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sábado, 12 de outubro de 2024

Governo corta leitos de hospitais públicos

Editorial do Jornal A Verdade, edição nº 222, novembro de 2019, Página 03.

Ludmila Outtes


PRECARIZAÇÃO – Sem leitos, pacientes ficam em corredor de hospital.

BRASIL – Superlotação, pacientes em macas nos corredores das emergências, semanas de espera por vagas de internamento, milhares de cirurgias canceladas e muitas mortes à espera de uma vaga na UTI, a Unidade de Terapia Intensiva: essa é a realidade vista diariamente nos hospitais públicos do país.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), para a garantia de oferta de serviços de saúde à população, são necessários de três a cinco leitos de internação hospitalar para cada mil habitantes. No Brasil, essa média é de dois leitos para cada mil habitantes, e este índice continua caindo. É que, nos últimos dez anos, foi registrado o fechamento de 43 mil leitos de internação no Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados foram divulgados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) a partir de informações obtidas pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde, do Governo Federal.

Esses números representam uma queda de 12,7% dos leitos públicos. O Rio de Janeiro foi o estado mais afetado, com redução de 35,5% dos leitos. A média foi de 12 leitos desativados por dia em todo o país e as especialidades mais atingidas foram psiquiatria, cirurgia pediátrica, obstetrícia e cirurgia geral.

Segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), são necessários quatro leitos de UTI neonatal para cada mil nascidos vivos, pois, mesmo com acompanhamento pré-natal e gravidez sem risco, durante o parto podem acontecer imprevistos e complicações que gerem a necessidade de internamento do recém-nascido. “No Brasil temos a metade disso e estes são distribuídos de forma totalmente desproporcional, ficando a maioria concentrada nas capitais. Em Santa Catarina não é diferente: o número é insuficiente e mal distribuído, contribuindo significativamente para desfechos negativos”, lamenta Andrea Antunes Caldeira, obstetra e conselheira do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina. 

Segundo o Ministério da Saúde, a tendência em todo o mundo é de fechamento de leitos hospitalares, pois “o modelo de assistência busca investir na prevenção de doenças para que as pessoas não precisem ir para o hospital”. Certo. Mas não é isso o que se vê na prática.

Também as unidades básicas (postos de saúde e policlínicas) sofrem com o sucateamento, falta de profissionais, falta de materiais e superlotação. Os investimentos também não aumentaram. Então, como o ministro pretende melhorar a prevenção de doenças e reduzir o número de internamentos hospitalares?

A justificativa também não explica o fato de que, entre os campeões de fechamento, estão os leitos de obstetrícia. Acaso a população parou de crescer e não se registram mais nascimentos no país? Outro ponto importante ignorado pelo ministro é o envelhecimento da população brasileira – isto, sim, uma tendência –, que exige uma retaguarda em assistência a doenças típicas da maior idade.

A verdade é que, entre os anos de 2014 e 2018, houve uma redução de R$ 3 bilhões no orçamento federal destinado à assistência hospitalar e ambulatorial – de R$ 54,6 bilhões passou para R$ 51,5 bilhões. E a tendência é piorar, já que, em 2016, foi aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente (golpista) Michel Temer a PEC da Morte, que congelou por 20 anos os investimentos na saúde pública.

“A redução de leitos significa a diminuição de acesso a 150 milhões de brasileiros que recorrem ao SUS para atenção à saúde”, afirma o presidente do CFM, Carlos Vital. 

Vale lembrar também que problemas na gestão dos recursos inviabilizam o funcionamento dos leitos existentes. “Os leitos estão lá, mas estão desativados porque faltam insumos, financiamento adequado e pessoal”, explica o ex-presidente da Associação Médica Brasileira, Florentino Cardoso.

Lucros para Empresas Privadas

Com o fechamento dos leitos públicos, quem sai ganhando é a iniciativa privada. Prova disso é que, no mesmo período em que houve o fechamento de 12,7% dos leitos do SUS, os leitos da rede privada cresceram em 15,7% – um aumento de 18,3 mil leitos.

Também a política que tem sido adotada há tempos pelos governos estaduais é a contratação de leitos privados para suprir as demandas da rede pública. Ou seja, ao invés de se investir nas unidades do SUS, é preferível para os governadores gastar (bem mais) com o pagamento de leitos privados. 

O gasto com compra de leitos no Espírito Santo, em 2017, foi de pouco mais de R$ 93 milhões e, no ano passado, saltou para R$ 130,6 milhões. Um aumento de 40,26%, índice bem superior ao número de internações, cujo crescimento foi de 24,28%. Em 2017, 852 internações em clínicas custaram aos cofres públicos R$ 26,8 milhões. No ano passado, houve menos pessoas internadas (846) e o valor das despesas atingiu os R$ 42,2 milhões (A Gazeta, 16/06/2019).

Medidas Matam os Mais Pobres

A falta de investimentos no SUS gera ônus para os governos também com processos judiciais. No Ceará, por exemplo, o governo gastou cerca de R$ 10 milhões por mês no último ano com processos judiciais movidos pela Defensoria Pública por falta de leitos de UTI. Hoje, o estado conta com 1.062 leitos de UTI para atender a um contingente de 8,8 milhões de habitantes (Diário do Nordeste, 02/04/2019). Agora imagine um plus de R$ 10 milhões por mês para abertura e manutenção de novos leitos no estado!

Assim, ficam nítidas as consequências do sucateamento da saúde e redução dos recursos: várias mortes que poderiam ser evitadas. Por falta de leitos, diariamente acaba ficando nas mãos dos profissionais a difícil tarefa de decidir quem vai ter acesso ao leito – e tratamento – e quem não vai. Ou seja, quem vai morrer e quem terá a chance de lutar pela sua vida.

E quem morre são os mais pobres, que não podem pagar para ter uma assistência à saúde e a garantia de um leito hospitalar. Essas e outras medidas do governo revelam que o direito à vida só existe para os ricos e que não há outra saída senão a luta pela mudança radical e profunda da sociedade, que não mercantilize a saúde do seu povo e que não mate milhões de pessoas para garantir o lucro de uns poucos.

Precisamos seguir o exemplo da rebeldia dos nossos irmãos do Chile, Equador e outros países que têm se levantado em revolta contra as injustiças do capitalismo, pois somente com o fim do capitalismo teremos uma saúde pública realmente eficiente e eficaz para todos.

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