Mais de 6.000 pessoas da comunidade do Pinheirinho foram despejadas numa operação de guerra fascista e de terrorismo de Estado. O Governo terrorista de Geraldo Alckmin, em nome dos abutres da especulação imobiliária, aplicou o império do mercado e da propriedade privada contra o direito à vida e à moradia.
O massacre de Pinheirinho
Este vídeo revela os jogos de interesses na expulsão dos 9.000 moradores da ocupação Pinheirinho, de 8 anos, em São José dos Campos. Traz, também, imagens do dia da desocupação (22/01) e depoimentos sobre a truculência policial.
Festa de 12 anos do Jornal A Verdade no RJ
Os 12 anos do Jornal A Verdade foram comemorados no Rio de Janeiro com muita política, cultura a animação. Estiveram presentes representantes de diversos movimentos e entidades sindicais, estudantis e populares.
Reintegração de posse no Pinheirinho: lei para quem?
A Polícia Militar iniciou na manhã de ontem, 22/01, a reintegração de posse na ocupação Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo.
Ocupado há 8 anos, o terreno de 1,3 milhão de metros quadrados pertence à massa falida da empresa Selecta S/A do dito empresário, na verdade megaespeculador, Naji Nahas, acusado pela Polícia Federal por operações fraudulentas na bolsa de valores, utilizando suas empresas, inclusive a Selecta, para gerar especulações.
Estima-se que cerca de 9 mil pessoas vivem na comunidade.
Uma mega operação com cerca de 2 mil soldados do batalhão de choque, helicópteros e carros blindados agiu desde às 6h da manhã de ontem com muita repressão e truculência. Os moradores resistiram a deixar o local, tentando impedir a entrada dos policiais na ocupação e assim começaram os confrontos. Balas de borracha, bombas de gás-lacrimogênio e de efeito moral, muita cacetada e até balas comuns fizeram parte da operação contra homens, mulheres, crianças e idosos.
Dados oficiais anunciam que, até agora, 31 pessoas foram presas. A polícia acusa todos de serem suspeitos de envolvimento com tráfico de drogas, roubos e outros, e afirma que a desocupação tem sido pacífica com exceção desses casos, porém os moradores negam essa afirmação.
Não há até este momento nenhuma confirmação de mortos ou feridos por parte da polícia e a imprensa anuncia ter informação de 10 feridos. No entanto, segundo informações dos militantes do MTST, ao menos 3 pessoas foram assassinadas, entre elas uma criança de 4 anos de idade, que chegou morta ontem as 18hs ao PS Vila Industrial após levar 1 tiro de borracha no pescoço.
“Temos várias testemunhas, mas os hospitais – por ordem expressa da prefeitura e da PM – não confirmam as informações, temendo ampliar a indignação e a resistência”, informa Guilherme Boulos, militante do MTST, em informe por e-mail.
Conflito de competências ou luta de classes?
A polícia cumpre uma ordem emitida pela juíza Maria Loureiro, da Justiça Estadual, para reintegração de posse. Entretanto, o Tribunal Regional Federal (TRF) estabeleceu uma liminar suspendendo a reintegração. Este “conflito de competências” do judiciário foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas, antes mesmo de seu parecer, a decisão estadual foi acatada, demonstrando mais uma vez que a justiça nessa sociedade tem lado e defende os interesses da burguesia.
Hoje, militantes do MTST, entidades e pessoas apoiadoras ocuparam o Ministério da Justiça em Brasília com o objetivo de pressionar o Governo Federal a enviar tropas da Polícia Federal para que a decisão do TRF de São Paulo que cancela o despejo do Pinheirinho seja cumprida.
Segundo o MTST, “uma oficial de justiça do TRF esteve ontem no despejo para notificar o comandante da PM de SP para parar a operação, mas sem o envolvimento da Polícia Federal isso não ocorrerá”.
“A Polícia Federal tem o dever legal de cumprir a ordem da Justiça Federal, por isso ocupamos o Ministério”, completa o informe do Movimento.
Solidariedade
O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB – se solidariza com os moradores do Pinheirinho e condena a política truculenta do governo de São Paulo, mais uma vez agindo em defesa da classe que representa, a burguesia, e, para isso, pondo em risco a vida de trabalhadores e trabalhadoras.
Reafirmamos a necessidade da luta pela reforma urbana com políticas efetivas de atenção ao enorme déficit habitacional do nosso país, que priva nosso povo do direito humano de morar dignamente, como tarefa urgente dos movimentos populares e a luta pelo socialismo como estratégia única capaz de eliminar definitivamente as desigualdades sociais no Brasil e no mundo.
Vivian Mendes, MLB
Elis Regina, Dom Helder e uma carta para um preso político
Em 1978, quando levou seu show “Transversal do Tempo” para Recife, Elis participou de um ato público promovido por Dom Helder Câmara e “driblou” a polícia para homenagear o líder estudantil Edival Nunes, o Cajá.
“Elis era temperamental. Não levava desaforo para casa”. Essas duas frases viraram clichês para definir a personalidade de Elis Regina (1945-1982). Alguns viam nisso a força que ela sempre impôs para a sua carreira. Outros enxergam suas atitudes com reservas. O certo é que Elis, cuja morte completa 30 anos nesta quinta-feira (19), comprava não só suas brigas, como as dos outros também.
Um dos casos mais famosos em que Elis mostrou seu temperamento ocorreu em 1976, quando a cantora Rita Lee foi presa acusada de porte de maconha. Quando soube do fato, Elis decidiu ir ao Presídio do Hipódromo, na região central de São Paulo, para visitar a companheira de profissão. Em plena ditadura militar, fez um escândalo, pediu para ver a cantora e exigiu que um médico examinasse Rita, que estava grávida.
Mas nem só famosos contavam com o apoio de Elis. Um outro episódio, esquecido e revelado recentemente pela revista Continente, ocorreu no Recife, em 1978 , durante o governo de Ernesto Geisel. Elis estava na cidade para apresentações do show “Transversal do Tempo”, que tinha um roteiro com viés político e de forte crítica social. Lá, quis se encontrar com Dom Helder Câmara (1909 –1999), à época arcebispo de Olinda e Recife, conhecido por sua atuação contra as violações de direitos humanos no Brasil, em especial durante a ditadura.
Quem aproximou Elis e Dom Helder foi a atriz e especialista em cultura popular Leda Alves. Elis a procurou por indicação de Frei Betto. Por coincidência, neste mesmo dia, à noite, haveria uma missa em favor da libertação do líder estudantil Edval Nunes da Silva, o Cajá, que havia sido preso em maio de 1978, na capital pernambucana, acusado de tentar reorganizar o Partido Comunista Revolucionário. Elis decidiu que participaria do ato religioso. E assim o fez. Subiu ao altar da Matriz de São José e entoou os cânticos da celebração. “Estávamos em plena ditadura e, mesmo assim, ela não se intimidou”, diz Leda, que se tornou amiga de Elis. Depois da missa, a Elis foi à sacristia conhecer Dom Helder. “Ela estava muito interessada no trabalho que ele fazia em defesa dos direitos humanos”, afirma Leda.
No dia do primeiro show da temporada que faria em Recife, Elis decidiu dedicar o show ao estudante Edival Nunes da Silva, o Cajá. A homenagem rendeu a Elis uma repreensão da polícia local, que ameaçou impedir suas apresentações seguintes. No segundo show, Elis arrumou um jeito de falar o apelido do líder estudantil. Segundo o próprio Cajá, o que foi lhe contado depois é que Elis entrou no palco com a banda desfalcada do baterista. Alegando que não poderia começar o show sem um de seus músicos, perguntou por ele. Alguém apontou o músico sentando em uma das poltronas do Teatro Santa Isabel. Elis, marota, teria dito. ‘Vem cá, já. Não posso começar o espetáculo sem você’. “O público logo entendeu o recado e aplaudiu o ato de Elis”, diz Cajá, que hoje é sociólogo e tem 61 anos.
Antes de deixar o Recife, Elis ainda tentou visitar o estudante na prisão. Não conseguiu. Optou por escrever uma carta. Na correspondência, escrita em um papel timbrado do hotel onde Elis se hospedou, o Othon Palace, Elis dizia para Cajá não esmorecer e continuar a lutar pela liberdade. Para Cajá, o ato de Elis foi ‘iluminado’. “Depois de Elis, outros artistas tentaram me visitar, como os atores Bruna Lombardi e Cláudio Cavalcanti”, afirma. “Ela tinha um compromisso com o que há de mais bonito no ser humano: a liberdade”, diz Cajá.
Cerca de três meses após sua saída da prisão, em junho de 1979, Elis voltou ao Recife para uma apresentação e tentou marcar um almoço com Cajá. Ele, que havia acabado de se tornar pai, não pode comparecer, mas disse que, posteriormente, iria a São Paulo se encontrar com a cantora. O encontro dos dois nunca aconteceu . Em 19 de janeiro de 1982, o sociólogo, em meio a uma reunião da União Nacional dos Estudantes, foi surpreendido pela notícia da morte de Elis. No próximo mês de março, quando Elis completaria mais um aniversário, ele pretende realizar um show com artistas locais em homenagem à amiga.
Fonte: Época
O petróleo é nosso! Povo brasileiro foi às ruas defender a soberania nacional

O petróleo é o sangue da terra;
É a alma da indústria moderna;
É a eficiência do poder militar;
É a soberania; é a dominação.
Tê-lo é ter o sésamo abridor de todas as portas.
Não tê-lo é ser escravo.(Monteiro Lobato)
A necessidade mundial de petróleo como fonte de energia intensifica-se com a primeira guerra mundial, quando o carvão é substituído pelo petróleo nas esquadras, e com o desenvolvimento da indústria de automóveis.
Em 1917, o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGM), instituído no governo Afonso Pena (1906-1909), criou uma comissão para estudar a existência de carvão e petróleo no vale do Amazonas. A partir de então, o Governo Federal passou a fornecer equipamentos e assistência técnica às empresas privadas que se dispusessem a fazer pesquisas e, vez por outra, a perfurar poços por conta própria. Um critério interessante é que não era permitida a pesquisas por pessoas ou grupos estrangeiros, para que o minério não ficasse nas mãos dos grandes monopólios.
Isto, em nível federal. A Constituição Federal de 1891 estabeleceu o sistema federativo, dando autonomia aos estados. Em 1927, o jornalista Solidônio Leite escreveu uma série de artigos no Jornal do Brasil (JB), denunciando que os governos estaduais haviam assinado acordos, dando o monopólio da pesquisa a grupos estrangeiros.
Dois projetos foram apresentados à Câmara Federal em 1927. Um, do deputado Solimões Lopes, nacionalista, fundamentava que não podia haver “problema que mais afete os magnos interesses da vida brasileira”. Chamava atenção para o fato de que muita riqueza do subsolo e muito potencial hidráulico já haviam sido entregues a estrangeiros e que os Estados Unidos já falavam em controle hemisférico do petróleo.
O outro projeto, de Euzébio de Oliveira, ex-diretor do Serviço Geológico e Mineralógico (SGM) era flexível em relação ao capital estrangeiro, vetando sua ação apenas nas áreas consideradas estratégicas, do ponto de vista militar: 60 KM da costa e das fronteiras nacionais. A discussão na Câmara arrastou-se até que foi interrompida pela “revolução de 30”.
Pondo abaixo a República Velha, da oligarquia rural, o Governo de Getúlio Vargas, representante da burguesia industrial em ascensão e da pequena burguesia urbana, anulou a Constituição de 1891 e centralizou o governo. Em 1931, decretou que era do governo central o direito de autorizar a pesquisa e a lavra de recursos minerais em qualquer parte do território nacional.
Todas as concessões estaduais a pesquisadores estrangeiros para busca de petróleo foram canceladas. Em 1933, Juarez Távora, expoente da “Revolução de 30”, assumiu o Ministério da Agricultura e criou Diretoria Nacional de Produção Mineral – DNPM, bem como o Serviço de Fomento de Produção Mineral. O SFPM atraiu os mais brilhantes geólogos brasileiros da época e a eles se juntou o especialista estadunidense Mark Malamphy.
Monteiro Lobato, precursor da luta pelo petróleo
No setor privado, surgiu a Companhia de Petróleo Nacional, em abril de 1932, tendo como um dos sócios o famoso escritor Bento Monteiro Lobato.
Em pouco tempo, os técnicos da companhia anunciaram a existência de petróleo no litoral de Alagoas. O Diretor do SGM, Euzébio de Oliveira, declarou publicamente que era mentira e pôs em dúvida a idoneidade dos métodos utilizados, dos técnicos e dos próprios diretores da Companhia. O efeito de suas declarações foi devastador para a Companhia, que não vendeu mais nenhuma ação.
Monteiro Lobato escreveu ao Presidente Vargas, denunciando Oliveira e o SGM como sabotadores e passou a escrever artigos nos jornais, acusando a DNPM de ser agente da conspiração organizada por trustes de petróleos estrangeiros e que, inclusive, tinha enviado para a área um estrangeiro (Victor Oppenheim), “vindo diretamente do truste que tem o programa de conservar o Brasil em estado de servidão em matéria de petróleo”.
Lobato teve grande influência na opinião pública nacional, que se convenceu de suas denúncias. É tanto que, ao estabelecer o regime ditatorial em 1937, Estado Novo, Vargas determinou, via Constituição outorgada, que somente brasileiros poderiam possuir ações de companhias petrolíferas e mineradoras. Nenhum capital estrangeiro poderia participar, nem tampouco o capital nacional pertencente a estrangeiro que residisse no Brasil. Adotou, ainda, medidas que estimulavam o processamento de óleo cru no Brasil, tornando a atividade mais vantajosa do que a importação de produtos refinados e editou três decretos:
1.declarando todos os campos petrolíferos a serem descobertos no território nacional, como propriedade do Governo Federal;
2.declarando o suprimento de petróleo nacional como atividade de utilidade pública, e estatizando a indústria de refinação;
3. criando o Conselho Nacional do Petróleo (CNP) para regulamentar e controlar toda a atividade petrolífera, da extração ao refino e comercialização dos produtos derivados.
O governo, de fato, investiu na pesquisa e em 21/01/1939 jorrava o petróleo em Lobato , Recôncavo baiano.
Monteiro Lobato foi vitorioso porque sua tese foi comprovada e o capital estrangeiro alijado da pesquisa petrolífera, apesar de ter sido também impedido de desenvolver o empreendimento econômico que pretendia. Seu nome jamais será esquecido pelo povo brasileiro.
Ofensiva dos monopólios X Campanha Popular
Três novos poços foram descobertos em 1941, todos no Recôncavo baiano. As companhias estrangeiras que diziam não existir petróleo no Brasil, encaminharam propostas de parceria, rechaçadas pelo Governo. A Standard Oil continuou insistindo, mas sem êxito. O General Horta Barbosa, Presidente do CNP, afirmou que tinha o conhecimento de uma recomendação do órgão federal de recursos minerais dos Estados Unidos às companhias petrolíferas, que dizia: “É de suma importância que as nossas companhias adquiram esses campos e os desenvolvam intensamente, não só como fonte de suprimento futuro, mas de suprimento controlado por cidadãos nossos”.
Com a queda do Estado Novo, a Constituição de 1946 abriu mão do monopólio estatal e abriu para o capital estrangeiro, estabelecendo que a atividade ficasse a cargo de brasileiros ou de companhias organizadas no país, sem nenhuma restrição a que estrangeiros organizassem essas companhias.
Em 1947, o governo Dutra propôs à Câmara dos deputados a elaboração de lei permitindo a participação do capital estrangeiro nas empresas de refinação, com até 40% das ações.
Ante essa ofensiva dos monopólios, o General Horta Barbosa lançou uma campanha nacional com o tema “O petróleo pertence à nação, que há de dividi-lo igualmente por todos os seus filhos”. Alertava que “os trustes não deveriam tomar parte em nenhuma fase da indústria petrolífera, pois se dispusessem de um ponto de apoio, irresistivelmente viriam a dominar toda a operação”.
As pressões dos monopólios e dos seus aliados e sócios internos era grande, mas os entreguistas foram derrotados e já no final do governo Dutra, o estatuto liberal do petróleo estava morto.
Petrobras, um fruto da mobilização das massas
Foi assim que Getúlio Vargas, identificado com a construção de um modelo econômico relativamente autônomo em relação ao capital externo, ganhou as eleições presidenciais em 1950. Seu discurso de campanha era claro: “…O que é im-prescindível à defesa nacional. O que constitui alicerce de nossa soberania não pode ser entregue a interesses estrangeiros; deve ser explorado por brasileiros e, se possível, com alta percentagem de participação do Estado, evitando-se, desse modo, a penetração sub-reptícia de monopólios ameaçadores”.
Quando Vargas assumiu, o setor militar nacionalista, de quem ele esperava apoio incondicional, estava enfraquecido. Temeroso, ele apresentou um projeto de criação da Petrobras, numa perspectiva nacionalista e de controle do Estado, mas na forma de sociedade anônima, abrindo para a participação do capital estrangeiro, embora controladamente, e deixando livre a distribuição.
Euzébio Rocha (PTB), representando os nacionalistas, apresentou substitutivo (depois ele disse que Vargas apoiara sua iniciativa), impedindo a participação do capital estrangeiro em qualquer fase da indústria petrolífera, exceto na distribuição.
Os debates foram acalorados, tanto dentro como fora do Parlamento e a adesão popular à tese de O Petróleo é Nosso, tão grande, a ponto de a UDN, tradicional defensora do liberalismo econômico, ter mudado para a defesa do monopólio estatal do petróleo, sem nenhuma participação do capital privado.
Nos Estados, entretanto, a po-lícia perseguia os mentores da campanha O Petróleo é nosso, mas foi cada vez mais crescente o apoio da população ao monopólio estatal do petróleo, envolvendo desde sindicatos até a União Nacional dos Estudantes (UNE).
Em setembro de 1952, a Câmara votou a lei, excluindo o capital estrangeiro da Petrobras, mas deixando abertura para a participação do capital privado no refino e na distribuição. O projeto chegou ao Senado no dia 30 de outubro de 1952, com a maioria dos senadores favoráveis ao capital externo.
O resultado da apreciação do Senado preocupou. O projeto foi devolvido à Câmara com 321 emendas, todas liberalizantes e favoráveis à participação do capital privado, tanto nacional como estrangeiro.
Mas a Câmara Federal ouviu as vozes do povo brasileiro e até forças políticas contrárias ao monopólio estatal se calaram ante o clamor e vontade das massas, mobilizadas em todo o país, sob o lema imorredouro O Petróleo é Nosso.
No dia 3 de outubro de 1953, o presidente Getúlio Vargas assinava a Lei 2004, que criou a Petróleo Brasileiro S.A – PETROBRAS, garantindo o monopólio estatal desse minério estratégico para o desenvolvimento econômico. Como disse o presidente dos EUA, Woodrow Wilson, “A nação que possui petróleo em seu subsolo e o entrega a outro país para explorar, não zela pelo seu futuro”.
Luiz Alves
Fonte: Petróleo e Política no Brasil Moderno, Peter Seaborn Smith, Editora Artenova, Rio, 1978
(Publicado em A verdade número 49)
Lagarde e o petróleo da Nigéria e Brasil
Em dezembro de 2011 a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, em visita oficial à Nigéria, cobriu de elogios o modelo econômico adotado naquele país. As palavras de incentivo e reconhecimento da diretora do FMI foram amplamente reproduzidas pois, afinal, o país apresenta números importantes, a saber: O Produto Interno Bruto (PIB) apresentou um crescimento de 7% em 2011, a produção de petróleo é a maior da África e quando falamos em PIB per capita o valor ultrapassa os 2 mil dólares.
Naturalmente, quando observamos o PIB per capita, devemos considerar que existem membros da elite local e internacional apropriando-se, individualmente, da quota-parte de pelo menos mil cidadãos pobres gerando um quadro real de pobreza absoluta, ocupando o país africano o 158º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Madame Lagarde conhece perfeitamente esses problemas e antes de visitar a Nigéria mandou publicar no site oficial do FMI: “Um novo projeto de processamento de petróleo e urânio está pronto para impulsionar o crescimento econômico da Nigéria no próximo ano [2012]”
Mas qual seria este novo projeto? De modo concreto observou-se, três dias após a visita da diretora do FMI, um gigantesco derramamento da Shell poluindo 120 quilômetros do litoral nigeriano. Fato em nada novo na história daquele país.
O “novo projeto”, ao que parece, preservou a mesma fórmula de extração predatória, procurando o maior lucro e negando as mínimas condições de segurança.
A preocupação de madame Lagarde certamente não está nas condições de vida do povo nigeriano. O FMI está de olho no crescimento da dívida externa do maior produtor de petróleo africano cujo volume não para de crescer, ameaçando o fluxo de recursos para os bancos europeus e estadunidenses.
Para garantir o pagamento dos títulos aos bancos o governo, dentre outras medidas, cortou o subsídio dos combustíveis gerando um aumento absurdo nos preços dos alimentos e transportes. A reação da população não poderia ser outra a não ser a convocação de uma greve geral somada à revolta em diferentes pontos do país, obrigando um tímido recuo do governo em seus atos antipopulares.
Lagarde no Brasil
A diretora do FMI esteve no Brasil no mesmo mês de dezembro de 2011 e seguiu rigorosamente o script. Elogiou o modelo econômico nacional e declarou que o país pode servir de exemplo para as potências em crise.
Obediente, o governo brasileiro não demorou em dar o exemplo. Somando-se aos cortes rotineiros à educação e saúde o ministro Edison Lobão anunciou a decisão da presidente Dilma Rousseff que autoriza os novos leilões para o setor petrolífero neste ano de 2012.
A exploração predatória do petróleo no Brasil está em marcha e segue o modelo internacional no qual as normas de segurança tornam-se supérfluas conforme provam o vazamento da Chevron somados ao aumento de acidentes envolvendo os trabalhadores do setor.
Brasil, Nigéria e segurança energética
A política econômica do petróleo no Brasil segue os passos do entreguismo, o mesmo ocorrendo na Nigéria. Existem grandes diferenças entre os dois países, isso é evidente. Entretanto, igualam-se na abdicação do uso do poder econômico do petróleo em beneficio do desenvolvimento nacional.
O Brasil garante com seu modelo de exploração petrolífera a compra dos títulos das empresas européias e estadunidenses, tudo isso intermediado pelos bancos internacionais. Este é o exemplo que madame Lagarde aponta e de forma patrioteira a grande imprensa alardeia com todo apoio do governo. Neste momento não existe PIG ?
Somada a esta questão existe ainda a ameaça de uma guerra de proporções mundiais envolvendo as intenções dos Estados Unidos em controlar o petróleo do Irã, principal fornecedor de petróleo ao governo da China.
E o Brasil? Na hipótese, não muito remota, de uma crise de abastecimento em função do fechamento do Estreito de Ormuz e conseqüente elevação dos preços do petróleo, continuará de mãos amarradas impedido de implantar uma política que atenda os interesses nacionais?
Lembre-se a atual política econômica do petróleo retirou da Petrobrás o monopólio existindo inúmeros entraves, em função da abertura do mercado nacional, a fixação de preços desconsiderando-se o preço internacional. É exatamente isso que acontece na Nigéria.
Wladmir Coelho
Desigualdade social volta a números de 1918 na Inglaterra
O agravamento da crise econômica capitalista continua alargando o abismo que separa ricos e pobres, e isso até mesmo em países em que a desigualdade social foi menos acentuada nas últimas décadas.
Mostrando que uma suposta “estabilidade” no capitalismo é sempre ilusória e temporária, pesquisa realizada pelo professor Danny Dorling, da Universidade de Sheffield, mostrou que a desigualdade social na Inglaterra voltou praticamente aos mesmos números que tinha em 1918.
O gráfico abaixo mostra a renda do estrato 1% mais rico da população. No período de 1918 a 1979 a desigualdade apresentou uma queda. Este período, vale lembrar, coincide em parte com o estado de bem-estar social, medida adotada pelos governos capitalistas para tentar evitar revoluções proletárias em seus próprios países. A URSS representava então uma ameaça e uma alternativa ao modelo capitalista.
Mas de 1979 em diante a desigualdade voltou a crescer. E agora, na ausência da URSS, este estado de bem-estar social vem sendo paulatinamente desmontado, lançando milhões de trabalhadores na miséria e no desamparo.
Considerando que os dados analisados vão até 2005, e que a crise capitalista vem se agravando, principalmente a partir de 2008, a tendência é que a desigualdade na Inglaterra já esteja ainda pior do que estava em 1918, após a I Guerra Mundial.
Com informações de BBC
Biografia de Lênin, o gênio do proletariado
“Simples como a verdade, no rosto brilhavam e flamejavam aqueles olhos agudos de combatente infatigável contra as mentiras e os males da vida” (Maximo Gorki)

1870 – 10 de abril no calendário antigo, 23 no atual: nasce Vladimir Ilich Ulianov na pequena cidade de Simbirsk (Ulianovsk) situada a 1.500 Km de S. Petersburgo, então capital do vasto império russo. Sob a tirania dos Romanov, a Rússia era, autocraticamente, governada pelo czar (imperador) Alexandre II.
1879 – Freqüentando o Liceu de Simbirsk (1879-1887), Vladimir Ilich conheceu cedo as obras dos grandes escritores russos: Pushkin, Gogol, Turgueniev, Tolstoi, Dostoievski, Bielinski, Herzen, Tchernichévski… Os dois últimos organizaram a primeira sociedade secreta de oposição ao czarismo: Vontade do Povo.
1887 – Alexandre Ulianov (Sacha), ir-mão de Vladimir, é enforcado, em março, aos 21 anos, por ter preparado as bombas que não chegaram a matar o czar. Em agosto, Ilich inicia o curso de Direito na Universidade de Kazã, sendo expulso, em dezembro, por participar de discussões sobre aspectos retrógrados do regimento da Universidade. Com sua prisão, dá-se o seu batismo revolucionário.
1891 – Permitido somente prestar exames, sem direito a freqüentar a Universidade de S. Petersburgo, Vladimir Ilich Ulianov estudou sozinho todas as matérias do curso de direito, bacharelando-se com as melhores notas entre 134 estudantes regulares do curso.
Primeiras ações na clandestinidade
1894 – Clandestinamente, foi impresso seu primeiro livro, Quem são os “Amigos do Povo” e como lutam contra eles os Social -Democratas, no qual V. I. Ulianov desenvolveu a tese da aliança do operariado com o campesinato.

1895 – Ilich consegue aglutinar os diversos círculos marxistas de S. Petersburgo numa única organização política – União de Luta pela Libertação da classe operária -, que invadida, foi destruída pela Okhrana (polícia política secreta czarista). Vladimir é preso juntamente com outros membros da organização.
1897 – sem julgamento, IIich é condenado a três anos de desterro na aldeia siberiana de Chuchenskoe, onde, além de se dedicar ao estudo de várias línguas, escreveu mais de trinta trabalhos importantes, terminando, inclusive, o Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. Em Chuchenskoe, Vladimir se casa com Nadejda Krupskaia (Nádia), professora que conhecera num círculo de S. Petersburgo, também condenada ao desterro.
1900 – em janeiro, findo o desterro, Ulianov dirige-se para Ufá. O POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo), fundado em Minsk, em 1898, por insistência de Ilich na realização de seu I Congresso, aprova a publicação de um jornal que seria o seu órgão oficial. Vladimir decide publicá-lo no exterior, devido à truculenta repressão da Okhrana na Rússia.
Em dezembro, quase inteiramente elaborado por Ulianov, é lançado em Munique, sul da Alemanha, o primeiro número do Iskra (A Centelha), que trazia, no cabeçalho, a epígrafe: Da centelha saltará a chama.
1901- A revista Zariá (Aurora), editada pela redação do Iskra, publica parte do artigo A Questão Agrária e os Críticos de Marx, assinado por Lênin, pseudônimo derivado de Lena, o grande rio navegável da Sibéria. Daí em diante, embora ele tenha usado outros pseudônimos, o mundo passou a conhecer Vladimir Ilich Ulianov como Lênin.
1902/16 – Nos quinze anos que precederam a revolução socialista de 1917, Lênin viveu praticamente fora da Rússia, com exceção de pequeno período durante a primeira Revolução russa (1905-1907). “Líder puramente por virtude do intelecto”, como se referiu a ele John Reed, Lênin causou a todos que o conheceram a indelével impressão de ser portador de um cérebro muito privilegiado.
1902 – foi publicado, em Stuttgart, o seu livro Que Fazer?.
O bolchevismo se organiza em Partido de novo tipo

Em 1903, na cisão do POSDR, durante seu II congresso, concluído em Londres, surge o “partido de novo tipo”, bolchevique, revolucionário, liderado por Lênin. “O bolchevismo existe como corrente de pensamento político e como partido político desde 1903”, ele escreveu, mais tarde, em Esquerdismo, doença Infantil do Comunismo.
Em agosto de 1914, o imperialismo (especialmente o alemão) deflagrou a Primeira Guerra Mundial, que causou milhões de mortos e incontáveis desgraças às massas populares. Conclamando os povos a declararem guerra à guerra, Lênin redigiu um grande manifesto, propondo a conversão da guerra imperialista em guerra civil: as armas deveriam voltar-se não irmão contra irmão, trabalhadores assalariados de um país contra outro, mas contra os governos burgueses, reacionários e opressores. “O fim das guerras, a paz entre os povos, o fim das pilhagens e violência – tal é o nosso ideal”, deixou o líder bolchevique consignado em A Questão da Paz. ” O desarmamento é o ideal do socialismo”, escreveu em Sobre a Palavra de Ordem do Desarmamento.
Sem interromper suas atividades político-partidárias, Lênin ministrou numerosas conferências em várias cidades européias, e escreveu, em 1915/16, uma série de livros e trabalhos: Cadernos Filosóficos, continuação de Materialismo e Empiriocriticismo de 1908, O Socialismo e a Guerra, A Revolução Socialista e o Direito das Nações à Autodeterminação, Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, terminado no verão de 1916, em Zurique, sua última cidade fora da Rússia.
“Espero, herr Ulianov, que na Rússia o senhor não tenha de trabalhar quanto aqui” – disse seu locador, despedindo-se; ao que Lênin redargüiu: – “Creio, herr Kammerer, que em Petrogrado irei ter muito mais trabalho!”
O Poder para o Proletariado: “Paz, Terra e Pão”!
1917 – Às 23 horas de 3 de abril, Lênin chega à estação Finlândia da capital pátria. Milhares de trabalhadores agitam bandeiras vermelhas, saudando-o com entusiásticas aclamações. O Líder discursa: “Camaradas! . O povo precisa de paz, o povo precisa de pão, o povo precisa de terra. Eles lhes dão guerra, fome e nada de pão – deixam os proprietários continuarem controlando a terra… Precisamos lutar pela revolução … Viva a revolução socialista mundial!” .
“Foi extraordinário”, afirma o escritor N. Sukhanov, que não era bolchevique. Rodeado pelo povo, Lênin é conduzido à sede do Partido, e, daí, com Krupskaia, dirige-se à casa da irmã Ana, onde depara, sobre a cama do quarto que lhes fora preparado, um cartaz: “Proletários de todo o mundo, uni-vos!”.

Entre a queda do czar (fevereiro/1917) e a tomada do poder pelos bolcheviques em outubro, a Rússia viveu uma revolução social de baixo para cima sem precedente na história da humanidade.
Na fria noite de 24 de outubro, saindo de vez da clandestinidade, Lênin vestiu o velho sobretudo e, enrolando um cachecol no pescoço, encaminhou-se para o Instituto Smolny, Estado-Maior da revolução, onde pôs-se a dirigi-la pessoalmente: ordenou à Guarda Vermelha que ocupasse todas as posições estratégicas da capital. Afinal chegara o momento para o qual criara o mais eficiente partido revolucionário do mundo.
Na manhã de 25 de outubro de 1917, com exceção do Palácio de Inverno, sede do governo provisório, as principais instituições de Petrogrado (S. Petersburgo) estavam sob o controle da Guarda Vermelha. À noite, o Palácio de Inverno foi tomado de assalto, vencendo, assim, sem morticínio, num país que contava cerca de 150 milhões de habitantes, a Revolução Socialista de outubro, primeira revolução proletária do planeta.
À tarde de 26 de outubro, ante o II Congresso dos Soviets, reunido no Smolny, Lênin vê aprovados, por unanimidade, os seus dois primeiros decretos soviéticos: Sobre a Paz e Sobre a Terra. Este abolia a propriedade latifundiária da terra sem qualquer indenização, constituindo-se no ponto de partida de uma nova era para a Rússia. O Decreto Sobre a Paz estigmatizou a guerra como o maior crime contra a humanidade.
Elegendo o Conselho de Comissários do Povo, com Lênin a presidi-lo, o II Congresso dos Soviets de toda a Rússia escolheu, entre outros, para o Comissariado (Ministério) das Nacionalidades, Stálin; Trostky para o das Relações Exteriores, encerrando-se seus trabalhos ao som de A Internacional.
O povo soviético derrotou 14 países capitalistas

1918/23 – no dia 4 de janeiro de 1918, o Pravda publicou um dos documentos mais notáveis da História Universal, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, redigida por Lênin, que destacava a principal tarefa do poder Soviético: a eliminação da exploração do homem pelo homem.
Em março, por questões estratégicas, o governo transfere-se para Moscou, que se torna a capital da nova República, passando Lênin a residir e trabalhar no Kremilin (cidadela).
Dizendo ser necessário “estrangular a criança bolchevique no berço”, Winston Churchill anuncia uma “campanha de 14 estados” contra a Rússia soviética, desencadeando-se, então, de meados de 1918 a meados de 1921, uma guerra de intervencionistas estrangeiros e contra-revolucionários (guardas brancos), custando à recém-fundada República milhões de vidas e incalculável devastação econômica.
O desempenho de Lênin, durante a guerra civil e intervenção militar estrangeira, foi excepcional. Sob sua direção, traçavam-se operações militares, forjando-se nos combates o Exército Vermelho. Possuindo uma profunda compreensão da psicologia das massas, o líder soviético a todos cativava: “Tudo para a frente, tudo para a vitória!” era sua palavra de ordem.
Apesar do enorme trabalho de organização e defesa do Estado, ele inaugurou a III Internacional (Comintern), em março de 1919. No verão desse ano, falando a estudantes, finalizou sua conferência “Sobre o Estado” com as palavras: “E quando no mundo já não houver possibilidade de explorar… já não acontecer que uns se fartam enquanto outros passam fome… atiraremos essa máquina para o monte de sucata. Então, não haverá Estado e não haverá exploração.”.
Derrotadas pelo Exército Vermelho todas as forças estrangeiras e contra-revolucionárias que tentaram sufocar o nascente socialismo na Rússia, Lênin encheu-se de legítimo orgulho: “Resistimos contra todos.” E, implantada, em 1921, a NEP (Nova Política econômica), elaborada por ele, reforçou-se a aliança do operariado com o campesinato, consolidando-se o Poder Soviético, premissa indispensável de todo o desenvolvimento posterior da Rússia socialista.
Mas em conseqüência do imenso esforço e trabalho que até então realizara, passados trinta anos sem descanso, Lênin entrou em profunda estafa, adoecendo no inverno de 1921. Escreveu a Máximo Gorki: “Terrivelmente cansado. Insônia. Vou tratar-me.” .
Submetendo-se a rigoroso tratamento médico, o líder soviético melhorou no decorrer de 1922, ditando seus últimos trabalhos no início de 1923. Suas obras completas estão reunidas em 55 alentados volumes.
Para sempre na luta dos oprimidos

1924 – No dia 21 de janeiro de 1924, após o jantar, Lênin recolheu-se em seu quarto, na casa de repouso em Gorki, aldeia próxima a Moscou, onde convalescia. De repente, sua temperatura subiu bruscamente, a respiração tornou-se difícil, ficou inconsciente, sucumbindo a um derrame cerebral – eram 18 horas e 50 minutos.
A notícia propagou-se rapidamente pelo mundo. Sun-Yan-Sen finalizou emocionado discurso fúnebre, ao receber a notícia de sua morte: “Na memória dos povos oprimidos, tu viverás durante séculos, grande homem!” O médico e empresário norte-americano, Armand Hammer, que assistiu aos funerais do líder da primeira revolução socialista vitoriosa da Terra, escreveu: “Nenhum rei, imperador ou papa recebeu uma derradeira homenagem como aquela.” Embalsamado, Vladimir Ilich Ulianov encontra-se na Praça vermelha, centro de Moscou.
Marco da História Universal, o mundo jamais será o mesmo após Lênin, símbolo do passado, do presente e do futuro na luta pela libertação.
Elio Bolsanello
(autor do livro LÊNIN – Biografia Ilustrada)
* Publicado em A Verdade número 49.
Como morreu Baumgarten
Misteriosamente, dois coronéis ligados ao Garra, grupo secreto de operações do SNI, partiram para o Exterior dias depois da morte do jornalista
Amaury Ribeiro Jr.
Ao assumir em 1986 o cargo de ministro-chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI), a convite do então presidente José Sarney, o general Ivan de Souza Mendes constatou que dois dos principais quadros da agência durante o governo João Baptista Figueiredo (1978-1984) – os coronéis Ary Pereira de Carvalho, o Arizinho, e Ary de Aguiar Freire – gozavam de uma prolongada mordomia no Exterior que fugia dos protocolos normais do governo. Homem de confiança do ex-chefe do SNI, general Octávio Medeiros, desde 1969, quando o ajudou na operação que resultou na queda dos militantes de esquerda do Colina (Comando de Libertação Nacional), em Belo Horizonte, Arizinho se encontrava em Buenos Aires, onde engordava sua aposentadoria com abono de US$ 6 mil mensais por serviços de espionagem. A mesma regalia era desfrutada pelo coronel Ary Aguiar – homem forte de Medeiros na agência central do SNI no Rio de Janeiro –, lotado em Genebra, na Suíça. “Ficou claro que eles estavam no Exterior escondidos porque tinham feito algo errado. Por isso pedi que retornassem imediatamente”, disse Ivan de Souza Mendes, recentemente, a um grupo de militares amigos.
A conclusão do general estava baseada numa coincidência intrigante. Os dois “Arys” debandaram dias depois de terem sido envolvidos no assassinato do jornalista Alexandre Von Baumgarten, em outubro de 1982. Dois dias antes de morrer, o jornalista compôs um dossiê que envolvia membros do SNI num plano para assassiná-lo. No chamado Dossiê Baumgarten, os dois oficiais são acusados de terem participado da reunião em que foi decidida a sua morte.
A participação dos oficiais do SNI e de qualquer outro suspeito do assassinato do jornalista nunca foi comprovada. Apontado como principal testemunha do processo, o bailarino Claudio Werner Polila, o Jiló, apresentou uma versão fantasiosa alimentada pela imprensa e pela polícia na época, que acabou tirando o foco principal da investigação. Embora sofresse de problemas visuais, Polila declarou ter presenciado o sequestro do jornalista, de sua mulher, Janete Hansen, e do barqueiro Manoel Valente por ninguém menos que o chefe da Agência Central do SNI, o general Newton Cruz.
Esse mistério, no entanto, já havia sido desvendado no 14 de outubro, um dia depois do desaparecimento do jornalista, por agentes do CIE de Brasília. Responsável pela análise dos fatos da semana, o então agente no Distrito Federal, Marival Dias, teve acesso a um informe interno que caiu como uma bomba na comunidade de informação. “A notícia interna dizia que o Doutor César (o coronel José Brant) tinha comandado uma operação do Garra – braço armado das ações clandestinas do SNI –, que resultou na morte do Baumgarten”, disse Marival. Os detalhes do assassinato do jornalista foram passados a Marival pelo cabo Félix Freire Dias, o mesmo que cortava os ossos dos presos políticos na Casa de Petrópolis e participou de várias operações de captura e execução com o Doutor César no CIE.
De acordo com Marival, o Doutor César recebeu ordens para dar uma dura no jornalista e recuperar as provas que ele estaria usando para chantagear o SNI. “Mas, ao chegar no Rio, o Doutor César, oficial nervoso recém-chegado do CIE, acabou matando o jornalista, o que o obrigou a eliminar também sua mulher e o barqueiro Manuel.”
Pescaria – Marival esclarece que, quando a notícia chegou ao CIE, o corpo ainda não havia aparecido na praia e a imprensa nem especulava sobre o caso. De fato, o jornalista, que saiu no dia 13 de outubro para uma pescaria ao lado do barqueiro e da mulher, somente apareceu boiando doze dias depois na praia da Macumba, no bairro Recreio dos Bandeirantes. Segundo a perícia, ele não morrera por afogamento e havia marca de três tiros no cadáver. Dias depois, outros dois corpos carbonizados, apontados como sendo de Janete Hansen e do barqueiro, foram localizados em Teresópolis, mas até hoje não foram identificados pela perícia.
Antigo colaborador dos serviços de informação do Exército, Baumgarten usava a revista O Cruzeiro, de sua propriedade, para defender teses favoráveis ao regime militar. Pelos serviços prestados, conseguiu que o SNI lhe fornecesse cartas destinadas a empresários nas quais pedia publicidade. Segundo um amigo do jornalista, que não quis se identificar, ele passou a usar o mesmo método para angariar fundos para a candidatura de Medeiros à Presidência da República. “Aí está a chave do crime”, afirma o amigo. Em seu dossiê, Baumgarten conta que acabou entrando em atrito com o SNI porque a ajuda do órgão à revista não estava sendo suficiente para mantê-la.
Emboscada – Nos órgãos onde trabalhou, Marival sempre atuou nos setores de análise e informações. Sua tarefa consistia no levantamento sobre prisões e mortes de presos políticos e no cruzamento de dados fornecidos pelos interrogados ou pelos chamados “cachorros”, militantes que colaboravam com a repressão. Essa função estratégica permitiu, segundo ele, acompanhar as principais ações do CIE comandadas pelo Doutor César, o coronel reformado José Brant Teixeira, e pelo Doutor Pablo, o coronel Paulo Malhães. “Ao contrário do major Sebastião Curió Rodriguez, figura carimbada que teve uma atuação restrita à Guerrilha do Araguaia, os doutores César e Pablo circulavam por todo o País e estavam envolvidos nas principais operações de prisão, execução e ocultação de corpos do CIE. No Araguaia, participaram da Operação Limpeza, escondendo os cadáveres dos guerrilheiros”, disse Marival.
O ex-agente conta que os dois coronéis ganharam fama dentro dos órgãos de repressão ao montar uma emboscada em Medianeira, cidade no sudoeste do Paraná, para atrair, no dia 11 de julho de 1974, um grupo argentino de militantes de esquerda e guerrilheiros. Comandados pelo ex-sargento Onofre Pinto, os militantes da VPR fugiram do Chile, acuados pela repressão no país, e passaram pela Argentina antes de regressarem ao Brasil. Malhães era ligado ao Dina, o serviço de inteligência chileno, e ganhou o codinome “Pablo” ao participar do gigantesco interrogatório seguido de torturas no Estádio Nacional de Santiago, logo após o golpe militar que derrubou o presidente chileno Salvador Allende.
Segundo Marival, Malhães montou a emboscada no Paraná com a ajuda da Dina e do ex-sargento Alberi Vieira dos Santos, da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, o responsável por atrair os militantes para uma área de guerrilha fictícia na zona rural de Medianeira. De acordo com Marival, Alberi havia sido preso em 1965, ao comandar uma tentativa de rebelião contra o regime em Três Passos (RS), e acabou se tornando informante do CIE infiltrado na VPR. A chácara usada para a área da falsa guerrilha foi arranjada pelo então capitão Areski de Assis Pinto Abarca, chefe do serviço de inteligência do Quartel do Exército de Foz do Iguaçu, que, após a operação, passou a integrar os quadros do CIE. Comandados pelo ex-sargento Onofre Pinto, o estudante argentino Enrique Ernesto Ruggia, 18 anos, e os guerrilheiros da VPR Daniel José Carvalho, Joel José de Carvalho, José Lavéchia, Vitor Carlos Ramos e Gilberto Faria Lima, o Zorro, foram facilmente dominados pelos agentes do CIE ao chegarem na chácara de Medianeira.
“Presos, os irmãos Carvalho, Lavéchia, Vitor, Ruggia e Zorro foram torturados e executados imediatamente”, conta Marival. Em seu relato, diz que a vida do ex-sargento Onofre seria poupada porque, após ter sido torturado, ele teria aceitado colaborar com o Exército. Mas, ao consultar o implacável general Miltinho Tavares, chefe do CIE, Doutor Pablo recebeu ordem contrária. “Temos de acabar com ele para dar o exemplo e inibir a possibilidade de novas deserções”, teria respondido o general. Alberi também teria sido assassinado, como queima de arquivo, em 1977, no Paraná. Para o secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, esse episódio pode ter originado o diálogo entre o presidente Ernesto Giesel, empossado três meses antes da emboscada, e seu segurança, o tenente-coronel Germano Arnoldi Pedrozzo, revelado pelo jornalista Elio Gaspari no livro A ditadura derrotada: “Nessa hora tem de agir com muita inteligência para não ficar vestígio nessa coisa”, afirmou Giesel ao comentar a prisão e a morte de um grupo de sete pessoas, vindas do Chile e da Argentina, capturadas no Paraná.
Comandando uma rede de informantes do CIE, Doutor César e Doutor Pablo, segundo Marival, também foram responsáveis pelo planejamento e execução de uma megaoperação em inúmeros pontos do País para liquidar, a partir de 1973, os militantes das várias tendências da Ação Popular (AP), movimento de esquerda ligado à Igreja Católica. Segundo o ex-agente, entre os mortos estão Fernando Santa Cruz Oliveira, Paulo Stuart Wright, Eduardo Collier Filho e Honestino Monteiro Guimarães, militantes da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), movimento dissidente da AP. Irmão do reverendo Jaime Wright, Paulo Stuart foi preso e morto em São Paulo, em 1973. Os demais militantes também tombaram naquele ano e em 1974, no Rio. Antes de morrer, Honestino disse a amigos que estava sendo caçado pelos órgãos de informação do Exército em todo o País.
Operação Limpeza – Narradas por Marival, as histórias dos doutores do CIE parecem não ter fim. Em 1974, quando trabalhava em São Paulo, ele diz ter visto o coronel Brant chegar ao DOI-Codi com os dirigentes comunistas José Roman e David Capistrano, presos quando tentavam regressar ao Brasil pela fronteira do Uruguai. Segundo ele, ambos foram transferidos para a Casa de Petrópolis, onde morreram assassinados.
Em 1977, quando servia no Batalhão de Infantaria de Selva, Marival diz ter deparado novamente com Brant, que se dirigia ao Araguaia numa operação de controle para evitar a localização dos corpos dos guerrilheiros do PCdoB. Em 1981, a Operação Limpeza foi reforçada com a transferência de André Pereira Leite Filho, o Doutor Edgar, oficial do DOI-Codi de São Paulo, para o CIE de Brasília. Ele integrava a tropa de choque de Aldir Santos Maciel, que eliminou oito dirigentes do Comitê Central do PCB.
Preocupados com uma caravana liderada pelo advogado Paulo Fonteles, que se deslocou para o Araguaia na tentativa de localizar as ossadas de guerrilheiros, os agentes do CIE montaram uma operação, no início da década de 80, para amedrontar os moradores que pudessem fornecer informações sobre possíveis cemitérios clandestinos. De acordo com o relatório Hugo Abreu, encontrado entre a papelada do general Bandeira, a Operação Limpeza começou em janeiro de 1975 com “as transferências dos corpos dos guerrilheiros enterrados junto às bases militares do Exército para diversos outros pontos”. Essa política de ocultação de ossadas se estendeu para outras regiões próximas onde tombaram guerrilheiros de outras organizações.
Segundo Marival, em 1980 o Doutor Edgar comandou, por exemplo, uma expedição que retirou de uma fazenda em Rio Verde, em Goiás, as ossadas de Márcio Beck Machado e Maria Augusta Thomas, integrantes do Molipo (Movimento de Libertação Popular), mortos 1973 num confronto com agentes do CIE. De acordo com o fazendeiro Sebastião Cabral, os corpos enterrados em sua propriedade foram exumados por três homens em 1980, que deixaram para trás pequenos ossos e dentes perto das covas.
O cortador de ossos – Ao ser transferido para o CIE de Brasília, em 1981, Marival foi trabalhar ao lado de um dos homens mais sádicos da ditadura: o cabo Félix Freire Dias, cujos codinomes eram “Doutor Magro” e “Doutor Magno”. As confissões do agente do CIE, famoso por sua atuação na Casa de Petrópolis, no Rio, contribuíram para que Marival pedisse demissão do Exército, sem nenhum rendimento, no final do governo João Baptista Figueiredo (1979-1985). Durante a rotina de trabalho no CIE, Félix contou a Marival que cortava os corpos das vítimas em Petrópolis. Entre elas estava o ex-deputado federal Rubens Paiva, preso no dia 20 de janeiro de 1971, no Rio de Janeiro, por agentes do DOI-Codi.
“O Doutor Magno sentia um prazer mórbido em me contar que apostava com outro carcereiro quantos pedaços ia dar o corpo de determinado prisioneiro executado. As impressões digitais eram as primeiras partes a serem cortadas”, conta Marival. O destino daqueles corpos também foi relatado por Doutor Magno: “Ele me disse que os pedaços dos corpos, cortados nas juntas, eram colocados em sacos plásticos e enterrados em lugares diferentes para dificultar a localização.” Segundo Marival, a frieza e a morbidez de Félix, que começou no DOI-Codi como carcereiro, lhe valeram uma promoção para a tropa de elite do CIE. Designado para a Guerrilha do Araguaia, integrou-se à tropa de execução do Doutor Luquine, codinome do coronel Sebastião Curió Rodriguez. Do mesmo esquadrão passou a fazer parte ainda o cabo José Bonifácio Carvalho. Conhecido até hoje como Doutor Alexandre, Carvalho entrou nas fileiras do Exército no Pará e chegou ao CIE devido ao seu desempenho nos primeiros combates no Araguaia. “Os dois faziam todo o tipo de trabalho sujo para o Curió, que os presenteou com a presidência e a vice-presidência da Cooperativa de Garimpeiros de Serra Pelada.”
De acordo com um documento obtido por ISTOÉ, em 1º de março de 1985, às vésperas da posse de José Sarney, Félix deixou o Exército, aos 36 anos. No ano seguinte, em 31 de abril, assumiu a vice-presidência da cooperativa Mista de Garimpeiros de Serra Pelada, cujo presidente era o Doutor Alexandre. De 1993 a 1995, Doutor Magno trabalhou na Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). “O Félix andava com um uniforme da Polícia Federal e junto com o Doutor Alexandre formava a dupla de Curió que aterrorizava os garimpeiros em Serra Pelada”, afirma Jane Resende, presidente da União Nacional dos Garimpeiros.
A história do Doutor Alexandre também é conhecida pelos garimpeiros. Após o término da Guerrilha, ele foi escalado por Curió para lotear as terras que deram origem a Curionópolis, cidade cujo atual prefeito é o próprio Curió. A distribuição de terras fez parte do projeto do Exército para ocupação do território por agentes do CIE, a fim evitar a localização dos corpos.
Disposto a esquecer o passado, o coronel Paulo Malhães, que entrou para o Exército em 1958, também foi para a reserva no dia 1º de dezembro de 1985, aos 47 anos, no apagar das luzes do regime militar. A mesma preocupação não teve, porém, seu ex-companheiro José Brant, que até 2001 ocupava um cargo de assessor especial da atual diretora da Abin, Mariza Diniz. Até hoje ele está na folha da Agência.
Um homem de decisões corajosas
Nos últimos 20 anos, Marival Chaves Dias, ex-agente do DOI-Codi, tem tomado decisões corajosas. Em 1985, com o fim do regime militar, pediu demissão do Exército, sem vencimentos, depois de 25 anos de serviços prestados em órgãos de repressão. Em janeiro deste ano, resolveu finalmente revelar o nome dos militares que executavam presos políticos.
ISTOÉ – Por que o sr. só deixou o Exército após o fim do regime?
Marival Dias – Todos os militares que se insurgiram contra a ditadura, sem exceção, foram mortos.
ISTOÉ – Mas parece que o cabo Anselmo está vivo.
Marival – Ele se tornou um infiltrado especial, porque até os militares infiltrados eram eliminados. Era tão sem escrúpulos que delatou a própria mulher, grávida, morta pela repressão.
ISTOÉ – Por que só agora o sr. resolveu revelar o nome dos matadores que sabem dos cemitérios clandestinos?
Marival – Para garantir a vida de minha família. Soltei aos poucos para perceber a reação. Revelei em solidariedade aos que não podem enterrar seus entes.
ISTOÉ – O sr. sofreu represálias?
Marival – Numa situação absurda da Justiça, estou perdendo minha casa, único bem da família, só por ter atrasado em dez dias uma prestação.
ISTOÉ – E o que tem a ver isso com o seu passado?
Marival – O processo foi politizado com a anexação de uma reportagem em que eu falava dos porões do DOI.
ISTOÉ – E não dá para reverter?
Marival – Está difícil. O autor da ação morreu e o processo não foi extinto. Minha advogada, Lucineide Caliari, depois de receber os honorários, perdeu os prazos de defesa no STJ.
Há 40 anos, o golpe militar
João Goulart tinha origem nas bases sindicais e assustava os militares desde os tempos em que era ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 50. Por isso, só assumiu a Presidência em 1961, depois da renúncia dee Jânio Quadros, porque aceitou a condição das Forças Armadas: teria seus poderes reduzidos num parlamentarismo aprovado às pressas pelo Congresso. No Planalto, Jango anunciou as reformas de base – agrária, fiscal, administrativa, entre outras. Em 1964, defendendo uma política que para os conservadores cheirava a comunismo, já estava entalado na garganta dos militares. Em 13 de março, assinou sua sentença: na tentativa de provar que tinha o apoio popular, discursou na Central do Brasil, no Rio, para cerca de 200 mil pessoas, ao lado do cunhado esquerdista Leonel Brizola. “As bandeiras vermelhas pedindo a legalização do PC, as faixas que exigiam a reforma agrária, etc. foram vistas pela televisão, causando arrepios nos meios conservadores”, diz o historiador Boris Fausto, no livro História do Brasil. Foi uma provocação. Os militares o acusaram de tentar um golpe comunista. Quinze dias depois, em 31 de março, tropas de Minas Gerais e de São Paulo marcharam para depor o presidente. Com a derrota inevitável, em 1º de abril Jango rumou para o exílio no Uruguai. Assumiu o cargo para o moderado marechal Humberto Castelo Branco – o que não impediu a escalada da repressão aos opositores nos primeiros anos. Políticos foram cassados, a União Nacional dos Estudantes entrou na clandestinidade e universidades foram invadidas no dia seguinte ao golpe. Em 1965, estava instaurada a ditadura de fato, quando foi instituída a eleição indireta para a Presidência.
Ines Garçoni
No IstoÉ – Edição: 1798 | 24.Mar.04
Pão, Terra e Liberdade: A insurreição popular de 1935
“Enfim, pelo esforço invencível dos oprimidos de ontem, pela colaboração decidida e unânime do povo, legitimamente representado por soldados, marinheiros, operários e camponeses, inaugura-se no Brasil a era da liberdade sonhada por tantos mártires”.
Não se demore, imaginando quem escreveu essas palavras, sonhando com o dia em que a Revolução Socialista triunfaria no Brasil. Não se trata de esperança ou devaneio. Aconteceu de verdade. O que você leu é o cabeçalho da edição única do jornal A Liberdade, lançada em Natal (RN), em 25 de novembro de 1935, dia seguinte ao triunfo da Aliança Nacional Libertadora.
Pão, Terra e Liberdade
Quatro anos depois, a “Revolução de 30” não mudara muito a situação do Brasil. O modelo econômico, dependente e associado ao grande capital internacional, sofria as conseqüências da crise de 1929: exportações em queda, crescimento da dívida externa e aumento dos preços no mercado interno. Os setores médios, especialmente, estavam muito insatisfeitos com o governo de Getúlio Vargas.
Até então, o Partido Comunista do Brasil atuava exclusivamente no meio do proletariado urbano, mas despertou para a necessidade de unir todos os setores descontentes com o regime, criando, para isso, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Esse despertar, na verdade, foi motivado pela nova política de frentes populares conduzida pela Internacional Comunista (IC), ante o crescimento do nazismo e do fascismo na Europa, com repercussão o mundo inteiro. No Brasil, os fascistas criaram a Ação Integralista Brasileira.
ANL: Um Movimento Popular
Fundada em março de 1935, a ANL cresceu com maior intensidade e rapidez do que previam seus organizadores. Seu programa se expressa nos cinco pontes seguintes:
* Suspensão definitiva dos pagamentos das dívidas imperialistas.
* Nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas.
* Entrega das terras dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores rurais que as cultivam.
* Gozo das mais amplas liberdades pelo povo brasileiro.
* Constituição de um Governo Popular, orientado pelos interesses do povo brasileiro.
O Programa da ANL correspondia ao anseio popular, tanto que em menos de quatro meses de existência legal, mobilizou dezenas de milhares de pessoas. Escritórios e comitês se instalaram em todos os Estados brasileiros. Grandes comícios marcaram todo o país. Temendo uma revolução popular, em julho de 1935 o governo Vargas rompeu com a Constituição e decretou o fechamento da ANL, acusando-a de ser um movimento comunista e subversivo. Invasão de sedes, prisão dos ativistas e simpatizantes mais destacados e proibição de manifestações públicas caracterizaram o esquema repressor do regime.
Preparando uma ação militar
Com a clandestinidade, reduziu-se enormemente a participação popular, ficando o movimento restrito, praticamente, aos militantes e simpatizantes do PCB. Diante disso, o Comitê Central do Partido decidiu preparar um levante armado, a partir de suas bases nos principais quartéis do país. Acreditava que, com os quartéis controlados pelos revolucionários, os comitês do PC mobilizariam as massas dos principais centros urbanos que, de armas nas mãos, tomariam o poder nos Estados e provocariam a queda do Governo central, instalando no país uma República Popular, fundamentada no programa da ANL.
Tomada do Poder em Natal: começa a rebelião
A insurreição de 1935 começou em Natal, no dia 23 de novembro. O Comitê Central não havia marcado essa data; havia previsão de sua ocorrência no final de dezembro, simultaneamente, em todos os Estados onde o PCB tinha organização de base nos quartéis e entre as massas urbanas. Há várias versões para a precipitação da data, como a prisão, por indisciplina, de um grupo de cabos natalenses ligados ao movimento. Luís Carlos Prestes, comandante nacional da ANL, declarou: “Não creio que tenha havido provocação. Foi um erro de agitação… O que aconteceu em Natal, fugiu ao nosso controle. A verdade é que foi um movimento espontâneo, sem ordem da direção do Partido”.
Rápida e incruenta
A tomada do 21º Batalhão de Caçadores em Natal, foi rápida e fácil. Não houve resistência. Em pouco tempo, os militantes do Partido, entre os quais havia muitos trabalhadores do porto, receberam armas e munições e tomaram o quartel da PM, a Casa de Detenção e o Esquadrão de Cavalaria. Um grupo foi ao Teatro Carlos Gomes prender as autoridades que participavam de ato solene, mas, avisados em tempo, Governador, Prefeito e secretários fugiram e refugiaram-se nos consulados da Itália e do Chile.
GPR decreta medidas populares
Insurreição vitoriosa, Natal estava nas mãos dos rebeldes na manhã de 24 de novembro. Imediatamente, o Comando da Revolução promulgou decreto destituindo o Governador Rafael Fernandes Gurjão e a Assembléia Legislativa, e instalando o Governo Popular Revolucionário, composto por operários, intelectuais e profissionais liberais.
O Governo Popular decretou a Reforma Agrária, mandando distribuir as terras improdutivas aos camponeses e baixou os preços dos alimentos e das passagens. Outras medidas foram a expropriação dos cofres do Banco do Brasil e do Banco do Estado, com a finalidade de pagar o soldo das tropas e comprar materiais, e a requisição de alimentos para distribuir com o povo faminto.
Consolidado o poder em Natal, o GPR procurou ampliar o movimento, enviando tropas para o interior. O Plano deu certo em vários municípios, mas encontrou resistência na Serra do Doutor, onde jagunços organizados por Dinarte Mariz derrotaram as tropas insurgentes.
Com a derrota no interior, sem saber da deflagração do movimento no Recife, com as notícias de que forças militares da Paraíba e do Ceará dirigiam-se para Natal, os rebeldes foram enfraquecendo o ânimo. Com o aumento das deserções, o GPR decidiu, no dia 27 de novembro, abando-nar os postos e preparar-se para o futuro. Foram quatro dias de Governo Popular Revolucionário.
Insurreição em Pernambuco
Na noite de 23 para 24 de novembro, Gregório Bezerra recebeu ordem para controlar os quartéis do Recife, tomar armas e distribuí-las com a massa popular, que o Partido se encarregaria de mobilizar e levar a pontos determinados. Praticamente sozinho, pois a maioria dos soldados estava de licença, Gregório conseguiu dominar o QG, o CPOR e o Tiro de Guerra. Nos locais combinados para a entrega das armas, ninguém apareceu. Ferido, Gregório foi levado para uma enfermaria e preso enquanto se submetia a tratamento médico.
Enquanto isso, os revoltosos obtinham êxito no 29º Batalhão de Caçadores, na Vila Militar de Socorro, Município de Jaboatão. Houve mobilização operária e popular em Jaboatão, Moreno e Tejipió, tendo sido distribuídos 10 mil fuzis e mais de 50 metralhadoras. O povo, armado, mas sem experiência e sem orientação segura e firme, pouco pôde fazer. Após quatro dias de luta, o 29º BC rendeu-se ao cerco do 20º BC de Alagoas e do 22º BC da Paraíba. Olinda ficou algum tempo em poder dos revoltosos e houve lutas esporádicas em Limoeiro, Garanhuns e Paudalho.
Massacre no Rio de Janeiro
Quando o movimento estava já derrotado em Natal e no Recife, no dia 27 de novembro se levantou o 3º Regimento de Infantaria, no Rio de Janeiro, sob o comando do capitão Agildo Barata, e também a Escola de Aviação Militar, mas ambos foram sufocados rapidamente por forças militares várias vezes superiores. O 3º RI ficou reduzido a escombros.
A repressão abateu-se violenta em todo o país, com prisões, torturas e assassinatos e dois anos depois, em 1937, as classes dominantes implantavam o Estado Novo, uma ditadura centralizada na pessoa de Getúlio Vargas, que durou nove anos.
“Que não cesse o clamor dessa voz”
Harry Berger (codinome do militante comunista alemão Arthur Ewert), enviado pela IC para acompanhar o trabalho revolucionário no Brasil, chamou a atenção para um limite sério da ANL. Dizia: ” Enquanto os comunistas não se ligarem às massas camponesas e conquistarem seu apoio, é impossível obter a vitória”. (2) No mesmo sentido é o informe de Dimitrov ao VII Congresso da IC: ” No Brasil, o PC, que construiu uma base correta para o desenvolvimento da frente única, com a fundação da Aliança Nacional Libertadora, deve fazer o máximo de esforços para estender ainda mais essa frente e atrair, antes e acima de tudo, as massas de milhões de camponeses”. (3)
Sobre 1935, avalia José Praxedes de Andrade, operário sapateiro, dirigente do PC no Rio Grande do Norte e Secretário do Abastecimento do GPR em Natal: “O povo mesmo não participou diretamente da insurreição. Só os militantes do Partido. Se tivéssemos tido mais tempo, talvez essa situação se invertesse. Mas a insurreição de 1935 mostrou que, quando o povo se revolta e pega em armas contra um regime de arbítrio, pode ser vitorioso”.(4) Gregório Bezerra, por sua vez, afirmou: “O Comando (da insurreição) não se ligou às organizações partidárias para que estas mobilizassem as massas trabalhadoras. Houvesse uma concentração operária, como estava planejado, como fizemos em agosto do mesmo ano, o movimento revolucionário teria sido diferente .(5)
Os limites e erros da insurreição de 1935, como os apontados acima, não ofuscam os raios de esperança que brilharam durante quatro dias na cidade-sol (Natal), quando o povo sofrido comemorou as primeiras medidas do Governo Popular Revolucionário, que começavam a concretizar os seus anseios de pão, terra e liberdade. Sessenta e seis anos depois, essa bandeira continua atual e ainda mais necessária para os trabalhadores brasileiros, cujos problemas se agravaram. Como conclui o Hino da ANL: Este canto é preciso que brade/ que não cesse o clamor desta voz: no Brasil há de haver liberdade/ conquistada na rua por nós”
NOTAS
1) Prestes, Lutas e Autocríticas, Editora Vozes, Petrópolis (RJ), 1982
2) Citados por Leôncio Basbaum, in A História Sincera da República, volume 3, Alfa-Ômega,1983
3) Citado pelo Jornal A Classe Operária, edição de novembro 1975, no comunicado A Gloriosa Bandeira de 1935
4) Praxedes, um operário no poder, Moacyr de Oliveira Filho, Editora Alfa-Ômega, SP, 1985
5) Memórias, Gregório Bezerra, volume 1, Civilização Brasileira, RJ, 1980
