Larissa Fieschi
SÃO PAULO – Vila Clara, Zona Sul de São Paulo, 15 de junho de 2020. Uma pandemia assola o mundo enquanto mais um genocídio ocorre na periferia – lugar onde as opções se resumem a morrer infectado pelo novo coronavírus, morrer de fome ou morrer pela violência policial. Nesse dia foi encontrado Guilherme, de 15 anos, morto. O jovem estava em frente a casa de sua avó quando foi visto pela última vez, depois disso seu corpo foi encontrado no Instituto Médico Legal (IML), com marcas de tiros pelo corpo. A família da vítima acusa a Polícia Militar e alega ter encontrado a identificação do policial na cena do crime. Revoltados, os moradores do bairro foram às ruas para protestar e expor sua dor.
Em questão de horas as ruas da Vila Clara, Americanópolis, Jabaquara, Jardim Miriam e vários outros bairros periféricos, se encheram de moradores, se rebelando contra esse governo fascista que decide quem vive e quem morre no nosso país a partir da classe e da raça. O povo fechou as ruas, levantou cartazes e incendiou pneus e ônibus, demonstrando sua revolta.
Ficou no ar a pergunta: “Quem matou Guilherme?”. Não tardou para que a polícia chegasse e reprimisse violentamente a revolta. Enquanto manifestantes tinham pedras em suas mãos para se defenderem, os policiais estavam armados e jogavam bombas. A ação da PM foi extremamente agressiva: espancavam moradores, jogavam no chão e lançavam cada vez mais bombas.
Era de se esperar que com toda essa comoção popular o caso tivesse visibilidade e assim pudesse ser investigado, identificando os culpados e justiçando Guilherme. Mas, nos títulos das matérias na grande mídia ficou nítido que as classes ricas se indignam mais com a “perda” dos ônibus e dos pneus do que com a perda da vida de um adolescente periférico.
A burguesia é firme na defesa contra o que chamam de “vandalismo” e usam isso para encobrir sua política de fechar os olhos para a morte e o assassinato de jovens e crianças inocentes nas periferias ao redor do Brasil. Em canais da televisão aberta, governadores como o playboy João Dória pedem para as pessoas ficarem em casa de quarentena, mas despejam o povo ou entram nas moradias mais vulneráveis para matar. Institucionalizando assim o racismo estrutural, que não se baseia apenas nas relações interpessoais e sim na materialização de um projeto social e uma lógica colonial que não se extinguiu com o fim da escravidão.
A Direita e Sua Tentativa de Mascarar as Revoltas Populares
Os capitalistas e seus apoiadores mais ferrenhos fazem parecer que sua vitória é natural, que seus interesses atendem às necessidades de todo o povo e vão resolver nossos problemas. Querem nos fazer crer que sua moral e sua ética são universais e estão certas, ignorando completamente o materialismo histórico dialético.
Tratam Jair Bolsonaro como messias, como querido pelo povo, mas a verdade é que o povo não se deixa enganar. A moral que está nas periferias do país é fundada na solidariedade e não corresponde ao sistema capitalista e à propriedade privada. Por isso, a maior parte da população não votou nesse fascista e atualmente, 47% acham seu governo péssimo. É evidente que as manifestações contra esse desgoverno e contra o fascismo só aumentam, seja digitalmente ou presencialmente e está nítido que o povo quer derrubar esse governo e ser poder no nosso país.
Nós aprendemos nas escolas que a princesa Isabel, gentilmente, cedeu liberdade aos povos negros, quando na realidade foram anos de rebeliões, lutas e sofrimento. Deixam momentos como a revolta dos malês esquecidas nos desdobramentos da história. Isso se expressa atualmente na ideia de que o brasileiro não se indigna o suficiente, que os Estados Unidos ou a França são exemplos a serem seguidos mas os movimentos sociais e partidos brasileiros são vândalos ou não sabem se organizar.
A periferia não quer e não precisa dos ideais “liberais” de desenvolvimento que os governos defendem. A periferia não quer saber de legalização de armas quando morrem por elas o ano inteiro e, principalmente, a periferia não vai se calar diante da expressão mais pura de um fascismo que cala a população enquanto retira seus direitos, e lucra em cima da desigualdade social e do nosso sofrimento e exploração.
Por fim, devemos lembrar que o direito é burguês e apoia os latifundiários, é ferramenta essencial na segregação sócio-espacial. Isso fortalece uma classe dominante que utiliza de seus meios de coerção, como a força policial, para reprimir a população mais pobre com o objetivo de continuarem sem acesso a condições de existência dignas e para que as centenas de opressores lucrem com o sangue derramado de milhares e milhões de trabalhadores. O levante popular contra o genocídio dos negros e periféricos está acontecendo ao redor do Brasil e deve ser alimentado, divulgado e fomentado como fonte de esperança para a verdadeira mudança que o país precisa, que é o poder popular.