UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Terceirização e corrupção

Outros Artigos

corrupçãoA terceirização de serviços na administração pública tem sido apresentada à sociedade como uma forma de o Estado brasileiro obter mais eficiência na prestação de serviços públicos. Por essa propaganda, se a administração pública contratasse empresas prestadoras de serviços para executar atividades que não são tipicamente estatais, e concentrasse seus esforços nas atividades estatais típicas (saúde, educação, segurança pública), o Estado maximizaria sua capacidade de realizar essas atividades essenciais. Por outro lado, ao cometer as atividades não estatais a empresas especializadas, o Estado aumentaria o grau de satisfação da sociedade, uma vez que, com a sua especialização, essas empresas prestariam um serviço muito melhor.

Do discurso à prática, verifica-se, hoje, a terceirização da saúde e da educação, e não apenas das atividades-meio; e casos e casos de corrupção, em que a terceirização tem sido o meio utilizado para o enriquecimento ilícito.

O modo como esse mecanismo de corrupção opera inicia-se, em geral, com a contratação emergencial, com dispensa de licitação, de empresas prestadoras de serviços terceirizados ou de falsas organizações sem fins lucrativos, que superfaturam os preços dos contratos de prestação de serviços e servem, ainda, aos interesses econômicos e eleitorais de um político que engendra a sua contratação. Além do valor contratual superfaturado ser rateado entre as empresas e o(s) administrador (es) público(s) e político(s) – ganhos financeiros – há ainda o ganho eleitoral, pois cabos eleitorais são contratados como empregados da empresa terceirizada, em burla ao concurso público e ao princípio da impessoalidade da administração pública.

Um outro (falso) argumento pró-terceirização é o de que a terceirização de serviços de saúde gera mais eficiência. Os valores repassados às empresas prestadoras de serviços e para pseudo-organizações sociais, se fossem empregados nos serviços públicos, também gerariam eficiência. Há, portanto, uma propaganda levada a efeito há muitos anos para o cidadão achar que a terceirização é boa para o Estado brasileiro.

No entanto, o que o cidadão atento pode observar é o contrário, pois terceirizar tem saído muito caro ao Estado brasileiro: ou há superfaturamento de preços; ou empresas “somem”, deixando os seus empregados sem o pagamento de verbas salariais e rescisórias, e o Estado arca com a responsabilidade subsidiária por tais débitos trabalhistas; ou a organização social cobra taxa de administração e ainda superfatura valores de insumos e aumenta o número de atendimentos/consultas realmente efetuados .

A verdade é que, ao escolher terceirizar serviços, os administradores públicos, no caso específico da saúde e educação, passaram a não investir em tais serviços. Hospitais desaparelhados e anos sem fazer concurso público, ou seja, sucateamento do sistema público de saúde, para que, quando a “solução” da terceirização fosse dada, a população, desencantada com os problemas da saúde pública, ficasse satisfeita com os hospitais terceirizados.

No caso das organizações sem fins lucrativos, a justificativa estatal é que se trata de o Terceiro Setor contribuir com o Estado para a realização de suas atividades essenciais. Um exame do que ocorre na realidade destrói esse argumento.

Basta verificar-se que, se há alegação de carência de recursos estatais para a prestação de serviços de saúde e educação, só haveria real ajuda dessas organizações sem fins lucrativos se elas trouxessem recursos financeiros adicionais para o Estado, de modo a suplementar a capacidade financeira estatal, e, assim, juntos prestarem os serviços de educação e saúde.

O que se observa, porém, é que essas pseudoentidades sem fins lucrativos recebem recursos do Estado e não entregam bens ou recursos financeiros para suplementar a capacidade estatal de prestar serviços públicos. São contratadas, apenas, com a alegação de que têm especialização naquela área, que sabem administrar muito bem, que arregimentarão empregados sem as amarras do setor público (leia-se concurso público) e que despedirão, com facilidade (sem necessidade de processo administrativo prévio, com ampla defesa), os empregados ineptos ou desinteressados. Em suma, essas organizações sociais e congêneres vendem, tão somente, a terceirização, e, como demonstram os processos judiciais, na grande maioria dos casos, no bojo dessa terceirização encontra-se a corrupção.

Essa realidade deve ser muito bem analisada pelo cidadão, para que seja crítico em relação ao discurso da terceirização.

É urgente, portanto, que a sociedade manifeste-se contra a terceirização nas atividades estatais típicas e exija maior transparência nos contratos de prestação de serviços terceirizados nas atividades-meio, exigindo-se, por exemplo, que nas páginas de transparência sejam publicadas as planilhas de custos e formação de preços dos contratos; as datas em que foram efetuados os pagamentos das faturas; os nomes e CPFs dos empregados terceirizados lotados em cada posto de trabalho, de modo a evitar-se empregados fantasmas e a utilização do nome e CPF de um mesmo empregado em vários contratos.

Ileana Neiva Mousinho, procuradora Regional do Trabalho

Conheça os livros das edições Manoel Lisboa

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Matérias recentes