiram 13,5%, a tarifa da energia elétrica subiu 17%, o preço do ovo de galinha 15,2%, o arroz 8%, a carne bovina 20%, os combustíveis 3%.

Com um salário mínimo de R$ 1.518,00, como uma mãe de família paga aluguel, conta de água e luz, alimentos e roupas, transporte? Trabalha o mês inteiro, dentro e fora de casa, mas nunca tem dinheiro, a conta não fecha e o dinheiro do aluguel tira a comida da boca das crianças.
Só através da luta coletiva e organizada é possível resolver essas mazelas. A Ocupação Chaguinhas levanta a bandeira de Território livre da fome. As famílias do MLB se fortalecem unidas, pra garantir nossa alimentação, a creche para as crianças, a educação e alfabetização através da Escola Eliana Silva.

Apenas no ano passado, o MLB conquistou 750 toneladas de alimentos a partir das lutas, assim como conquistou milhares de moradias e acendeu um farol de esperança para uma nova sociedade. E como esta luta, a luta das ocupações, é ainda mais profundo, as famílias se organizam para sair da pesada cruz do aluguel e para não precisar mais ter que escolher entre morar ou comer.

Foto: Guilherme Farpa

Chaguinhas, presente!

Em 1700, no Centro de São Paulo, mas especificamente no bairro da Liberdade, foi criado o primeiro centro de segurança pública, tortura, punição e morte. A Forca, localizada onde hoje é Praça da Liberdade, assassinava aqueles que eram criminalizados por serem contra o regime colonial-escravista, e executou e esquartejou escravizados como João Congo e José Crioulo, transportando suas cabeças para exposição nas cidades de Itu, São Carlos e Porto Feliz por se rebelarem contra os burgueses e fugirem.

Era por ali mesmo, nos arredores da forca, que os que não tinham os corpos completamente mutilados pelo centro de punição, tortura e morte eram enterrados no Cemitério da Capela dos Aflitos, que existe até hoje.

Seguindo o exemplo dos operários que lutaram, das mulheres que organizaram os bairros contra a carestia, Chaguinhas comandou a revolta dos militares de Santos por suas remunerações atrasadas e por igualdade de direitos entre soldados, foi espancado porque a corda insistia em se romper. O povo gritou “LIBERDADE! LIBERDADE!” e escancarou o medo que os burgueses tinham de surgir um novo Jean-Jacques Dessalines para fazer uma revolução no Brasil.

O povo negro e trabalhador resiste desde o período da escravização a toda opressão e massacre do Estado, e sempre lutou de pé e de cabeça erguida, cobrindo greves, revoltas e se organizando, dobrando os senhores de escravos e os capitalistas de ontem e de hoje.

Na nossa época não tem sido diferente. O Brasil é um dos maiores exportadores de alimento do mundo, enviando milhões de toneladas de carne e grãos para os países imperialistas, enquanto 30 milhões de brasileiros passam fome e 64 milhões não tem o que comer quase todos os dias. Além disso, no país existem mais de 11 milhões de domicílios vagos (sem contar prédios e terrenos abandonados) enquanto a quantidade de famílias que não tem teto ou vivem em moradias precárias já atinge mais do que 8.8 milhões.

Para piorar ainda mais, não temos nenhum direito assegurado pelo Estado, a violência tem crescido e a quantidade de desastres “climáticos” que atingem mais o povo pobre também. Apenas da metade de dezembro para cá, mais de 19 pessoas morreram no Estado de São Paulo em decorrência das fortes chuvas e alagamentos, por responsabilidade do governador fascista Tarcísio de Freitas e do Prefeito Ricardo Nunes Mortes que acontecem nos nossos bairros e com gente próxima de nós e que podiam ser evitadas. Mas não precisa ser assim!

É possível ter casa e comida pra todo mundo, tem riqueza pra construir mais escolas, mais hospitais, mais de tudo o que vai melhorar a vida dos trabalhadores. A única coisa que não tem é vontade dos ricos e dos governantes. Por isso, a nossa luta vai para além da moradia digna, é uma por uma sociedade onde todo mundo tenha onde morar, onde as trabalhadoras e trabalhadores estejam no poder, mandando onde vai investir, escolhendo o que vai produzir, se vai exportar ou vai pro mercado interno, a sociedade socialista.

“Nós estamos aqui lutando pelo direito a morar dignamente. Aqui tem gente que tá saindo da cruz do aluguel, que tá vindo para cá por que não aguenta mais sofrer com as enchentes, sofrer com violência policial que têm aumentado no Centro. Nós estamos aqui para lutar contra os despejos, para sair dos bairros mais distantes das cidades onde temos que pegar até 4 ou 5 conduções que estamos caríssimas e já não conseguimos mais pagar. Estamos aqui porque não da mais pra viver desse jeito e a gente não quer mais viver de cabeça baixa, chega! Morar, comer, ter acesso à cidade, não ter que viver com água no joelho, é um direito nosso e nós vamos conquistar! Essa Ocupação é só o começo, porque a gente sabe que a luta é maior, a nossa luta é por uma outra sociedade em que nenhuma mãe de família, nenhuma mulher idosa, precise passar por tantas humilhações e possam ser senhoras de suas vidas. Nós queremos acabar com esse sistema da fome”. Irani, moradora da Ocupação Chaguinhas.

Por moradia digna e contra a fome!
Em memória à vida e luta de Chaguinhas e de tantos outros heróis do povo!
Viva a luta das famílias do MLB!

Foto: Guilherme Farpa

Foto: Guilherme Farpa

População de Salvador pede justiça por jovem de 17 anos morto pela PM

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O jovem Gustavo Batista dos Anjos tinha apenas 17 anos quando foi morto pela Polícia Militar da Bahia no bairro do Beiru/Tancredo Neves, no último dia 7 de fevereiro. Moradores pedem a punição dos assassinos.

Redação BA


Em Salvador, no último dia 07 de fevereiro, um jovem negro de 17 anos foi morto pela Polícia Militar da Bahia, causando grande revolta na população. Na noite daquela sexta-feira, policiais militares seguiam o carro onde estava o jovem Gustavo Batista dos Anjos, que voltava do seu trabalho de mecânico. Quando o veículo parou na rua do garoto, os policiais abriram fogo à queima-roupa, atingindo-o e causando sua morte. Um amigo, que estava no automóvel, ainda foi obrigado a colocar o corpo de Gustavo no camburão e levado pelos policiais.

O jovem nasceu e cresceu no bairro do Beiru/Tancredo Neves, era trabalhador e tinha um emprego de mecânico. No entanto, sua documentação e seus pertences foram retirados pelos PMs, a fim de incriminá-lo e dificultar a apuração da verdade. A transferência do corpo de Gustavo do carro para a viatura pelos policiais foi filmada por moradores da região e circulou nas redes, causando grande revolta.

Indignação popular

Logo no dia seguinte, foi realizado um protesto por justiça contra a morte de Gustavo. Os moradores do bairro atearam fogo em pneus e outros materiais e bloquearam uma das principais vias da região. Vale salientar que, durante a manifestação, um dos policiais ameaçou uma mulher perguntando “se ela queria que ele estourasse a cabeça dela”.

No dia 10 de fevereiro, segunda-feira, os moradores do bairro promoveram um novo ato. Demonstrando seu caráter fascista, a Polícia Militar reforçou a presença na região nesse dia, reprimindo a população que exige seus direitos e denuncia os assassinatos promovidos pelas operações policiais.

A família e os moradores seguem denunciando as fake news, inventadas pelos agentes policiais, que estão sendo veiculadas em noticiários da imprensa burguesa numa tentativa esdrúxula de manchar a imagem de Gustavo diante a sociedade.

Neste ano, completam-se 10 anos da chacina do Cabula, crime em que PMs deixaram 12 mortos em um bairro da capital baiana e até hoje não foram punidos. Infelizmente, a política de segurança da Bahia, governada por Jerônimo Rodrigues (PT), segue perpetuando o genocídio da juventude negra. O estado hoje conta com a polícia que mais mata no Brasil, e em 92,6% dos casos são pessoas negras, dados da Rede de Observatórios da Segurança.

Seguiremos lutando por justiça para Gustavo e tantos outros que tombaram devido às operações policiais e à violência cotidiana do sistema capitalista, que banaliza a morte de jovens negros. Continuaremos a lutar pela desmilitarização das polícias e pelo socialismo, quando nenhum jovem mais morrerá de bala, fome ou depressão.

Privatização da Compesa: uma ameaça aos trabalhadores de Pernambuco

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A Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) está em processo de privatização, algo que ameaça diretamente a vida da classe trabalhadora no estado, mas a luta por um saneamento básico e garantia de água na torneira não é de hoje e sempre enfrentou a vontade das elites em deixar os mais pobres sem acesso a esse bem universal e necessário.

Daniel de Albuquerque* | Recife – PE


BRASIL – O saneamento básico tem sido tema de operações extremamente relevantes no Brasil nos últimos anos. Embora, a priori, as políticas de saneamento básico tenham sido pensadas com a finalidade de contribuir para a melhoria da saúde pública e da qualidade de vida da população brasileira, atualmente o debate principal das decisões que envolvem este serviço público é de cunho econômico-financeiro.

Como a maior parte da população não dispõe das ferramentas necessárias ao entendimento do debate, muito embora a constituição cidadã de 1988 tenha exigido do poder público a realização de audiências públicas para dialogar com a sociedade civil, todo tema de relevância e impacto sobre o orçamento público, decisões que impactam centenas de milhares de pessoas ainda são tomadas por uma elite tecnocrata que faz pouca questão de aprofundar o debate público.

Com um histórico de pouco investimento e contratação de soluções estrangeiras todas fracassadas o saneamento básico em Pernambuco tem um histórico longo e marcado por uma disputa de território e mais recentemente de mercados.

Lembremos que a formação urbanística do Recife teve seu embrião na primeira metade do século XIX e está intimamente relacionada com a evolução das políticas sanitárias e de saúde pública. Inicialmente com a gestão de Francisco Rego Barros (1837-1840) que lançou propostas de melhoramentos nos serviços públicos e infraestrutura da cidade, contratando em 1839 uma equipe de operários e técnicos alemães que iriam compor a “Copanhia dos Operários” liderada pelo engenheiro Augusto Kersting, contratando também o engenheiro francês Louis Legér Vauthier para liderar a Repartição de Obras Públicas que havia sido criada em 1835. Embora estes esforços não tenham obtido sucesso, após o governo de Rego Barros, em 1845, foi criado pela Assembleia Provincial, o Conselho de Salubridade Pública, pela Lei n° 43, de 15 de maio de 1845, a partir do qual foram lançadas propostas para melhorar as condições sanitárias e combater os focos de epidemias.

Este grupo ficou conhecido como “higienistas” e desejavam, entre outras coisas, remover as populações pobres do centro do Recife, também sem sucesso, uma vez que a gestão pública alegava ausência de recursos para realizar as obras. Já em 1853 foi a Comissão de Higiene Pública, sob a presidência do médico Aquino Fonseca, que forneceu dois anos mais tarde um importante documento intitulado “Bases para um plano de edificações da cidade”, sendo um marco no higienismo e que mais a frente resultaria em fortes críticas às alcovas, aos cortiços e aos mocambos. (Miranda, 2012, p.146-160)

Neste mesmo período foram realizados esforços no sentido de implantar um sistema de abastecimento de água e um sistema de coleta de esgoto. Em 1869 foi criada a Recife Drainage Company Limited com o objetivo de ceder a empresários britânicos o direito de explorar os serviços de esgotamento sanitário do Recife, o que consistia na ligação de latrinas domiciliares a estações depuradoras através de tubulações e estações elevatórias, para que o efluente fosse tratado e posteriormente lançado no Rio Beberibe. Ainda assim, o Recife do final do século XIX foi marcado por diversas epidemias (Miranda, 2012, p. 160-168).

Desse modo, o início do século XX no Recife é marcado pelo aprofundamento das causas higienistas e da criminalização da casa operária (dos trabalhadores).

Segundo (Moreira, 2011) “O cortiço, o mocambo, ou mesmo a casa operária passaram a ser objeto de controle, a sofrer regulações, perseguições, notificações e de campanhas de imprensa.”

Foi apenas entre 1910 e 1917 que o Recife passou por obras mais expressivas que levaram as populações mais pobres para as periferias, dando origem às ocupações nos morros e em regiões periféricas. As mudanças na paisagem da cidade é descrita por Neves (2018) quando diz que “Recife enfrentou no início do século XX, diversas mudanças de casarões antigos e remoção de populações carentes de áreas habitadas há vários anos para dar lugar a empreendimentos imobiliários com a proposta de modernização e embelezamento da cidade.” Aqui já é possível perceber como a política higienista gerou uma grande valorização do centro da cidade, agora equipado com “abastecimento de água, saneamento, praças e infraestrutura”.

Os investimentos em saneamento só passam a ter uma maior eficácia a partir da criação do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), financiado com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) através do Banco Nacional de Habitação (BNH) e estadualização dos serviços de Saneamento, quando surge nossa  Companhia Pernambucana de Saneamento (COMPESA).

É verdade que o PLANASA só obteve êxito em algumas capitais, entretanto, foi esse aprendizado que nos permitiu construir empresas fortes, apesar das pressões internacionais. Cíntia Maria Ribeiro Vilarinho e Eduardo de Aguiar do Couto trazem no artigo “Saneamento básico e regulação no Brasil: desvendando o passado para moldar o futuro”, publicado no portal de revistas da USP duas análises que serão transcritas a seguir:

“A avaliação da contribuição do PLANASA para o desenvolvimento do saneamento não foi unânime.  Para Santos, Kuwajima e Santana (2020, p. 13), ele foi a política pública mais bem-sucedida do saneamento até o momento, já que permitiu um crescimento rápido e significativo dos índices de abastecimento urbano de água. Cançado e Costa (2002, p. 6) apontaram uma grande evolução na oferta dos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto sanitário, porém destacaram que o PLANASA não abordou o tratamento dos efluentes.

Evoluçao dos índices de cobertura de água e coleta de esgoto com o PLANASA.

Alguns pesquisadores argumentaram que o PLANASA falhou em   responder adequadamente aos desafios e diretrizes estabelecidos. De acordo com Santos et al. (2018, p. 243), as metas de atendimento à população – que visavam prover 90% da população com serviços de abastecimento de água e 65% com esgotamento sanitário até 1981 – não foram alcançadas. Sousa e Santana (2016, p. 167) apontam que a centralização estadual do saneamento resultou em baixa eficiência e elevadas perdas nos sistemas de abastecimento de água.”

Segundo análise publicada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), “Apesar de não ter universalizado os serviços de saneamento no Brasil, o PLANASA pode ser considerado a política mais bem-sucedida no setor, pois avançou rápida e significativamente nos índices de abastecimento urbano de água.” Ainda assim, o PLANASA concentrou seus recursos nos municípios com maior capacidade de endividamento, canalizando os recursos em sua maior parte para o sudeste.

Quando houve o fim do BNH em 1986 e o repasse do FGTS para a Caixa Econômica Federal, a ausência de regulamentação, hierarquia e articulação institucional levaram o saneamento básico para fora da agenda governamental.

A década de 90 foi marcada ainda por grande influência do Fundo Monetário Internacional (FMI) nas políticas de saneamento do Brasil, chegando a exigir a privatização das operações para que o país pudesse ter acesso a linhas de crédito internacional.

O gráfico abaixo, retirado do texto do IPEA (2020), mostra a evolução dos investimentos em água e esgoto de 1971-2015. É importante observar neste gráfico que nem mesmo os recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) foram tão vultosos quanto os do PLANASA, o que demonstra a necessidade de investimentos cada vez maiores no setor.

Em resumo, a análise do IPEA apresenta as principais fontes de recursos pra o setor do saneamento básico do Brasil, que são basicamente:

  • Recursos extraorçamentários ou onerosos: a) fundos financiadores, com destaque para o FGTS e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT); b) recursos próprios de instituições financeiras, em especial do BNDES; e c) recursos do mercado, que, no caso do saneamento, são captados por meio de emissão de debêntures pelos titulares dos projetos (fonte mais recente).
  • Recursos do Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União – OGU, consignados na Lei Orçamentária Anual (LOA), também denominados recursos não onerosos.
  • Recursos provenientes de orçamentos próprios dos estados e dos municípios.
  • Recursos provenientes de empréstimos internacionais, contraídos junto às agências multilaterais de crédito, tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD).
  • Recursos próprios dos prestadores de serviços, resultantes de superavit.

Esses recursos guardam relação com o monopólio e com a economia de escala inerente ao setor, sendo verticalmente integrado, tendo em vista os estágios da produção e a estrutura de tarifas.

Por outro lado, o Projeto de Lei (PL) aprovado em 2019, que aprofunda o processo de privatização altera as concepções de governança, não trouxe, entretanto, qualquer novidade em aportes de investimentos que façam jus a entrega da estrutura construída com o dinheiro público para o setor privado.

Outra questão é que se coloca a justificativa de que o setor privado seria mais eficiente que o público, sem levar em consideração que a maior parte dos serviços desenvolvidos como obras, manutenção, cobrança e implantações novas já são realizadas por empresas terceirizadas – o que é de grande reclamação por parte dos usuários.

Um ponto fundamental do sucesso do que se propõe é que venha a ocorrer uma adesão em massa ao sistema. Tal acontecimento só ocorrerá no caso de uma profunda mudança social em que as famílias passem a ter recursos suficientes para arcarem com uma fatura dobrada ou ocorra toda uma modificação na forma como as famílias obtenham acesso a esses serviços. O que se espera então é que os recursos públicos continuem sendo transferidos aos entes privados, com um custo a mais que é o de manter as remessas de lucro para o exterior.

Chegamos assim, no ponto crucial da privatização que é uma manobra articulada pelo FMI e o Banco Mundial para aumentar a carestia fiscal dos governos infranacionais e transportar através do mercado financeiro e das empresas estrangeiras cada vez mais dinheiro para os países sede, tanto através dos valores advindos das faturas de água e esgoto, quanto através dos investimentos públicos aportados no setor.

Não a toa, em mais de dez anos de atuação na Região Metropolitana do Recife, a parceria-público-privada BRK Ambiental conseguiu a façanha de aumentar em apenas 8 pontos percentuais a cobertura do serviço, alterando o índice de atendimento de esgoto na localidade atingida pelo Programa Cidade Saneada de 30% para 38%. Vale ressaltar ainda que boa parte dessa ampliação se deve ao esforço de empresas nacionais do setor da construção civil, que ao realizar empreendimentos imobiliários constroem toda a ligação e muitas vezes até mesmo as ETEs (Estação de Tratamento de Efluentes) de forma que boa parte desse aumento de cobertura não teve qualquer contribuição das parcerias-público-privadas (PPPs).

Em termos da experiência internacional, segundo Satoko Kishimoto, em entrevista à BBC, informou que “Em geral, observamos que as cidades estão voltando atrás por que constatam que as privatizações ou parcerias-público-privadas acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas incialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas que vimos caso a caso”.

As PPPs custam caro aos cofres públicos e rendem muito aos acionistas que podem se desfazer do negócio e liquidar as ações com rapidez e sem qualquer compromisso com o país. Como forma de alerta a BRK já avaliou uma parte de suas operações da BRK Ambiental em 10 bilhões. Ou seja, as empresas privadas recebem o sistema pronto, todo construído com os recursos do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e depois vendem no mercado financeiro lucrando bilhões, tendo investido muito pouco. Esta movimentação é chamada de “financeirização do saneamento”.

Segundo o IPEA (2020) “As medidas de estímulo à privatização (ou “desestatização”, como tem sido chamadas ocasionalmente pelo governo e pelo BNDES) não têm sido, historicamente, portadoras em si de capacidades ou de fundamentos para trazer financiamento diferente dos mecanismos aqui mencionados, sempre necessitando do suporte estatal”.

A municipalização e a criação de um Sistema Nacional de Saneamento Básico estatal forte e integrado é a medida mais acertada a ser tomada, tendo em vista o sucesso de experiências com o Sistema Único de Saúde (SUS), a Vigilância Sanitária (VISA) e mais recentemente com o Meio Ambiente através da Lei Complementar (LC) 140. Tal mudança de percurso, entretanto, não está nos planos das classes dominantes nem de nossos governantes.  É fundamental, portanto, lutar pelas empresas públicas e contra a privatização da água, como a exemplo da luta da Unidade Popular (UP) e dos movimentos que a compõem ocorrida em São Paulo, quando a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) foi privatizada de forma rasteira e covarde pelo governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos). Água é um bem universal e um direito de todas famílias. Privatizar esse bem é um verdadeiro crime e um absurdo.

*Daniel de Albuquerque é técnico ambiental na cidade do Recife, Pernambuco.


Referências:

Miranda, C. A. C. (2012). O urbanismo higienista e a implantação da companhia do Beberibe e da Drainage Company Limited na cidade do Recife. Gestão Pública: Práticas e Desafios, 3(1).

Moreira, F. D. (2011). Higienismo enquanto prática urbanística: o exemplo do Recife no início do século. Cadernos de estudos sociais, 8(2).

Neves, M. A. (2018). Higienismo e ações de remodelamento urbano no Recife (1900-1929). Cadernos Do Centro de Organização Da Memória Sócio-Cultural Do Oeste de Santa-Catarina-CEOM, 31(48), 50.

Santos, G. R.; Kuwajima, J. I.; Santana, A. S. Regulação e investimento no setor de saneamento no brasil: trajetórias, desafios e incertezas. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2020;

 

Massacre de Sharpeville e o Dia Internacional contra a Discriminação Racial

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O 21 de março marca o dia de luta pela Eliminação da Discriminação Racial, data instituida pela ONU em 1966 em mémoria às vítimas do Massacre de Sharpeville (África do Sul). Após 65 anos do massacre promovido pela polícia e da data ter se tornado uma referência para que isso não aconteça mais, o racismo segue sendo o sistema de dominação braço do capitalismo, no Brasil e no mundo.

Mariana Fernandes (MG) e Clóvis Maia (PE) – FNR


LUTA POPULAR – Há 65 anos, em 21 de março de 1960, na cidade de Sharpeville, África do Sul, 20 mil negros se manifestavam contra a discriminatória Lei do Passe, uma das várias ferramentas criadas para institucionalizar a segregação e o racismo durante o regime do apartheid. Essa legislação obrigava todos os não-brancos a portarem uma caderneta (passe), que continha informações sobre sua cor, etnia, profissão e situação fiscal, além de restringir o acesso aos bairros brancos da cidade. A Lei do Passe dava à polícia o poder de prender qualquer um que fosse encontrado na rua sem a caderneta de identificação.

Mais de 20 mil sul-africanos caminharam pacificamente pelas ruas de Sharpeville sem o documento e desarmados, numa forma de protesto pacífico. O intuito era provocar a prisão de todos os envolvidos, o que causaria um colapso na administração pública local devido ao grande número de detidos. A multidão se dirigiu à delegacia de Sharpeville quando um grupo de policiais, incapazes de controlar a situação, disparou contra os manifestantes, resultando na morte de 69 pessoas e ferindo mais de 180, incluindo mulheres e crianças.

O evento ficou conhecido como o massacre de Sharpeville e, em 1966, a ONU declarou o 21 de março como o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial em homenagem às vítimas do massacre. Esse regime racista e segregacionista só foi encerrado em 1994, após muitos anos de luta armada, guerrilhas, revoltas e protestos.

O fim do regime estabeleceu eleições livres, adotou políticas públicas destinadas a promover a ascensão e inclusão social dos negros, mas sem alteração do sistema econômico, ou seja, com a manutenção do capitalismo.[1]

No Brasil, o massacre de Sharpeville são as chacinas de Jacarezinho (RJ), do Guarujá (SP), de Camaragibe (PE), da Operação Escudo (SP) e de todas as demais intervenções policiais que provam que a segregação racial é imposta ainda hoje, independentemente das leis, em beneficio dos capitalistas. O racismo dialoga diretamente com o fascismo, que usa das opressões para silenciar, esmagar e aniquilar o povo para que garanta os privilégios das classes ricas. Por isso, é necessário organizar o povo negro para entre outras coisas, fazer frente à luta pela desmilitarização das polícias.

Organizar a Frente Negra Revolucionária para lutar contra o racismo!

“Não veio do céu nem das mãos de Isabel!”[2]

A história do povo negro, seja no apartheid sul-africano, na segregação racial dos EUA ou na escravização no Brasil prova que a única saída para por fim às injustiças sofridas é se colocar ativamente em luta. Para que essa luta seja consequente e esmague o sistema de dominação racista de uma vez por todas, é necessário a derrubada do sistema capitalista que se beneficia economicamente do racismo.

No Brasil, o povo negro possuiu agora uma nova ferramenta para organizar sua revolta: A Frente Negra Revolucionária. Para fazer jus ao nome, a FNR deve estar onde o povo negro está: nas favelas, nas ocupações urbanas, nos quilombos, nos serviços mais precarizados, junto às mães que tiveram seus filhos mortos pela polícia, às vitimas de racismo sem forças para denunciar, às famílias que veem seus filhos encarcerados, nas manifestações espontâneas que nascem no ódio dos explorados.

A FNR precisa se tornar a arma de combate ao racismo e ao sistema capitalista do povo negro e essa tarefa precisa ser de todos os comunistas revolucionários. Aprender com a história dos nossos irmãos sul-africanos: pegar em armas quando necessário mas jamais abaixar a cabeça para colonizador!


[1] Ver em “África do Sul, uma história de resistência” escrito por José Levino e publicada pelo Jornal A Verdade em 2024

[2] Samba-enredo da Mangueira “história para ninar gente grande” de 2019

Ferroviários decretam greve contra a privatização das linhas 11, 12 e 13 da CPTM

Em assembleia realizada nesta quinta-feira (20/3), com participação recorde e clima de luta, os ferroviários de São Paulo decidiram entrar em greve contra a privatização das linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade da CPTM.

Guilherme Arruda | Redação SP


Em assembleia realizada nesta quinta-feira (20/3), com participação recorde e clima de luta, os ferroviários de São Paulo decidiram entrar em greve contra a privatização das linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Os trabalhadores estiveram presentes em dezenas na Assembleia Geral convocada após intensa pressão do Movimento Luta de Classes (MLC) e de outros movimentos no STEFZCB (Sindicato dos Trabalhadores(as) em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil).

Ficou aprovada paralisação por tempo indeterminado na circulação dos trens e nas estações dessas mesmas linhas a partir das 0h da próxima quarta-feira (26/3).

A mobilização responde à ofensiva do governador fascista Tarcísio de Freitas, que desde o início de seu mandato tenta vender os principais serviços públicos do estado de São Paulo, em benefício dos grandes capitalistas. Tarcísio anunciou para o próximo dia 28 de março o leilão das linhas 11, 12 e 13 na B3, a Bolsa de Valores da capital paulista, e a greve pressiona para que esse processo de concessão seja cancelado.

Como vem cobrindo o jornal A Verdade, a categoria denunciam que a entrega das linhas ferroviárias para a iniciativa privada causaria uma forte precarização do serviço oferecido à população e a demissão de 4,2 mil trabalhadores. É o que já tem acontecido nas Linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda, privatizadas em 2021, onde são constantes os incêndios e as interrupções de viagens. A insatisfação da população com a privatização só cresce: uma recente manifestação na sede da CCR, empresa que assumiu a administração dessas duas linhas, cobrou o fim desse descaso.

Na assembleia desta quinta, que contou com uma importante participação do MLC, a proposta de paralisação e organização de um calendário de lutas contou com a adesão de dezenas de ferroviários. Agora, a categoria se prepara para pôr em prática as atividades de mobilização da greve. A primeira delas será uma manifestação na frente da B3 para exigir o cancelamento do leilão, às 9h do dia 25 de março.

Os ferroviários alertam que não se deixarão intimidar pela repressão. Caso algum funcionário seja demitido em retaliação à sua participação na luta, o movimento grevista não será interrompido e a mobilização da categoria se intensificará.

“Todos os trabalhadores desejam que essa greve aconteça. O que nós precisamos é de unidade na luta, para que o governo Tarcísio seja forçado a cancelar o leilão de maneira definitiva e que ele não possa pôr a mão no emprego de nenhum ferroviário. Não vamos deixar que seja privatizada nenhuma linha da CPTM, nenhum trabalhador vai abaixar sua cabeça”, afirmou na assembleia Junior de Sousa, representante do MLC.

11 anos sem Claudia Ferreira, mulher negra assassinada e arrastada pela PM

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Um dos casos mais espantosos de racismo da história recente do Brasil completou 11 anos neste domingo. Os seis policiais militares envolvidos no crime contra Cláudia Ferreira foram inocentados pelo Estado

Gabriela Torres | Redação PR


Há 11 anos, o braço armado do Estado interrompeu, com um tiro no pescoço e outro nas costas, os sonhos de uma mãe de família que saía para comprar pão. Cláudia Silva Ferreira tinha 38 anos e quatro filhos quando teve a sua vida ceifada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Após o assassinato, os criminosos ainda arrastaram o corpo de Cláudia, preso por suas roupas na viatura na Estrada Intendente Magalhães, protagonizando uma das cenas de racismo mais cruéis já registradas no país. A justificativa para os tiros seria um suposto confronto no Morro da Congonha, em Madureira, região Norte da capital carioca.

Em março do ano passado, os seis policiais militares envolvidos no caso foram inocentados pelo Estado. Os envolvidos respondiam pelo crime de homicídio contra Cláudia Ferreira, mas o juiz alegou “erro de execução”, sob um falso contexto de “legítima defesa”.

Cláudia Ferreira foi arrastada pela PM. Foto: Jornal de Brasília
Cláudia Ferreira foi arrastada pela PM. Foto: Jornal de Brasília

Cláudia era uma trabalhadora do Hospital Marcílio Dias, e de acordo com relatos da família, vivia a vida cotidiana da maioria das mulheres negras: acordava às 4h30 da manhã para trabalhar e, além dos quatro filhos, criava também mais quatro sobrinhos. Uma rotina que, apesar de severa, carregava o extraordinário sustentado por cada uma das mães negras de família que criam os seus filhos e constroem as riquezas desse país, mas são impedidas de usufruir dessa riqueza no sistema capitalista. Conhecida carinhosamente como Cacau, Cláudia Ferreira comemoraria na semana de sua morte 20 anos de casada com o seu companheiro, e a sua família não teve nenhuma resposta do governo do estado do Rio de Janeiro.

Para Juliane, membra da direção da Unidade Popular no Paraná, o caso de Cláudia escancara a realidade de racismo e violência que as mulheres estão submetidas: “O assassinato da Cláudia só escancara ainda mais como os corpos negros são tratados no Brasil e lutamos pela justiça para que seus torturadores não sejam esquecidos. Reiteramos o nosso compromisso de lutar contra a violência policial, para que nossas mulheres negras, mães de família não sejam mortas, que nossa juventude tenha a possibilidade de sonhar um futuro diferente sem o medo de ser mais um número para o índice de mortalidade“, afirma a militante.

UP organiza atos pelo fim da escala 6×1 em todo o país

Nesta quarta-feira (19/3), manifestações com a participação ativa da Unidade Popular (UP) e dos movimentos sociais levantaram bandeiras pelo fim da escala 6×1 pela redução das jornadas de trabalho sem diminuição dos salários.

Guilherme Arruda e Estefani Maciel* | São Paulo (SP)


O fim da escala 6×1, que determina seis dias consecutivos de trabalho e apenas um dia de descanso aos trabalhadores brasileiros, foi a pauta de uma série de manifestações realizadas em dezenas de cidades do Brasil nesta quarta-feira (19/3). A abolição dessa jornada de trabalho, considerada desumanizante e exploratória, é o objetivo de uma onda de mobilizações da classe trabalhadora brasileira que se iniciou no ano passado.

A força dos atos, que contaram com a participação ativa da Unidade Popular (UP), de sindicatos e de movimentos sociais, demonstra a indignação popular com as jornadas exaustivas a que estão submetidos os trabalhadores. Mesmo trabalhando ao menos 44 horas semanais, sem descanso aos finais de semana e feriados, a realidade de milhões de brasileiros ainda é de miséria, sem condições de adquirir alimentos em quantidade suficiente para suas famílias e ainda lidando com valores cada vez mais altos de aluguel, transporte e outras contas básicas para a manutenção da vida.

Os milhares de manifestantes que participaram das ações levantaram palavras de ordem em que defenderam o fim da escala 6×1 sem redução de salários e a revogação imediata da Reforma Trabalhista, além de propor a auditoria da dívida pública e a construção de um 1º de maio de luta.

Denunciando a exploração, em muitos municípios, os atos entraram em shoppings e abriram bandeiras com os motes “Pelo fim da escala 6×1!” e “Pela redução da jornada de trabalho”. Nesses locais, onde a maioria dos trabalhadores realiza longas jornadas e sofre com o abuso e o assédio dos patrões, os manifestantes receberam inúmeras demonstrações de apoio da população.

“Com essa escala, minha vida é corrida, não tenho tempo para fazer nada e não tenho liberdade para pensar em outra coisa que não seja o trabalho. Esses tempos eu fiquei com covid e mesmo assim tive que trabalhar. Meu salário não condiz com isso e não sou nem registrada”, afirmou uma funcionária de uma loja do Shopping Metrô Itaquera, onde a mobilização ocorreu na cidade de São Paulo (SP), que não quis se identificar.

Mulheres são as mais afetadas

Manifestação organizada pela UP mobilizou centenas de pessoas só em São Paulo, e milhares em todo o país. Foto: Bia Borges (@bia.borgest)
Manifestação organizada pela UP mobilizou centenas de pessoas só em São Paulo, e milhares em todo o país. Foto: Bia Borges (@bia.borgest)

Como já denunciou o jornal A Verdade, os problemas da escala 6×1 afetam principalmente as mulheres brasileiras. Elas compõem grande parte da força de trabalho dos setores de serviços, comércio e telemarketing, cujas jornadas de trabalho extenuantes e mal remuneradas são, em sua maioria, organizadas a partir dessa escala. Acumula-se, por sobre essa situação de exploração, o problema do trabalho doméstico não remunerado.

Um relatório da Oxfam revela que as mulheres são responsáveis por 75% de todo trabalho de cuidado não remunerado no mundo. Entre lavar, passar, cozinhar, cuidar dos filhos e familiares idosos ou enfermos, cerca de 42% das mulheres nem mesmo conseguem um trabalho formal por serem responsáveis pela função do cuidado – enquanto entre os homens esse percentual é de apenas 6%.

Essas especificidades da situação da mulher se integram a um cenário geral de precarização das condições de vida da classe trabalhadora brasileira. Neste ano, o governo sancionou o valor de R$1518,00 para o salário mínimo. No entanto, um estudo do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) aponta que o “salário mínimo necessário” para o bem-estar de uma família de 4 pessoas deveria ser de R$7229,32, quase cinco vezes maior. A já baixa remuneração dos trabalhadores vem sendo corroída pela alta nos preços dos alimentos, impostas pela especulação dos capitalistas.

A situação se complica quando se leva em consideração que as leis brasileiras não garantem nem mesmo uma jornada de trabalho de 40 horas, uma demanda histórica do movimento operário desde o século XIX. Hoje, a Constituição Federal prevê uma jornada de 44 horas semanais, sem contar as horas extras. Para as mulheres trabalhadoras, que em sua maioria ainda acumulam o trabalho de cuidado com a casa e os filhos, isso significa a completa negação do direito ao lazer, à cultura e à vida.

“São muitas as mulheres que, na prática, têm uma jornada tripla de trabalho, somando emprego, filhos e tarefas domésticas. Para a mulher, o fim da escala 6×1 seria o mínimo para que ela tenha tempo para viver”, afirmou a estudante Mariana, que participou da mobilização em Campinas (SP) e se filiou na UP durante o ato.

Solidariedade entre trabalhadores

Trabalhadores se solidarizaram com a manifestação. Foto: Estefani Maciel (@estefanimcl)
Trabalhadores se solidarizaram com a manifestação. Foto: Estefani Maciel (@estefanimcl)

Com as manifestações da quarta-feira, os movimentos sociais convocaram a classe trabalhadora a aderir massivamente aos próximos passos da luta, reforçando que a conquista de suas reivindicações só acontecerá através de intensa, e organizada, mobilização popular. “Nós, trabalhadores, precisamos entender que só temos um caminho nessa luta contra os patrões e governos pela redução da jornada, que é nos organizarmos para avançar essa luta”, afirmou Petrus Mafra, membro do Movimento Luta de Classes em Natal (RN).

No ano passado, um importante exemplo de combatividade nesse sentido foi dado pelos operários da PepsiCo, no estado de São Paulo, que conquistaram dois sábados adicionais de folga após organizarem uma paralisação de sete dias contra a escala 6×1 nas fábricas de Itaquera, na Zona Leste da capital paulista, e Sorocaba (SP).

Depois dos vitoriosos atos deste dia 19 de março, os movimentos sociais seguirão nas ruas,  atuando pelo fim da escala de 6×1. O calendário de mobilização agora se encaminha para a realização de um 1º de Maio de luta, que deve apontar o caminho da organização da classe trabalhadora pelo fim da exploração capitalista e pela construção de uma nova sociedade.

É o que defendeu Amanda Bispo, liderança da UP, no ato de São Paulo: “Que futuro está sendo colocado para a gente nesse sistema? Mas é possível garantir uma escala de trabalho digna, que sirva para nós e não ao lucro de uma minoria, e conquistar o fim da exploração de trabalho. Nós convidamos cada um e cada uma a conhecer a Unidade Popular e o Movimento Luta de Classes, para que a gente possa construir uma grande greve geral pelo fim da escala 6×1”.

(Confira no Flickr do JAV a cobertura fotográfica dos atos)

*Por todo o país, colaboraram com a reportagem Alice Morais, Bento Xavier, Leonardo de Paula e Junior de Sousa.

Chapa construída pelo Movimento Correnteza vence eleições do DCE-UFCG

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Recebendo 2734 votos, a chapa “A maré tá pra luta” venceu as eleições do DCE-UFCG em fevereiro. Na mobilização para o processo eleitoral, o Movimento Correnteza vendeu 120 exemplares do jornal A Verdade entre os estudantes

Guilherme Queiroz | Campina Grande (PB)


As eleições do DCE da Universidade Federal de Campina Grande (DCE-UFCG), realizadas nos dias 25 e 26 de fevereiro, se concluíram com a vitória da chapa impulsionada pelo Movimento Correnteza. Junto de Centros Acadêmicos e Diretórios Acadêmicos de todos os 7 campi da universidade, o movimento uma chapa composta por mais de 100 estudantes comprometidos com a transformação da realidade da UFCG em 2025.

Com uma intensa campanha que buscou debater os próximos passos do movimento estudantil na universidade e promoveu a venda de mais de 120 exemplares do jornal A Verdade, a Chapa 01 – A MARÉ TÁ PRA LUTA conquistou 2734 votos. Mesmo com um processo de chapa única, a eleição bateu o quórum de votos pela primeira vez em 10 anos. Essa foi a terceira vitória seguida do Movimento Correnteza nas eleições do DCE-UFCG, reafirmando que a mobilização é o caminho certo para o avanço do movimento estudantil.

Gestões de luta

Durante a primeira gestão que contou com a participação do Movimento Correnteza (2022-2023), foi organizada uma grande campanha pela abertura dos Restaurantes Universitários a preço popular. Naquele momento, a UFCG organizava a reabertura de seus restaurantes ao preço de R$ 10,00, sob fortes críticas dos estudantes.

Após muita luta, o DCE-UFCG conquistou um subsídio de 50% no valor da alimentação para todos estudantes da universidade, tornando-se o RU mais barato da Paraíba. Essa gestão também foi responsável pela reativação do CNPJ e da conta bancária da entidade, desativados havia 8 anos, e pela revitalização da sede do DCE em Campina Grande, que estava em situação de abandono.

A gestão seguinte (2023-2024), que também foi impulsionada pelo Movimento Correnteza,  protagonizou a conquista da primeira eleição paritária para a reitoria. Anteriormente, em todas as eleições, o voto estudantil tinha peso de apenas 15%. Por sua vez, o voto dos professores valia 70% do processo. O DCE-UFCG conquistou a paridade, organizou o processo e cumpriu um papel decisivo para que aquela fosse a eleição para a reitoria com maior participação quantitativa e proporcional da história da universidade.

Além disso, a gestão de 2023-2024 organizou o primeiro congresso da entidade em 21 anos, abriu um cinema gratuito em sua sede, registrou a entidade para a emissão de carteirinhas — o que não acontecia havia 10 anos — e trouxe de volta as calouradas.

Vitória estudantil

O próprio processo eleitoral do DCE-UFCG demonstrou que 2025 será um ano de ainda mais lutas e vitórias estudantis. Durante a campanha, no campus da cidade de Cajazeiras, a chapa organizou a reivindicação por melhores estruturas para uma turma de Biologia que estava assistindo aulas em uma sala de conferências muito quente, sem climatização adequada e com pouca visibilidade de slides. Assim que a chapa se deparou com essa situação, organizou a mobilização e, no outro dia, conquistou o realocamento da turma para uma sala adequada que estava vazia.

O histórico da entidade demonstra que foi a partir da luta do movimento estudantil em torno das pautas mais caras aos estudantes que o Movimento Correnteza reconstruiu o DCE-UFCG. Em 2025, tendo construído a chapa que contou com o maior número de estudantes em anos, a gestão – A MARÉ TÁ PRA LUTA pretende cumprir a sua principal promessa de campanha: organizar os estudantes na luta por estrutura e permanência na UFCG.

A independência política das entidades estudantis

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A independência financeira das entidades estudantis, principalmente através da política de carteirinhas, é decisiva para sua independência política. Conquistar essa independência é decisivo para levar adiante a luta da juventude

Coordenação Nacional da UJR


A independência política e a independência econômica estão intimamente relacionadas na luta de classes. A independência política envolve a liberdade de expressar suas convicções, as políticas que defende, de forma autônoma. Já a independência econômica refere-se à capacidade de garantir os recursos necessários para transformar essas ideias em ações concretas. Em outras palavras, sem a base econômica, não há como viabilizar a independência política de maneira efetiva.

Para ilustrar melhor esta relação, existe um ditado conhecido no movimento social que diz “quem paga a banda, escolhe a música”. Ou seja, na sociedade capitalista, quem financia algo dita os objetivos ou fins.

Para os Centros Acadêmicos e Grêmios, a lógica se mantém. Entretanto, pelo seu caráter e histórico de luta, as entidades estudantis não se dobraram e, em sua imensa maioria, não aceitaram o financiamento de empresários para arcar com seus compromissos.

No Movimento Rebele-se e no Movimento Correnteza, não faltam exemplos de lutas que a base estudantil organizou. O ímpeto de manifestar é imenso, a vontade é contagiante, e isto é um elemento fundamental. Entretanto, a vontade é o primeiro passo. Para organizar as lutas, é necessário imprimir panfletos e jornais, contratar carro de som e visitar escolas distantes. Tudo isto exige recursos financeiros. E é neste quesito que encontramos os maiores desafios.

Existem várias formas de as entidades estudantis levantarem recursos próprios, como rifas, eventos, apoio de professores, etc. Todavia, estas são ações pontuais, que, por si, não garantem uma entrada regular de recurso que dê segurança para arcar com os desafios. A Carteira de Estudante se apresenta como o instrumento mais importante e basilar.

É preciso ver de maneira ampla. A carteira é, em primeiro lugar, a maneira como o/a estudante financia sua entidade; esta é a questão fundamental. Ela é um termômetro da confiança e do respeito que a entidade tem com a massa. Ela é a entrada mais segura de recursos, que só depende do/da estudante.

Foi justamente por isso que o governo fascista mirou seu ataque e tentou desarticular o movimento estudantil brasileiro a partir da falsa carteira digital de estudante. Sabendo desta força, o fascista Bolsonaro esbravejou ao assinar a Medida Provisória: “Essa lei de hoje, apesar de ser uma bomba, é muito bem vinda, vem do coração. E vai evitar que certas pessoas, em nossas universidades, promovam o socialismo”.

Portanto, não podemos marcar bobeira, devemos ter lutas mais firmes e consequentes e entidades estudantis mais fortes, capazes de conquistar mais direitos e, para isso, precisamos de um financiamento mais vigoroso das lutas. Apesar disso, a carteirinha de estudante ainda é subestimada. Por vezes, entidades fazem a propaganda da carteirinha, com o foco central na comparação do preço ou reduzindo seu papel como um simples método de obter descontos em serviços.

É o que chamamos de “defensiva”. Rebaixamos nossa política, colocando na frente receios que não se comprovam na realidade, além de subestimar a consciência dos estudantes que as entidades representam. A verdade é que a ampla maioria da massa estudantil sonha com melhores condições de estudo, concordam que a luta é o caminho para mudar a educação e que, sem ela, mesmo seus objetivos individuais não podem ser alcançados. É por isso que nas recentes eleições de norte a sul do Brasil os programas das chapas mais combativas vencem de maneira arrasadora.

A carteira de estudante é a materialização do vínculo dos estudantes com sua entidade representativa. Assim como um trabalhador se filia a seu sindicato, os estudantes querem ser “estudantes de carteirinha” e materializar a representação daquela entidade estudantil, em especial as que desenvolvem as lutas. Além do mais, todos valorizam o imenso trabalho feito pelas lideranças estudantis, que fazem suas tarefas de maneira voluntária, sacrificando dias letivos e tempo com amigos para organizar mais atividades e, por isso, veem na carteirinha uma maneira de financiar a luta que também é sua.

O financiamento é apenas parte desse processo e podemos ter mais ousadia, desafiar a consciência da juventude brasileira a realmente responder aos ataques à educação com um contragolpe, manifestações, greves, marchas que nascerão mesmo das menores pautas, mas que nos levarão até a vitória.

Matéria publicada na edição impressa nº 308 do jornal A Verdade

O papel do jornal A Verdade no movimento estudantil

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Venda de centenas de exemplares do jornal A Verdade na eleição do DCE da UEMG, vencida pelo Movimento Correnteza, demonstra a importância do jornal na luta política entre os estudantes

Maria Cecília | Belo Horizonte (MG)


No dia 19 de fevereiro, a militância da União da Juventude Rebelião (UJR) e do Movimento Correnteza de Minas Gerais se encontrava distribuída em oito campi da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), quatro deles fora de Belo Horizonte, para o primeiro dia de eleição do Diretório Central dos Estudantes. A UEMG sofre com o constante sucateamento do Governo Romeu Zema: não existe bandejão e as bolsas de assistência estudantil não passam de R$ 400; alguns prédios são alugados e impróprios.

Para os últimos dias da eleição do DCE, a militância decidiu transformar o jornal A Verdade em sua principal ferramenta de diálogo com os estudantes e ficou estabelecida a meta de vender, ao menos, 300 exemplares. Às 10h00, um companheiro ligou: “Camarada, envie mais jornais. Já vendemos toda a meta do dia”. Às 13h00, a ligação se repetiu: “Camarada, envie mais jornal, já vendemos a meta da eleição inteira”.

O jornal A Verdade esteve no centro da campanha eleitoral desde o princípio e orientou todas as panfletagens, conversas com estudantes e passagens em sala. Em uma das aulas, apresentando a chapa e o Jornal, foram vendidos oito exemplares entre os estudantes e o professor. Essa proximidade do Jornal com a chapa foi percebida nos dias da eleição. Os estudantes falavam que era “o Jornal da turma do DCE”, “o Jornal da passagem em sala”, “o Jornal do pessoal da chapa”, e compravam a nova quinzena.

Durante a campanha, foram vendidos 520 jornais para os estudantes da UEMG, nas sete cidades em que estávamos, sendo quase 400 nos últimos dias. Através do jornal A Verdade foram recolhidos mais de 300 contatos de estudantes que querem se somar à luta por uma UEMG e por um mundo melhor.

A juventude do nosso país deseja e precisa ouvir a política das nossas organizações, expressa pelo Jornal, que denuncia os problemas que cada um de nós vive, todos os dias, mas que nos enche e direciona para algo novo: a construção do socialismo. Assim, nos primeiros minutos do dia 21 de fevereiro, com o Jornal erguido nas mãos, a militância da UJR e do Movimento Correnteza pôde comemorar mais uma vitória num DCE do país: 932 votos para nossa chapa.

Matéria publicada na edição impressa nº 308 do jornal A Verdade

A luta dos portuários contra a privatização dos portos

No Porto de Itajaí, em Santa Catarina, os portuários se mobilizam para enfrentar a ameaça de privatização. Brigadas operárias do jornal A Verdade impulsionam a organização da categoria

Leonardo Ziegler Huber e Tais Tasqueto Tassinari | Navegantes (SC)


Itajaí é a maior economia do Estado de Santa Catarina, e o trabalho portuário é ligado diretamente a sua história. No final do século 19 e início do 20, a atividade portuária detinha a maior concentração de trabalhadores. A relevância do porto e sua necessidade de melhorias foram percebidas pelo Governo Federal, que expediu, no ano de 1905, normas para organização e aperfeiçoamento do porto. Os trabalhos se iniciaram em 1907 e promoveram o melhoramento da barra de acesso, uma vez que, em virtude da pouca profundidade do rio Itajaí-Açu, muitos navios não conseguiam chegar ao cais. A primeira manifestação dos trabalhadores de Itajaí, no sentido de uma organização coletiva, ocorreu em 1902, com a fundação da Sociedade Operária Beneficente Itajahyense (Sobi), cujos membros eram majoritariamente integrantes de atividades portuárias e negros.

Quase um século depois, em junho de 1995, a autoridade sobre o porto foi cedida pela União para o Município de Itajaí, a partir do Convênio de Descentralização Administrava n° 001. O Governo Federal, através do Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR), na data de 02 de março de 2023, declarou que a União pretendia prosseguir com a proposta de manter a autoridade portuária pública por mais 35 anos (até o ano de 2058) e realizar licitação para arrendamento das áreas operacionais à iniciativa privada. Com isso, percebe-se que, ainda assim, o porto não opera 100% como público, sendo parte de seus trabalhadores contratados através do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), que atua no cais público, estabelecendo a forma de organização da contratação das categorias de estivadores, arrumadores, conferentes, vigias e consertadores. Já no século 21, os trabalhadores portuários ajudaram a cidade a chegar ao patamar da maior importadora do Brasil, além do segundo porto em movimentação de containers no país.

Tentativa de privatização

A precarização das condições de trabalho foi o primeiro passo, e essa é uma das características mais essenciais do processo de privatização neoliberal. O arrendamento com a empresa ATM no terminal de cargas finalizou em 2022, no Governo Bolsonaro. Na época, Tarcísio de Freitas (Republicanos), hoje governador de São Paulo, era ministro dos Transportes e eles decidiram que, naquele momento, não ocorreria mais o leilão de concessão, tendo uma queda de 95% do atracamento, praticamente paralisando o porto em um processo de sucateamento do mesmo.

O responsável pela condução do leilão de concessão, Diogo Piconi, ex-secretário de Portos do Governo Bolsonaro, depois de não efetivar o leilão, foi contratado pela Portonave como superintendente técnico, um porto totalmente privado que fica do outro lado do rio Itajaí-Açu, na cidade de Navegantes (SC). Não por acaso, no mesmo período, toda a carga que antes atracava no porto público de Itajaí começou a atracar no porto privado da Portonave.

Correio Junior, presidente do Sindicato dos Arrumadores, Trabalhadores Portuários Avulsos, Capatazia e Servidores dos Bloco de Itajaí e Navegantes, que apontava a contradição entre capital e trabalho, foi candidato a vereador, nas últimas eleições municipais, justamente pelo partido Republicanos, o mesmo de seus antigos patrões, que precarizam a vida dos trabalhadores portuários.

Lei dos Portos

Em março de 2024, Arthur Lira, então presidente da Câmara dos Deputados, criou uma comissão para revisar a Lei dos Portos, porém nenhum trabalhador portuário foi indicado para esta comissão. Somente na semana anterior à paralisação nacional (outubro de 2024), o Sindicato dos Trabalhadores Empregados na Administração e nos Serviços de Capatazia dos Portos, Terminais Privativos e Retroportuários no Estado do Paraná (Sintraport) teve acesso ao relatório desta comissão. Entre os principais pontos reformulados da lei, estão a eliminação de diversas categorias (vigias, guardas portuários, alguns funcionários administrativos), o fim da exclusividade dos trabalhadores portuários, que põe em risco o trabalho de categorias exclusivas dos portos, como a dos estivadores, que hoje são os únicos responsáveis pelo trabalho de carga e descarga portuária.

O relatório da comissão também impõe a criação de uma empresa paralela de trabalho nos portos, o que caminha na direção da precarização das condições de trabalho e dos salários, como disseram os próprios portuários durante as brigadas do jornal A Verdade. “Se privatizar, vai ser muito ruim para nós. Primeiro porque não houve conversa. Segundo que eu já trabalhei no porto na cidade vizinha que já é privado e lá eu ganhava um quarto do meu salário daqui e trabalhava quatro vezes mais. Lá a empresa não quer saber se o container pode vir a cair na nossa cabeça e muito menos deixar os trabalhadores se unirem, já que é impossível montar um sindicado, pois eles demitem todos que tentam”. Os trabalhadores portuários são contra toda essa terceirização dos serviços, como a da guarda portuária, que deixaria de existir com a reforma da Lei dos Portos.

Paralisação nacional

A paralisação foi organizada pela Federação Nacional dos Portuários (FNP). A proposta era de 12 horas de paralisação, com o objetivo de dar visibilidade às reivindicações da categoria; denunciar que as mudanças na lei usurpam direitos dos trabalhadores portuários; explicar que não estão pedindo nada de mais, além do emprego.

O Movimento Luta de Classes (MLC) iniciou as brigadas do jornal A Verdade no primeiro dia após a paralisação, seguindo todos os dias da semana, dada a rapidez com que a burguesia e seus representantes políticos têm para sabotarem os direitos dos trabalhadores. Em conversa com os trabalhadores portuários, muitos apontaram a necessidade urgente de unir as categorias e realizar greves não de apenas um dia, mas de cinco dias ou mais, o que demonstra que a rebeldia e a vontade de lutar existe nos trabalhadores, porém, muitos estão receosos com as possíveis mudanças na forma de contratação e acabam se sentindo obrigados a falar baixo ou ficarem quietos, quando algum supervisores aproximava.

No dia 23/10/2024, um dia após a paralisação, foi realizada a apresentação do relatório da comissão na Câmara dos Deputados com a presença das lideranças portuárias e sindicatos para cobrar explicações. Mesmo assim, ignorando as necessidades dos trabalhadores, a comissão aprovou o texto do relatório, que seguirá os trâmites internos das demais comissões. No dia 24, houve plenária dos portuários com representação de todas as federações para decidir os próximos passos da luta. A opinião dos portuários de Itajaí foi unânime: somente a greve nacional por vários dias conseguiria barrar os retrocessos.

Depois da tentativa de privatização e da eleição do Governo Lula, em 2022, outras incertezas se levantaram sobre a situação dos trabalhadores portuários e a movimentação de cargas no porto. A bola da vez sobre a situação é o processo de federalização. A decisão da federalização foi anunciada no dia 17 de dezembro de 2024, pelo Ministério dos Portos e Aeroportos, e justificada pelo governo como uma solução para estabilizar as operações e atrair novos investimentos. A Autoridade Portuária de Santos (PAS), responsável pelo maior porto da América Latina, assumiu a gestão do terminal portuário catarinense no dia 02 de janeiro deste ano. A questão da federalização pelo Governo Lula vem após as eleições para as municipalidades, em 2024, quando o prefeito fascista de Itajaí, Robison Coelho (PL), foi eleito. Federalizar o porto é afastar, ao menos temporariamente, a sua gestão das mãos do prefeito privatista e higienista de Itajaí.

Brigadas operárias

Desde a paralisação do porto, em 2022, após a tentativa de privatização pelos fascistas liderados por Bolsonaro, o MLC vem acompanhando a situação das trabalhadoras e trabalhadores portuários a partir das brigadas quinzenais do jornal A Verdade, coletando denúncias e aproximando-se cada vez mais da vida dessas categorias. No início de 2025, já foram seis brigadas, com dezenas de jornais vendidos. Muitos trabalhadores chegam para debater e apoiar o nosso trabalho no sentido da organização dessa categoria.

Nos Estados Unidos, em outubro passado, os portuários realizaram uma paralisação que interrompeu as atividades de 36 dos principais portos estadunidenses. Quase 50 mil trabalhadores cruzaram os braços e conquistaram um aumento de 62% nos salários.

As categorias que trabalham nos portos brasileiros merecem respeito e uma organização para chamar de sua. O trabalho de base, diário, sistemático e contínuo está crescendo cada vez mais com a classe operária desse país e a sua vitória é inevitável.

Matéria publicada na edição impressa nº 308 do jornal A Verdade