UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025
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Tarifa Zero: o povo quer andar, mas a burguesia bloqueia o caminho

Enquanto a população brasileira compromete cerca de 30% da renda familiar em um transporte público precário e caro, o debate sobre a Tarifa Zero ganha força no país.

Luna Zanetti e Cacau dos Anjos | Belo Horizonte (MG)


JUVENTUDE – Um dos principais problemas sentidos pelo povo trabalhador brasileiro é o do transporte coletivo e da mobilidade urbana. Altas tarifas são cobradas, um péssimo serviço é entregue e, ainda assim, as empresas responsáveis por garantir o serviço garantem lucros exorbitantes através dos subsídios e da exploração dos trabalhadores.

Não é difícil perceber os problemas ao entrar no ônibus em horário de pico: veículos sem ar-condicionado ou com o equipamento quebrado; o botão de parada sendo a voz dos trabalhadores, que precisam gritar para conseguir descer; o tempo que passamos dentro do transporte para chegar na aula e no trabalho e muito mais…

Tarifa Zero

Hoje, a população chega a usar, em média, 30% da renda familiar para pagar o transporte. São 138 cidades no Brasil onde já foi implementado a Tarifa Zero. Em Belo Horizonte, a cidade com o segundo pior trânsito do Brasil, a tarifa é R$ 5,75, chegando até R$ 20 na Região Metropolitana – sem contar que o preço aumenta anualmente.

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, publicada em fevereiro de 2025, comparou 57 cidades com Tarifa Zero com outras 2.731 que ainda cobram passagem. De acordo com os levantamentos, a gratuidade dos ônibus resultou em um aumento de 3,2% de empregos, 7,5% de empresas, redução de 4,2% de emissão de gases poluentes e diminuição das mortes no trânsito. São Caetano do Sul (SP) implantou a Tarifa Zero e viu o trânsito reduzir, com a retirada de 1.500 carros das ruas por hora.

Esse projeto, pautado também pelo Governo Federal, é pensado a partir de subsídios das prefeituras, além do pagamento obrigatório das passagens às empresas que contratam trabalhadores com carteira assinada. Dados apontam que se as empresas pagarem R$ 220 por trabalhador, seria possível arrecadar R$ 100 bilhões por ano, valor suficiente para financiar o transporte no país inteiro.

Logo, não há dúvidas de que a Tarifa Zero significaria uma mudança radical na vida das famílias trabalhadoras, que usariam a renda para outros fins e teriam um melhor acesso à cidade, cultura e até mesmo um melhor fluxo do trânsito.

A Batalha da CMBH

Em Belo Horizonte (MG), a bancada progressista da Câmara Municipal, liderada pela vereadora Iza Lourença (PSOL), protocolou o PL 60/2025, que visava a garantir o “Busão 0800” na capital mineira. O projeto, já muito avançado nas tramitações das comissões, foi colocado para votação no plenário no dia 03/10.

Foram mais de 300 estudantes e trabalhadores que ocuparam o plenário após intensa repressão dos seguranças, além de outras milhares de pessoas que ficaram do lado de fora da Câmara Municipal, cuja mesa diretora tentou impedir que a população entrasse na “casa do povo”, agredindo estudantes e trabalhadores. Durante o show de horrores e covardia que foi a votação, com 33 votos contra e 11 a favor, os estudantes fizeram um jogral e mostraram a força do povo organizado, amedrontando os vereadores reacionários, que saíram intimidados.

Mobilidade urbana

Pensar a mobilidade urbana é dar dignidade para a vida do povo pobre brasileiro. Os protagonistas desse debate não devem ser os que andam em carros de luxo e helicópteros, mas sim aqueles e aquelas que sofrem com a exploração desumana do sistema capitalista, a classe trabalhadora.

Mas só a Tarifa Zero não resolve todos os problemas. É urgente a construção de uma luta nacional pela estatização do transporte, para arrancar das mãos da máfia o que é nosso por direito. É preciso construir uma nova sociedade para acabar com a farra dos empresários capitalistas que lucram com nosso sofrimento.

Matéria publicada na edição nº324 do Jornal A Verdade.

“Antes de tudo, isso é uma greve contra a fome”

Estudantes do ensino técnico de todo o país estão organizando com a FENET no próximo dia 26 de novembro um Dia Nacional de Greve contra a evasão escolar e pela implementação de restaurantes acadêmicos.

Adriane Nunes e Julia Cacho | Diretoras da FENET


JUVENTUDE – O dia 26 de novembro foi a data aprovada pelo Congresso Nacional de Estudantes em Ensino Técnico, realizado em Salvador (BA), como dia nacional de greve pelos restaurantes acadêmicos. Nos últimos anos, a Federação Nacional de Estudantes em Ensino Técnico (Fenet) tem se dedicado a construir a luta pela assistência estudantil e acesso à alimentação na rede, denunciando que a falta de restaurantes implica na fome de milhares de jovens todos os dias, gerando a evasão escolar, visto que são filhas e filhos dos milhões de brasileiros que ainda vivem com baixa renda, representando cerca de 60% dos estudantes da rede federal.

“Não dá mais para esperar. Exigimos respeito do Governo Federal. Desde que os Institutos Federais foram criados, lutamos pela sua existência e expansão, como foi nas jornadas de luta de 2016 e 2019 contra os cortes orçamentários na educação e, em 2024, quando fortalecemos a Greve Nacional da Educação e conquistamos a promessa de 300 bandejões até o ano de 2026. Porém, efetivamente, essa promessa não se cumpriu: apenas oito foram inaugurados”, diz Ana Luiza, estudante do IFBA e coordenadora-geral da Fenet.

Ela se refere ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado pelo Governo Federal em 2024. “A Greve Nacional aprovada pelos estudantes e grêmios de todo o Brasil no nosso Congresso Nacional teve uma unanimidade: a fome tem pressa, e não podemos esperar. Estamos desmaiando nas salas de aula, pois nosso almoço virou coxinha e refrigerante superfaturados. Antes de tudo, o que estamos fazendo é uma greve contra a fome”, continua.

No último 22 de outubro, os grêmios estudantis sob a direção da Fenet organizaram uma Plenária Nacional com a participação de 80 grêmios de vários estados e de todas as regiões do Brasil para lançar o Manual da Greve. Esse espaço foi um momento de relato de várias iniciativas que foram tomadas pelos Grêmios para iniciar as mobilizações para o Dia Nacional de Greve, a exemplo do Estado de São Paulo, onde o Grêmio do IFSP Campus São Paulo passou nas salas de aula elegendo os representantes para o comitê de greve, assim como no Rio de Janeiro, onde o Grêmio do IFRJ Campus Duque de Caxias está organizando um campeonato esportivo para o dia da Greve com o objetivo de fortalecer a mobilização e promover o acesso ao esporte.

Na região Nordeste, a mobilização com os grêmios e os líderes de turma tem sido fundamental. No IFRN Natal Central formaram-se filas para assinar o abaixo-assinado pelo bandejão após o primeiro dia de passagem em sala convocando para a Assembleia do dia 05 de novembro, na Escola Técnica Estadual de Teatro, no Piauí, mesmo a direção perseguindo o grêmio, os estudantes já se decidiram: dia 26 de novembro, é greve! Assim foi também na região Norte, onde os grêmios dos IFs de Rondônia mobilizaram a rede federal para parar tudo no dia 26 de novembro.

Já na região Sul, foi fundado o grêmio estudantil no IFRS Campus Vacaria e feita a reunião dos representantes de turma para a formação do comitê de greve. Do mesmo modo, no IFRS Campus Alvorada e IFRS Campus Restinga. Já no Centro-Oeste, o grêmio do IFB Campus Brasília tem planejado as atividades para o dia da paralisação.

Assim, os estudantes em ensino técnico têm se ousado a escrever mais um capítulo na história do movimento estudantil brasileiro e na trajetória do ensino técnico do Brasil. Convoque seu grêmio estudantil e escola para se somar no Dia Nacional de Greve Estudantil, em 26 de novembro!

Matéria publicada na edição nº324 do Jornal A Verdade.

Montadora chinesa explora trabalhadores brasileiros

Jornadas de 12 horas, falta de EPIs e alojamentos precários são a realidade oculta pelos lucros bilionários da montadora chinesa BYD.

Redação Bahia


TRABALHADOR UNIDO – No dia 9 de outubro, foi inaugurada a fábrica da montadora chinesa de carros elétricos BYD com a presença do presidente Lula, do vice-presidente e ministro da Indústria Geraldo Alckmin (PSB) e do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT). No entanto, não estavam presentes os operários da fábrica, uma vez que a empresa decidiu dispensá-los devido ao evento e compensar essa “folga” com mais um dia de trabalho. Excluir os trabalhadores da inauguração é uma demonstração de que a empresa não é, de fato, a “construção de sonhos”, como foi enfatizado pelo presidente, em referência ao lema da montadora (build your dreams – BYD).

No primeiro semestre deste ano, a empresa alcançou a receita de US$ 52,3 bilhões, um aumento de 23,3% em relação a 2024, e um lucro líquido de US$ 2,1 bilhões, 13,78% de aumento em relação ao ano anterior. Os lucros exorbitantes concentrados nas mãos dos donos de multinacionais só podem existir, justamente, por causa das condições de miséria e superexploração sofridas pela grande massa de trabalhadores que constroem as riquezas em detrimento de seus próprios sonhos.

A militância da Unidade Popular (UP) e do Movimento Luta de Classes (MLC) vem realizando regularmente, desde janeiro, as Brigadas Operárias do jornal A Verdade na porta da montadora, localizada no Polo Industrial de Camaçari (BA). São várias as denúncias relatadas aos brigadistas: jornadas extenuantes de 12 horas de trabalho no dia, alojamentos insalubres, longas distâncias percorridas a pé, falta de chuveiros e locais apropriados de descanso.

Além disso, “uma das empresas terceirizadas tem três valores de salário diferentes para trabalhadores que exercem a mesma função. Obriga os funcionários brasileiros a trabalharem sem EPIs e há desvio de função. Se o trabalhador se recusar, eles mandam embora. As empresas que não seguem as NRs são multadas pela BYD. Para elas, é melhor pagar a multa do que trabalhar com segurança de acordo com o que as Normas Regulamentadoras estabelecem. Por quê? Porque a saúde do trabalhador não significa nada para eles”, denunciou um trabalhador em anonimato.

Vale lembrar que, durante a construção da fábrica da BYD, em dezembro de 2024, houve denúncias de trabalho análogo à escravidão e tráfico de pessoas praticadas por terceirizadas da montadora chinesa. O Ministério Público do Trabalho (MPT) denunciou essa situação e pleiteou o pagamento de R$ 257 milhões por danos morais coletivos.

Recentemente, os brigadistas do jornal A Verdade chegaram à fábrica e se depararam com uma greve dos cegonheiros, pois a montadora optou por contratar empresas externas para fazer a logística, encerrando abruptamente os contratos com os motoristas locais.

Conversando com esses trabalhadores, um dos caminhoneiros comprou 20 jornais por R$ 100. Ao todo, foram vendidos 32 jornais nessa brigada com diversos contatos para nossa luta.

Matéria publicada na edição nº324 do Jornal A Verdade.

Indústria alimentícia lucra bilhões, enquanto operários recebem carne de brinde

Enquanto a indústria alimentícia lucra bilhões, sendo isenta do pagamento de impostos, os trabalhadores são submetidos a jornadas exaustivas, enriquecendo cada vez mais o bolso dos grandes ricos.

Biana Politto e Humberto Prata | Cuiabá (MT)


TRABALHADOR UNIDO – A indústria alimentícia é responsável por processar e industrializar matérias-primas de origem animal e vegetal, transformando-as em alimentos e bebidas destinados ao consumo. Já os frigoríficos são unidades industriais onde ocorre o abate e o processamento de carnes bovina, suína e avícola. No setor frigorífico, a JBS, por exemplo, seguindo o procedimento comum entre as demais empresas, destina 70% de toda a sua produção à exportação. Outra característica dessa área é a altíssima lucratividade: somente a Marfrig, uma das maiores empresas de processamento de proteína animal do mundo, atingiu, em 2024, uma receita líquida anual de R$ 144,2 bilhões, um crescimento de 14% em relação a 2023.

As contradições do agronegócio

De modo geral, o agronegócio é totalmente isento do pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre as exportações de produtos primários e semielaborados, como a carne “in natura” ou semiprocessada, por exemplo. No caso do setor frigorífico, a exportação de carnes é imune ao pagamento de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), ISS (Imposto sobre Serviços), IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), bem como PIS/Pasep e Confins – estes últimos, considerados contribuições sociais.

Em contrapartida, os brasileiros pagam, por ano, quase R$ 3 trilhões em impostos. Entretanto, ao contrário do que se propaga, não é a classe rica que arca com a maior parte dessa carga tributária. De acordo com a Receita Federal, mais de dois terços dos impostos arrecadados no Brasil são pagos pelos assalariados, ou seja, pelos brasileiros cuja única fonte de renda é o salário.

Como se não bastassem os benefícios tributários concedidos à indústria alimentícia, enquanto os trabalhadores arcam com a conta, vale destacar que o agronegócio brasileiro ainda é custeado pelo chamado Plano Safra. Trata-se de um programa que disponibiliza recursos financeiros por meio de crédito rural com taxas de juros subsidiadas, significativamente menores do que aquelas normalmente praticadas no mercado.

Para se ter uma ideia, o valor total previsto para o Plano Safra no anuênio 2025/2026 é de R$ 516,2 bilhões, enquanto o orçamento anual do Bolsa Família, em 2024, foi de R$ 170,2 bilhões, beneficiando um total de 54,3 milhões de pessoas, com uma média de R$ 684 por família. Isso significa que o custo do Plano Safra é três vezes maior que o investimento social anual do Bolsa Família. Indo além, cerca de 80% da distribuição desses generosos créditos é destinada exclusivamente à agricultura empresarial, ou seja, a médios e grandes produtores.

Esse recurso, portanto, não tem como objetivo garantir a produção de mais e melhores alimentos para o povo brasileiro, mas sim sustentar o crescimento dos lucros de grandes empresas, que, como vimos, priorizam a exportação. Percebe-se, então, que é no mínimo enganosa a afirmação de que o “agronegócio carrega o Brasil nas costas”. Na realidade, seja pelos benefícios tributários que recebe, seja pelo valor do Plano Safra que o sustenta, é o povo brasileiro quem suporta o peso do agronegócio sobre os próprios ombros.

Relações de trabalho exploratórias

Embora o agronegócio, a indústria alimentícia e seu braço frigorífico já sejam altamente beneficiados do ponto de vista tributário e fiscal, os patrões continuam explorando cada trabalhador ao máximo. Basta notar que grande parte das denúncias comprovadas de submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravos no Brasil tem origem no campo.

Em situações extremas, mas não incomuns, em virtude da produção frigorífica incessante, necessária para o cumprimento dos volumosos contratos de exportação, a indústria de carnes negligencia a manutenção de suas unidades produtivas. Isso conduz ao vazamento de gases tóxicos no ambiente de trabalho, os quais afetam severamente a saúde dos trabalhadores.

E não para por aí: os frigoríficos também sonegam sistematicamente os direitos trabalhistas mais elementares de seus empregados, expondo-os, por exemplo, a ruídos e frio intensos, sem sequer pagar a ínfima contrapartida do adicional de insalubridade. Além disso, desrespeitam sem pudores as pausas térmicas legais – que deveriam garantir aos trabalhadores 20 minutos de descanso a cada 1 hora e 40 minutos de trabalho em ambiente frio – obrigando-os, assim, a jornadas diárias superiores às previstas em lei.Em alguns, negam atestados médicos, descontando dos salários os dias não trabalhados por motivo de saúde. E, ainda não satisfeitas, determinadas empresas praticam uma hipócrita “campanha contra as faltas”, oferecendo uma pequena peça de carne por mês apenas aos operários que não apresentaram nenhum atestado médico. A pergunta que fica: é correto punir um trabalhador por ficar doente? Ou melhor: aos operários e operárias dessa indústria alimentícia, não seria justo ter acesso integral à quantidade necessária desse alimento, já que é principalmente do trabalho deles e delas que advém toda essa gigantesca produção?

Não é por acaso que, mesmo com todas as regalias que os “reis” do agronegócio e as empresas adjacentes possuem, a exploração do trabalho permaneça como elemento central da relação entre patrão e operário. Baixos salários, grandes jornadas, metas abusivas, acidentes de trabalho, demissões e constantes ameaças continuam presentes no cotidiano de quem atua na indústria alimentícia. Tudo isso porque é principalmente por meio da exploração dessa mão de obra que esses ricos alimentam, ano após ano, seu grande capital.

No entanto, é muito importante reconhecer que sem os milhões de trabalhadores dando duro nesse setor, não existiria tanta riqueza. Logo, como todo reinado um dia chega ao fim, e essa “burguesia agro” nada contribui objetivamente para a sociedade brasileira, apenas vive da exploração do trabalho alheio, é chegada a hora de a classe operária se levantar e reivindicar o que é seu por direito.

Matéria publicada na edição nº324 do Jornal A Verdade.

Santa Cruz e a luta contra o racismo no futebol

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A história do clube pernambucano é um exemplo vivo de como o futebol pode ser um instrumento de resistência da classe trabalhadora e de combate à segregação racial imposta pelas elites.

Jesse Lisboa e Clóvis Maia | Redação PE


HISTÓRIA – O futebol brasileiro, historicamente apropriado pelas classes dominantes como espaço de exclusão, também carrega em suas raízes exemplos de resistência popular. Em Pernambuco, o Santa Cruz Futebol Clube ergueu-se não apenas como uma agremiação esportiva, mas como um verdadeiro movimento de massas contra o racismo e o elitismo que dominavam o esporte no início do século XX.

Fundado em 3 de fevereiro de 1914, o clube nasceu da iniciativa de onze garotos, com idades entre 14 e 16 anos, que se reuniam para jogar bola nas ruas do bairro da Boa Vista, em frente à Igreja de Santa Cruz. Eram jovens excluídos dos sofisticados clubes da época, restritos à pequena burguesia recifense. Mas, diferentemente de seus rivais, o Santa Cruz já nascia com a marca da integração e da luta de classes.

“A mística do time capaz de superar qualquer dificuldade e reerguer-se quando parecia impossível junto com os mais pobres da sociedade, foi forjada nos primeiros anos do Santa Cruz Futebol Clube. O primeiro obstáculo a ser vencido foi o racismo.”, destaca o Santa Cruz ao contar sua história.

Entre os fundadores, que acumulavam as funções de dirigentes e atletas, estava Teófilo de Carvalho, o Lacraia. Foi capitão, técnico e até o desenhista do primeiro escudo do clube, cujos traços resistem até hoje. A presença de um negro em posição de destaque foi determinante para que o “Tricolor” conquistasse a simpatia imediata do povo em Recife

Enquanto rivais como América, Sport e Náutico fechavam suas portas para o povo, mantendo-se como redutos da aristocracia branca, o Santa Cruz abria seus braços para negros e brancos pobres. Essa democratização precoce gerou uma via de mão dupla: por acolher os invisibilizados, o clube recebeu em troca uma devoção quase religiosa, tornando-se o “Time do Povo”.

A relação orgânica entre o clube e a classe trabalhadora foi reconhecida até mesmo pela imprensa burguesa da época. O Diário de Pernambuco, em 17 de fevereiro de 1943, registrou:

“Este Clube popular que, quando vence, as massas regurgitam de contentamento; os subúrbios engalanam-se de festas; o operariado do sopé dos morros ou da humildade dos mangues exulta de entusiasmo. Comemoram estas vitórias no ambiente modesto de suas moradias, como se tivessem tirado a sorte grande. Para esta gente popular, o Santa Cruz é tudo. Para o Tricolor de todos os tempos, este povo heterogêneo é a razão de sua existência. O Santa Cruz pertence às multidões, independentes de classe ou de posição social.”

Essa força coletiva se manifestou de forma contundente em diversos momentos da história. Em 1955, a contratação de Moacyr Barbosa, o lendário goleiro negro da Seleção Brasileira, só foi possível graças à mobilização do povo. Para pagar os 200 mil cruzeiros de luvas, a torcida organizou uma arrecadação massiva. O Diário de Pernambuco de 5 de agosto de 1955 relatou a comoção:

“Numerosos associados, famílias e simpatizantes de todas as camadas sociais estiveram no Arruda, elaborando intensamente. (…) Uma criança pobre, de dez anos de idade, enviou 5 cruzeiros, por intermédio do seu irmãozinho um pouco maior, dizendo que também queria ajudar para a contratação de Barbosa. Foi a nota mais sensacional da tarde”.

A mesma lógica de mutirão e solidariedade de classe ergueu, nas décadas de 60 e 70, o Estádio do Arruda. Na histórica “Campanha do Tijolo”, milhares de trabalhadores doaram materiais e horas de trabalho voluntário para construir sua própria casa, o Arrudão, provando que o patrimônio do clube é fruto do suor de sua torcida.

Combater o racismo e construir o poder popular

A trajetória do Santa Cruz é a prova de que o futebol não é apenas um jogo, mas um campo de disputa política e social. Nada do que o clube representa hoje seria possível sem a coragem de Lacraia e de tantos outros jovens, negros e operários.

Também é importante notar que mesmo após toda modificação do futebol, tornando-se uma verdadeira indústria mundial, onde bilhões circularam ano após ano, esse esporte ainda é uma referência para a classe trabalhadora e encontra, dentro e fora de campo, espaço para debater e refletir nossa sociedade.

Hoje, as torcidas organizadas são atacadas por todos os lados, mas ainda representam uma grande força de mobilização e organização coletiva. Tais times como o Santa Cruz, que vem sofrendo com a tentativa de retirar de vez o controle do time da mão dos sócios, por meio das SAFs (Sociedade Anônima de Futebol, ou seja, transformar o time da sociedade civil- seus sócios- em uma empresa privada), continuam resistindo e fazendo a alegria de milhares de pessoas, a grande maioria das periferia, que vê nesse esporte, nesses times e em sua trajetória, algo também pertencente a eles.

Trabalhadores do Mix Mateus no Recife denunciam exploração

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Trabalhadores do Mix Mateus Santo Amaro, em Recife, enfrentam uma rotina de exaustão marcada pela escala 6×1, desvio de função, sobrecarga de trabalho e falta de estrutura básica de descanso.

Jesse Lisboa e Evelyn Dionízio | Redação PE


TRABALHADOR UNIDO – Na escala 6×1 o trabalhador cumpre seis dias seguidos de trabalho e descansa apenas um. Esse modelo de jornada de trabalho é hoje o mais comum entre os setores de serviço e comércio. Após a aprovação da Reforma Trabalhista do governo golpista do Michel Temer (MDB), a jornada de trabalho aumentou significativamente, levando, principalmente os terceirizados, a trabalharem mais de 48 horas por semana.

Com isso, sobra menos tempo de descanso, ainda mais quando se trabalha 6 dias por semana. Desgaste físico, psicológico, acidentes e afastamentos em consequência dessa sobrecarga são a realidade da maioria dos trabalhadores dessa escala. As mulheres, em especial, têm uma carga de trabalho ainda maior. Segundo o IBGE, a média de trabalho das mulheres é, em média, uma jornada total de mais de 55 horas semanais.

Essa escala é desumana e relega os trabalhadores à exaustão e a extensas jornadas de trabalho por apenas um salário mínimo que não fornece o necessário para sua sobrevivência e de sua família. O Mix Mateus Santo Amaro, localizado na Avenida Cruz Cabugá, no Centro do Recife, faz parte de um Grupo que lucra bilhões de reais para encher os bolsos dos donos e acionistas, enquanto os empregados são esmagados por jornadas abusivas, desvio de função e perseguição em apenas 2 anos desde a inauguração.

O desvio de função é prática recorrente no local. Isso faz com que os trabalhadores que foram contratados para uma função, sejam designados para outras sem receber por isso. Operador de caixa, por exemplo, se torna estoquista. Em alguns casos, além de Equipamentos de Proteção Individual, o trabalhador com esse cargo tem direito ao adicional de insalubridade. Com o desvio de função, não há controle e o direito não é garantido.

Além disso, o acesso ao refeitório é limitado e controlado. Isso faz com que o trabalhador tenha que se privar do acesso ao benefício básico que é o horário de almoço, jantar e até mesmo café da manhã. O espaço de descanso é inexistente. Os trabalhadores têm que passar o horário do intervalo na área externa do mercado, muitas vezes passando pelo calor extremo do Recife.

No fim, não tem garantia de estabilidade no emprego ou perspectiva de melhoria. No ano de 2026 estão previstas demissões em massa, com a fusão com o Novo Atacarejo. Essa fusão dos supermercados não visa melhorar o atendimento ou baixar preços, mas sim fortalecer um monopólio regional. O objetivo central é eliminar a concorrência para ditar as regras do mercado e, acima de tudo, maximizar os lucros dos acionistas às custas do suor dos trabalhadores.

Para barrar essa exploração, o caminho é a luta e a organização em um movimento que luta para elevar a consciência dos trabalhadores para derrubar a escala 6×1, denunciar o capitalismo e propagar o socialismo. O Movimento Luta de Classes, movimento combativo, faz parte do movimento operário capaz de mobilizar o conjunto da classe trabalhadora para a mudança real da precarização em que vivem.

Elaborar um plano de lutas coletivo e desenvolver a linha política é fundamental para que os núcleos tenham vida orgânica e ativa nas lutas diárias para uma mudança real na sociedade. Assim, será capaz de mostrar que é possível não só derrubar a 6×1, mas também o sistema capitalista, responsável pelos baixos salários, exploração desenfreada e pelo adoecimento do nosso povo.

Movimento de Mulheres Olga Benario lança site

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Espaço é mais uma forma de organizar as mulheres brasileiras, além de representar um avanço na atuação do movimento feminista.

Comissão de Comunicação do Movimento de Mulheres Olga Benario


 

MULHERES- No dia 16 de novembro, o Movimento de Mulheres Olga Benario colocou no ar o seu site, uma nova ferramenta para fortalecer a comunicação, a memória e a organização das mulheres na luta por seus direitos no Brasil e no mundo.

A plataforma foi desenvolvida pela companheira Sara Lins, do Distrito Federal, que materializou as ideias construídas pela coordenação nacional do movimento.

O site reúne informações essenciais para quem deseja conhecer o Olga e suas bandeiras. Nele, o público encontra a defesa do feminismo marxista, a relação do movimento com o partido Unidade Popular, a história de Olga Benario, as ocupações organizadas e os estados onde o movimento atua, facilitando que mulheres interessadas encontrem o núcleo mais próximo.

A página também permite adquirir produtos do movimento e acompanhar matérias publicadas na seção “Mulheres”, do Jornal A Verdade.

Para conhecer o site, acesse: Movimento de Mulheres Olga Benario

Greve dos trabalhadores do Hospital Veredas, em Alagoas, completa uma semana

Movimento grevista se fortalece e só deve encerrar após o pagamentos dos salários atrasados.

Ésio Melo| Redação Alagoas


TRABALHADOR UNIDO- As trabalhadoras e os trabalhadores do Hospital Veredas estão em greve em defesa do pagamento de seus salários. A greve iniciou dia 12 de novembro e, desde então, a categoria diariamente tem fechado Avenida Fernandes Lima, principal corredor de transportes de Maceió, em protesto contra a administração do hospital.

O imponente e tradicional Hospital do Açúcar, hoje Hospital Veredas, deve aos seus funcionários e funcionárias, da enfermagem à administração e limpeza, 50% do décimo-terceiro salário de 2024, os meses de abril e maio de 2025 e os meses de agosto, setembro e outubro de 2025, além do complemento do Piso Nacional da Enfermagem.

Graças a greve, nas 48 horas iniciais do movimento, foi pago o mês de agosto. Mas as trabalhadoras e os trabalhadores decidiram só encerrar a greve após a quitação dos meses em atraso.

“Nós trabalhamos aqui em prol da população, daqueles que precisam realmente. Nós estamos aqui, pacificamente, lutando pelo nosso salário. Nós queremos honrar com nossas dívidas, nossos compromissos. Queremos comprar alimentos para nossas casas, deixar nossos filhos com alimentos dentro de casa. Infelizmente estamos impedidos de honrar com nossos compromissos”, afirmou uma trabalhadora do setor administrativo.

O atraso dos pagamentos não é novidade. Nos últimos anos, o Hospital enfrentou diversas greves, mesmo tendo recebido mais de R$ 1 bilhão dos cofres públicos. A administração do Hospital, ligada ao deputado federal e ex-presidente da câmara, Arthur Lira (PP-AL), passou a receber volumosos recursos de emendas e repasses do SUS, a partir de 2017, quando o Ministério da Saúde passou para as mãos do Partido Progressista.

Girlene, técnica de imobilização, trabalha há 8 anos no Veredas e, desde então, diz que é recorrente os atrasos salariais. “Devo à Deus e ao mundo. Desde que vim trabalhar aqui, meu nome está sujo”. Ela participou de todas as últimas greves, inclusive da realizada em agosto de 2025. Desta vez, ela levou suspensão porque faltou ao trabalho.

“Levei suspensão porque não tinha dinheiro para vir trabalhar. Como a pessoa vem trabalhar sem dinheiro! O Hospital está lotado, se pagar nossos salários a gente vai trabalhar”, completou.

O Movimento Luta de Classes e a Unidade Popular participam ativamente das greves desde 2023.”Quando as trabalhadoras e os trabalhadores param é porque se faz necessário. É porque têm o compromisso de trabalhar, mas também têm o direito de receber seus salários. O dinheiro entra no hospital, mas a administração do hospital diz que não tem dinheiro para pagar os salários. O fato é que esses trabalhadores estão sendo roubados. E quem é contra o roubo, faz greve, vem pra rua e não aceita ficar sem salários”, disse Ésio Melo, presidente da UP-AL.

A greve conta com a participação direta do Sindicato da Enfermagem (Sineal), dos Técnicos de Enfermagem (Sateal) e da Radiologia (Sintraeal), que garantem que o movimento grevista só termina com o pagamento integral dos salários.

Indígenas cobram por mais segurança em Alagoas

No dia 09 de novembro o povo Wassu Cocal, do município de Joaquim Gomes, Alagoas, fecharam a BR-101 em protesto contra o atropelamento de dois indígenas que estavam fazendo caminhada. A comunidade questiona a insegurança no local e o abandono por parte das autoridades locais.

Clóvis Maia| Redação


 

LUTA POPULAR- No dia 08 de novembro, dois indígenas do povo Wassu Cocal, no município de Joaquim Gomes, Alagoas, foram atropelados enquanto faziam caminhada. Um dos indígenas atropelados, Charles, que acabou não resistindo aos ferimentos, trabalhava como profissional de saúde e era uma liderança na comunidade, o que causou revolta e indignação e um protesto na manhã do dia seguinte (09/11), fechando a BR-101 para exigir justiça e resposta das autoridades locais.  O motorista que atropelou os dois indígenas estava alcoolizado. Além disso, esse não foi o primeiro atropelamento que ocorreu envolvendo os moradores dos quatro núcleos do povo Wassu.

No dia 09, durante a manifestação na BR-101, cacique Edmilson, falando para o jornal A Verdade afirmou que o que aconteceu aqui não foi um acidente. Foi uma violência, um crime. Aqui é muito perigoso. Perdemos um parente, outro ficou hospitalizado, e nós queremos que seja feita justiça. Já Rubenita, uma das organizadoras da manifestação relatou que é preciso que tenha sinalização, melhorias nessa BR. São vários parentes que utilizam diariamente essa pista. Eu mesma faço minhas caminhadas diariamente e estou com medo. A gente convive aqui com a insegurança. É por isso que iremos continuar defendendo nosso território e lutando por ele.

Luta e resistência

O território Wassu-Cocal teve sua homologação em 2007, porém, até hoje os indígenas enfrentam diversas dificuldades para manter suas tradições, suas terras e seus direitos como povos originários. Uma dessas dificuldades tem sido a iluminação pública e a sinalização na BR-101, que corta seu território. Após o ato do dia 09, que conseguiu da justiça alagoana a promessa de que a investigação será feita mais dois casos ocorreram, dias 10 e 11 de novembro, quando um carro com uma família foi atingido de raspão por uma carreta e uma jovem universitária teve a perna fraturada após ser atropelada por uma caminhonete, onde, novamente, o motorista fugiu sem se quer prestar socorro.

Como se não bastasse a dívida histórica que o país tem com seus povos originários, é revoltante observar que ainda hoje, mesmo com todo um discurso de sustentabilidade, proteção ambiental, respeito e reparação aos povos originários em nosso país, temos que ver esse tipo de abandono. Por isso, o povo Wassu Cocal continua lutando.

Enquanto o Brasil recebe a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (a COP 30) e os indígenas questionam o atual modelo de sociedade, que só deseja lucrar com a pauta ambiental, e seguem sendo exemplo de luta e nos inspirando em busca de uma sociedade realmente igualitária.

 

O povo Wassu Cocal teve seu território homologado em 2007, mas até hoje luta e resiste para manter seus direitos.
Cacique Edmilson: “Nossa luta é por justiça e em defesa de nosso território’.

Descoberto esquema de corrupção na mineração em Minas Gerais

Empresários e as mineradoras coordenam esquema bilionário de fraudes, falsificação de documentos e subornos em licenças ambientais concedidas por pessoas ligadas ao governador Romeu Zema em órgãos do Governo de Minas Gerais em áreas de proteção ambiental, como a Serra do Curral, em Belo Horizonte. Agentes públicos, delegado federal, diretor da Agência Nacional de Mineração, diretor da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), entre outros empresários, estavam facilitando a exploração de minérios e os altos lucros das mineradoras.

Coletivo Cacique Merong (MG)


BRASIL – A Operação Rejeito, deflagrada pela Polícia Federal no dia 17/09, revelou um esquema bilionário de corrupção na mineração em Minas Gerais e atingiu diretamente o alto escalão do governo Romeu Zema (Novo).

De acordo com as investigações, a organização pretendia dominar a Serra do Curral, que é parcialmente tombada e está dentro da área urbana de Belo Horizonte. A apuração detectou que o grupo investigado teria corrompido servidores públicos em diversos órgãos estaduais e federais de fiscalização na área ambiental e de mineração, com a finalidade de obter autorizações e licenças ambientais fraudulentas. Essas autorizações eram utilizadas para usurpar a lei e explorar irregularmente minério de ferro em larga escala, incluindo em locais tombados e próximos a áreas de preservação, com graves consequências ambientais.

Empresários corruptores

Deflagrada em setembro, a Operação já levou à prisão 22 pessoas, entre empresários, lobistas e agentes públicos. A organização criminosa também atuou para neutralizar a ação do Estado, dificultando as investigações e monitorando autoridades. Além disso, utilizou diversos esquemas para lavar o dinheiro obtido com as práticas ilícitas. A investigação revelou um esquema sofisticado, separado por núcleos, que atuavam para liberar licenças ambientais irregulares e movimentavam milhões por meio de empresas de fachada.

Havia núcleo de articulação: responsáveis por aproximar empresários e órgãos públicos para destravar processos; núcleo jurídico: advogados e consultores elaboravam contratos, pareceres e pedidos de defesa; núcleo financeiro: controlava planilhas, contas de laranjas e o pagamento de propinas; núcleo gerencial e ambiental: mantinha contato com órgãos ambientais e assinava termos para facilitar liberações; núcleo de servidores públicos: aceleravam autorizações e desconsideravam pareceres técnicos em troca de vantagens financeiras.

Para disfarçar o esquema, mais de 42 empresas de fachada foram abertas e eram utilizadas para repassar propinas, movimentar recursos e dar aparência de legalidade às operações. A PF identificou várias relações de sobreposição de empresas, como se fossem proprietárias uma das outras, para dificultar o rastreamento da origem do dinheiro. Os valores dos projetos em andamento somavam um potencial econômico superior a R$ 18 bilhões, contando com um lucro já obtido de R$ 1,5 bilhão ao grupo investigado.

Esquema dentro do Governo

Com a responsabilidade de cada núcleo definida os três líderes do esquema, os empresários Alan Cavalcante do Nascimento, Caio Mario Seabra e o ex-deputado João Alberto Paixão Lages (MDB) agiam de forma orquestrada para burlar as leis e conseguir licenças fraudulentas para a mineração. A 3ª Vara Federal Criminal de Belo Horizonte determinou a prisão preventiva dos três.

O presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), João Paulo Martins, foi exonerado um dia depois da operação. O chefe de gabinete dele, Daniel Silva Queiroga, pediu para deixar o cargo. Segundo a Polícia Federal, Martins tem ligação com Débora Maria Ramos do Nascimento França, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) entre 2020 e 2023. Ele é servidor de carreira e atuou sob a chefia de Débora. A investigação apontou que Débora França favoreceu diretamente a mineradora Fleurs Global, atuando “para viabilizar o licenciamento ambiental de empreendimento instalado irregularmente em área de sítio arqueológico” na Serra da Grupiara, em Jequitaí, no Norte de Minas.

Mensagens interceptadas pela polícia mostram que a superintendente atendeu solicitações diretas de João Alberto Lages. Em uma das conversas, enviada a Lages por Gilberto Henrique Horta de Carvalho há menção ao pagamento de valores a Débora França como contrapartida pelos atos praticados enquanto superintendente.

Gilberto Henrique Horta de Carvalho, pela Operação, é tido como um dos articuladores do grupo criminoso e foi também candidato ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) em 2023. Na ocasião recebeu apoio de Jair Bolsonaro e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL).

As investigações ainda apontaram que, em 7 de maio de 2021, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por Breno Esteves Lasmar, em nome da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, beneficiando a mineradora Gute Sicht – ligada ao grupo investigado. Breno, diretor-geral do IEF, foi alvo de busca e apreensão e exonerado pelo Governo.

Outro servidor afastado do cargo é Arthur Ferreira Rezende Delfim. Menos de 24 horas antes de ser preso na Operação Rejeito, Arthur Delfim participou de uma audiência pública na Assembleia Legislativa como diretor de regularização ambiental da Feam. As investigações mostraram que ele atuou junto à organização criminosa para viabilizar a concessão da Licença de Operação Corretiva à Fleurs Global, mesmo diante de irregularidades e ausência de manifestação conclusiva dos órgãos competentes.

Também deixou o cargo na Feam Fernando Baliani da Silva, que era diretor de Gestão Regional do órgão. Ele foi alvo de mandados de busca e apreensão. Segundo a PF, Baliani teve participação direta em processos de licenciamento ambiental que beneficiaram empresas ligadas à organização criminosa.

Parlamentares envolvidos

Conversas interceptadas revelam que, em fevereiro de 2024, o lobista Gilberto Henrique Horta de Carvalho, também preso na operação, esteve no gabinete do deputado Bruno Engler (PL) para pedir vista de um projeto que ampliava a área de proteção da Serra do Curral por sugestão do ex-parlamentar.

O “operador financeiro” desse grupo seria Felipe Lombardi Martins, que também atuou como assessor do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A aproximação entre os dois aconteceu por intermédio de João Alberto Lages. De acordo com a investigação, ele era o “responsável pela triangulação de valores, controle de aportes, saques em espécie e entrega de propinas”. O inquérito identifica como o “homem da mala” da organização.

Segundo a decisão judicial que embasa a operação, Hidelbrando Canabrava Rodrigues Neto (PL), vice-prefeito de Itaúna e secretário de Urbanismo e Meio Ambiente (exonerado), aparece como sócio e operador em negócios suspeitos ligados à exploração irregular de minério. A HCRN Assessoria e Consultoria Ambiental Ltda, constituída em 7/4/2021, é de propriedade de Hidelbrando que, por sua vez, é sócio de Gilberto Horta na empresa Ursa Maior e da GMAIS Ambiental nas empresas BRAVA e Verdecál.

Esse vínculo empresarial levanta a suspeita de que ele teria participado de esquemas para obter licenças ambientais fraudulentas e favorecer grupos mineradores investigados. Hidelbrando desempenhava funções consideradas operacionais, sendo o elo entre empresários e gestores públicos. O documento descreve que ele participou de reuniões estratégicas e que sua empresa foi inserida em contratos com potencial econômico superior a R$ 3 bilhões. Hildebrando teve seu mandado de prisão expedido, mas continua fora do país.

Qual o caminho?

Além desses 22 mandados de prisão e 79 de buscas e apreensões, ainda há também relatos de que integrantes de associações ambientais e de ONGs estavam envolvidas no esquema. Como foi o caso da Associação Ambiental e Cultural Zeladoria do Planeta que tem direito ao voto no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). As investigações apontam que a associação, encabeçada pelo agora ex-diretor, Fernando Benício de Oliveira Paula, assim como a sua esposa, Neide Nazaré de Souza, teriam pago R$ 8 mil para a criação de um estudo que resultou na redução da Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Lagoão, no Vale do Jequitinhonha. O relatório serviu de base para o projeto de lei 02/2025 de Araçuaí, que reduziu 6 mil hectares (24,4%) a área de 24,18 mil hectares. Uma ação do Ministério Público de Minas (MPMG) conseguiu suspender imediatamente a tramitação do projeto de lei.

E aqui cabe uma pergunta: se até membros de ONGs e associações que são sem fins lucrativos e que teoricamente se preocupam com o meio ambiente conseguem ser corrompidos, qual a solução? Para onde seguir? E a resposta é a mesma da luta de classes: estatizar as mineradoras, retirar do capital internacional o controle de nossas terras e o fim da mineração extrativista exploratória. Enquanto a mineração for lucrativa e pertencer a empresas capitalistas estrangeiras, ela sempre será palco para crimes contra a vida, o meio ambiente e os cofres públicos. Os crimes de Mariana e Brumadinho, assim como a corrupção da Operação Rejeito, são apenas alguns dos exemplos recentes que comprovam a regra.

Matéria publicada na edição nº324 do Jornal A Verdade.

Terceirização na saúde destrói o SUS, enquanto entidades recebem bilhões

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Enquanto a Prefeitura prepara novos editais bilionários para as Organizações Sociais de Saúde (OSS), usuários e trabalhadores denunciam um cenário de sucateamento, metas abusivas e precarização do trabalho.

Guilherme Arruda e Lucas Marcelino | São Paulo (SP)


SAÚDE – Hoje, são muitas as cidades onde os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) são geridos por entidades privadas, apesar de continuarem públicos e gratuitos. Procurando a placa do posto de saúde ou hospital mais próximo, é possível que, ao lado do símbolo do SUS, você veja o símbolo de uma Organização Social de Saúde (OSS), como são chamadas essas entidades.

Apesar de não cobrarem diretamente por exames e consultas, essas entidades representam uma terceirização dos serviços e estão implementando uma lógica empresarial no sistema público de saúde, sucateando o atendimento à população para reduzir custos e, ao mesmo tempo, cobrando metas irreais dos funcionários.

O Município de São Paulo foi um dos primeiros lugares onde elas foram implantadas. Atualmente, administram a maior parte das Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e outros equipamentos. Essa forma de entregar bilhões de reais do orçamento público para bolsos privados se tornou um modelo para governos burgueses de todo o país e as OSS estão se espalhando com velocidade.

Em 2025, após quase uma década em que os contratos com as Organizações Sociais de Saúde foram estendidos pela Prefeitura de São Paulo diversas vezes, o poder público iniciará a realização de novos editais de chamamento para a gestão dos serviços. O prefeito fascista Ricardo Nunes (MDB) gostaria de realizar esse processo às escondidas para definir sozinho o que constará nos novos contratos, mas a população já começou a reivindicar sua participação na discussão. A voz do povo paulistano precisa ser ouvida porque as críticas dos usuários e trabalhadores do SUS às OSS são muitas – e só aumentam.

A seguir, o jornal A Verdade apresenta a história das OSS e quatro relatos de usuários e trabalhadores do SUS, que confirmam como a infiltração dessas entidades privadas está desfigurando a saúde pública, piorando o atendimento à população e fragilizando as condições de trabalho de médicos, enfermeiras, agentes comunitárias e muitos outros profissionais.

Trabalhadores explorados e perseguidos

A fragmentação do SUS entre várias OSS, em contraste com a gestão unificada pelo poder público, é um dos fatores que fragilizam a situação dos trabalhadores.

“Esse período de chamamento é bem tenso porque, se outra OSS apresentar um orçamento mais baixo para a Prefeitura, ela assume a região em que a nossa OSS atua. Nesse caso, a gente tem duas opções: mudar de unidade com a OSS antiga ou permanecer, mas com o risco de demissão após um ano. Eu me sinto refém dessa situação porque eles mentem, dizem que o salário não vai mudar, mas, depois de um ano te demitem e contratam alguém que aceite um salário mais baixo”, explica Jamile (nome fictício), terapeuta ocupacional.

O nome fictício se explica pela perseguição exercida pelas OSS: “Todo mundo sente medo de se manifestar. Estavam com uma política de implantar câmeras e microfones nas reuniões de equipe para monitorar o que falamos”.

Ela segue: “As OSS estão bem alinhadas com a política do Ricardo Nunes. A gente sofre muita pressão para bater metas. Se a gente não bate, sofre corte, como se fosse uma empresa qualquer. Mas não somos uma empresa, somos um serviço de saúde. A saúde não deveria gerar lucro”.

Por sua vez, Viviane, atendente técnico-administrativa em uma equipe do Consultório na Rua, relata: “Desde minha contratação por uma OSS, em 2015, vi o trabalho ficando mais engessado. Hoje, a grande exigência é a habilidade de se adaptar a mudanças a toque de caixa. Nós chegamos a trabalhar com oito sistemas de informação diferentes. Além de desnecessário, é um dos meios por onde escoa a verba do SUS, já que esse sistema é criado e gerenciado por empresas particulares”.

A rotatividade de trabalhadores que se demitem, exaustos e com burnout, além das mudanças ligadas à troca de OSS tem efeitos negativos, em especial nos serviços de saúde mental. “O vínculo que criamos com os usuários é muito importante. O tratamento fica prejudicado se a equipe muda da noite pro dia”, complementa Jamile.

Serviços piores

Pressionados pelas metas impostas pelas OSS, os trabalhadores do SUS sentem dificuldade de prestar uma assistência de qualidade à população, apesar de seus esforços. Nesse contexto, o número de erros aumenta devido ao cansaço dos profissionais.

Os cortes de custos que as OSS promovem também pioram as condições em que a população é atendida. Tabata Paola, moradora da Zona Norte de São Paulo, denunciou ao jornal A Verdade uma situação que passou na UPA Jaçanã, gerida por uma OSS chamada SPCD: “Eu estava com uma inflamação na mão e me internaram na UPA, dizendo que, em poucas horas, seria transferida para um hospital. Fiquei três dias deitada numa maca, não fui atendida por um especialista e as refeições vieram estragadas. Fiquei esse tempo todo sem comer e me deram alta sem me tratar nem me transferir. Só consegui ser tratada procurando outro serviço”.

Neoliberais criaram as OS

A criação do SUS foi uma importante conquista das mobilizações populares que derrubaram a ditadura militar na década de 1980 (ver edição nº 322 de A Verdade). Antes, só tinham acesso aos hospitais públicos os trabalhadores formais que contribuíssem com a Previdência. Jogada na informalidade e no desemprego, a maioria da população tinha como única alternativa buscar atendimento nas “Santas Casas”, e uma grande parte morria sem atendimento, rejeitada pelo governo e sem dinheiro para pagar pela saúde privada.

Com uma participação decisiva dos comunistas, a luta do povo conseguiu definir na Constituição Federal de 1988 que a “saúde é um direito de todos e dever do Estado” e que um sistema público, gratuito e universal de saúde seria instituído para que todos tivessem acesso a consultas, exames e cirurgias.

No entanto, na década seguinte, o governo neoliberal antipopular de Fernando Henrique Cardoso autorizou a criação das Organizações Sociais sob o argumento de que o setor privado poderia “gerir melhor” os serviços públicos do que o próprio Estado em áreas como Saúde, Educação e Cultura. A Lei das OS, de 1998, define que elas não são obrigadas a realizar concursos para contratar funcionários – ou seja, não precisam garantir estabilidade e os direitos trabalhistas que os servidores públicos possuem. Além disso, não têm a obrigação de realizar licitações transparentes para adquirir bens e serviços, o que amplia muito a margem para a corrupção.

Por essas razões, já na época, os sindicatos e movimentos populares de saúde alertavam que essa “novidade” era um ataque neoliberal contra os trabalhadores e o povo. Na verdade, os únicos beneficiados seriam os empresários aliados dos governantes, que se tornaram sócios das OS. Apesar de afirmarem que são entes “sem fins lucrativos”, as Organizações Sociais recebem muito dinheiro de contratos com prefeituras e governos estaduais – e várias são ligadas a grandes hospitais privados, como Sírio-Libanês e Einstein. Em cidades como São Paulo, os valores chegam à casa dos bilhões.

SUS 100% estatal

Em setembro, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP) emitiu uma alerta à Prefeitura informando que “identificou com frequência fragilidades e riscos reincidentes” nos contratos com OSS, relacionados ao “acompanhamento das execuções contratuais”. Ou seja, apesar de impor metas absurdas a seus contratados, as OSS nem mesmo cumprem com as obrigações que constam em seu contrato de gestão.

O TCMSP também chamou atenção para o fato de que 60% do orçamento da Secretaria Municipal de Saúde é repassado para as OSS. Em 2024, elas receberam R$ 13 bilhões da Prefeitura e, mesmo assim, prestaram um serviço com todos os problemas relatados nos depoimentos de usuários e trabalhadores do SUS. Esse cenário grave deve servir de alerta para a população de todas as cidades onde os governantes querem implementar as OSS nos serviços de saúde locais.

Em São Paulo, os movimentos populares estão se organizando para exigir a participação e o controle social da população na formulação dos editais de chamamento das OSS como uma obrigação mínima do poder público, mas apontam que esse não deve ser o horizonte final.

“Devido a essas observações, a gente já vê a necessidade de reestatizar a saúde. Os trabalhadores precisam ter estabilidade, por isso devem ser concursados. Só com isso, teremos um SUS que cumpre com suas diretrizes de integralidade, equidade e universalidade e presta um atendimento de qualidade à população”, reforçou a trabalhadora Viviane.

Matéria publicada na edição nº324 do Jornal A Verdade.